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PARECER PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO - PGM Nº 11.899 de 16 de Outubro de 2018

EMENTA N.° 11.899
Urbanístico. Moradia. Indenização por acessões e benfeitorias. Relação com o atendimento habitacional definitivo. Lei municipal n.° 15.720/2013 (artigo 20, §3º e artigo 21). Lei municipal n.° 16.050/2014-PDE (artigo 165, §8° e artigo 167). Coexistência das prescrições normativas. Caráter substitutivo da indenização pelas acessões erigidas para fins de moradia. Condições jurídicas para o pagamento da indenização. Regularidade lato sensu da ocupação sobre bens públicos ou privados. Justo titulo. Inserção da área em programa de regularização fundiária.

Processo n° 6014.2017/0000547-5

INTERESSADA: SECRETARIA MUNICIPAL DE HABITAÇÃO

ASSUNTO: Interpretação dos artigos 20 e 21 da Lei municipal n.° 15.720/2013. Indenização por benfeitorias e atendimento habitacional.

Informação n° 1.206/2018-PGM.AJC

COORDENADORIA GERAL DO CONSULTIVO

Assessoria Jurídico-Consultiva

Senhor Procurador Coordenador

A Secretaria Municipal de Habitação (SEHAB) formula consulta a esta Procuradoria Geral do Município acerca da interpretação a ser emprestada aos artigos 20 e 21 da Lei municipal n.° 15.720/2013, notadamente em relação ao pagamento de indenização por benfeitorias e sua repercussão nos programas municipais de apoio habitacional.

Manifestando-se a respeito, a Assessoria Jurídica da Pasta expediu o analítico parecer retro (SEI 5884321), tendo alcançado as seguintes conclusões:

(a) Desde o advento no Plano Diretor de 2014, a legislação municipal não entende o pagamento de indenização por benfeitorias como sucedâneo de atendimento habitacional definitivo, de maneira que a sua efetivação não mais importa na presunção de atendimento definitivo do interessado pela política habitacional;

(b) Assim, o §3º do artigo 20, bem como o artigo 21, ambos da Lei municipal 15.720/2013 -além dos artigos 9° e 10, §2°, do Decreto municipal n.° 54.072/2013 -, foram derrogados tacitamente pelos artigos 165, §8°, e 167, da Lei municipal n.° 16.050/2014;

(c) Mantém-se intocada a possibilidade de pagamento administrativo de indenizações por benfeitorias no âmbito de processos de regularização fundiária, desde que esteja devidamente caracterizada a posse;

(d) Havendo posse de bem municipal, é possível se cogitar do pagamento administrativo de indenizações por benfeitorias;

(e) Na hipótese de ocupação indevida de imóvel público, inviável o pagamento de indenizações por benfeitorias;

(f) Caso se esteja diante de imóvel particular, o pagamento pela Prefeitura de indenização por benfeitorias exige a demonstração da responsabilidade civil do Estado;

(g) A juridicidade do desembolso demanda a investigação do elemento subjetivo inerente à posse, devendo ser limitada a indenização às benfeitorias necessárias e úteis, se constatada a posse de boa-fé, e apenas às necessárias, caso caracterizada a posse de má-fé.

Diante do entendimento fixado pela Assessoria Jurídica da Pasta da Habitação, e haja vista a repercussão do regime sob análise, entendeu-se pertinente o pronunciamento desta Procuradoria Geral do Município.

É o relatório.

A consulta formulada pela Secretaria da Habitação pode ser agrupada em dois temas gerais. A primeira envolve a natureza da "indenização por benfeitorias" decorrente da intervenção urbanística prevista nas Leis municipais n.° 15.720/2013 e 16.050/2014, notadamente acerca do seu caráter substitutivo ou prévio ao atendimento habitacional definitivo. A segundo refere-se às próprias condições jurídicas que autorizam o pagamento de referida indenização.

A análise será feita de modo apartado, com abordagem das demais questões suscitadas pela SEHAB, como desdobramentos dos pontos principais.

I. NATUREZA DA INDENIZAÇÃO POR INTERVENÇÕES URBANÍSTICAS

A indenização resultante da extinção de títulos de ocupação, relacionada à necessidade de intervenção urbanístíca pelo Poder Público (realização de obras de urbanização ou remoção por risco) encontra substrato normatívo na Lei municipal n.° 15.720/2013 (artigo 20), regulamentada pelo Decreto municipal n.° 54.072/2013, e na Lei municipal n.° 16.050/2014 - Plano Diretor Estratégico (artigos 165, §8° e 167).

De acordo com o entendimento da SEHAB-AJ, a sucessão legislativa observada entre a norma de 2013 e a de 2014 resultou na alteração do regime jurídico da reparação, de modo que a "a legislação municipal não entende o pagamento de indenizações por benfeitorias como sucedâneo de atendimento habitacional definitivo", emprestando-lhe, ao revés, feição ancilar, antecessora de um atendimento peremptório.

Consigne-se, inicialmente, que a terminologia adotada legalmente - "indenização por benfeitorias" - carreia uma incompletude que merece ser esclarecida desde já. Com efeito, embora a reparação contemple efetivamente as benfeitorias (melhoramentos) realizadas sobre o bem, o principal cenário em que a indenização incide envolve as acessões (construções) erigidas sobre a coisa1.

De acordo com a nossa compreensão, e a despeito do robusto parecer da SEHAB-AJ, não se pode segregar de modo absoluto a indenização pelas acessões e o atendimento habitacional definitivo, sob pena de desprezar a própria feição do beneficio percebido. Imagine-se um determinado ocupante que erige uma construção utilizada para fins de moradia, posteriormente beneficiário de uma indenização resultante de uma intervenção urbanística. Verifica-se, nesse cenário, uma legítima sub-rogação da acessão-moradia pelo montante indenizatório, potencialmente utilizável para o mesmo desiderato.

Essa, aliás, a premissa legal vertida na Lei municipal n.° 15.720/2013 (artigos 20, §3° e 21), que não se encontra, neste aspecto, derrogada pelo Plano Diretor Estratégico. Nas circunstâncias em que a indenização se refere a construções destinadas à moradia do ocupante, o respectivo montante assume caráter substitutivo do atendimento habitacional definitivo.

Concluir de modo diverso seria desprezar a natureza jurídica das coisas, emprestando ao ordenamento uma exegese descolada da própria realidade fenomênica, de modo a fomentar, inclusive, efeitos deletérios. Assim, caso se desvincule de modo rigoroso a indenização pela acessão do atendimento definitivo, haverá notório prejuízo àqueles que não auferiram tal beneficio e que se encontram no cadastro de atendimento habitacional. Não é demais consignar que os valores objeto de indenização pelas acessões erigidas no local não são desprezíveis; ao revés, alcançam valores consideráveis.

A propósito disso, vale apontar a nova diretriz estabelecida pela Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro2, que em seu artigo 20 impõe a avaliação das "consequências práticas da decisão", o que se estende para a própria interpretação das normas sobre gestão pública, baseadas nas "exigências das políticas públicas" e nos "direitos dos administrados" (artigo 22)3. Dissociar, portanto, o quantum recebido pelo beneficiário a titulo de indenização por acessão e o atendimento habitacional definitivo representa fragilizar a própria política pública habitacional paulistana, ante o potencial impacto que pode acarretar, infringindo a própria isonomia que deve pautar o atendimento habitacional.

Sob o prisma jurisprudencial, consigne-se decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, que julgou prejudicado recurso por perda do objeto, haja vista a superveniência de atendimento habitacional definitivo por meio do recebimento de indenização por benfeitoria (Apelação 101875889.2016.8.26.0053, 3ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Marrey Uint, julg. 24/07/2018)4.

Em suma, a interpretação que merece prevalecer deve ser norteada pela conjugação entre os ditames da Lei municipal n.° 15.720/2013 (artigos 20, §3° e 21) e da Lei municipal n.° 16.050/2014-PDE (artigos 165, §8° e 167), de modo a extrair-lhes não só uma interpretação útil, como também uma exegese compatível com a isonomia, de modo a lhes atribuir impactos sociais negativos mínimos.

Diante disto, acaba-se por concluir que o caráter da indenização por acessão/benfeitoria, se substitutivo ou não ao atendimento habitacional definitivo, dependerá das circunstâncias da reparação in concreto. Como já mencionado, se o montante referir-se à construção erigida sobre o local, utilizada pelo beneficiário como sua moradia, patente o seu efeito sub-rogatório ao atendimento habitacional definitivo. Caso contrário, o pagamento da indenização não afasta a manutenção do interessado nos programas municipais de moradia.

II. REQUISITOS JURÍDICOS PARA O PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO POR ACESSÕES E BENFEITORIAS

Outro ponto considerado pela SEHAB refere-se aos pressupostos jurídicos para o pagamento da indenização, seja na hipótese envolvendo bem público, seja no contexto referente a bem particular.

Nas situações em que as entidades públicas venham a conceder titulo de ocupação lato sensu sobre bens públicos, a SEHAB-AJ reconhece a consequente posse pelo seu beneficiário, de modo a se aplicar o direito de indenização pelas benfeitorias. "A situação, contudo, muda de perspectiva quando a ocupação do bem público se apresenta irregular. Nessas hipóteses, o STJ é igualmente uníssono quanto à não caracterização da posse e, por conseguinte, quanto à ausência de direito de indenização por benfeitorias ou à sua retenção".

É preciso, entretanto, delimitar juridicamente o que se deve entender por ocupação irregular. Quanto a isso, entende-se necessário avaliar o contexto excludente a ela associada, ou seja, a ocupação regular, a partir da qual cabível, de fato, o pagamento em tese da indenização pelas acessões e benfeitorias.

Assim, a regularidade da ocupação abrange, para além das situações em que o ocupante detém justo titulo, aquelas em que o próprio ordenamento atribui um contexto jurídico de potencial adequação. É o que se verifica nos assentamentos informais objeto de regramento pela Lei municipal n.° 15.720/2013, que dispõe sobre a regularização fundiária de interesse social no Município de São Paulo5. Se o próprio Direito confere, mediante a observância de determinados requisitos, um cenário de juridicidade a "ocupações inseridas em parcelamentos informais ou irregulares"6, inafastável reconhecer-lhe a irradiação de certos efeitos, entre os quais aquele contemplado na própria Lei federal n.° 13.465/2017 em seu artigo 20, §3° - ainda subsistente. A propósito, o art. 21 do mesmo diploma legitima a indenização nas situações que não tenham "sido objeto de concessão de uso anterior".

No tocante aos bens privados, SEHAB-AJ compreende ser aplicável o regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado, ex vi do art. 37, §6°, da CF, porquanto a "Administração se apresenta como terceiro estranho ao vínculo jurídico original". O raciocínio, contudo, não merece subsistir, haja vista a própria fragilidade da premissa adotada pela Pasta da Habitação: desvinculação da indenização em relação ao atendimento habitacional definitivo. Considerando que a reparação pelas acessões pode estar, a depender do caso concreto, relacionada à disponibilização de moradia peremptória (cf. visto no item anterior), o seu fundamento está adstrito juridicamente ao próprio direito subjetivo à moradia. Desnecessária, neste contexto, a invocação da responsabilidade patrimonial do Estado.

III. CONCLUSÃO

Diante das considerações acima tecidas, conclui-se:

(i) Os artigos 20, §3°, e 21, ambos da Lei municipal n.° 15.720/2013 não foram revogados pelos artigos 165, §8°, e 167, da Lei municipal n.° 16.050/2014 (Plano Diretor Estratégico). Trata-se de prescrições que coexistem, alcançando cada qual um sentido hermenêutico próprio;

(ii) Assim, o caráter da indenização por acessões e benfeitorias, se substitutivo ou não ao atendimento habitacional definitivo, dependerá das circunstâncias da reparação in concreto. Se o respectivo montante referir-se à construção erigida sobre o local, utilizada pelo beneficiário como sua moradia, patente o seu efeito sub-rogatório ao atendimento de moradia (artigos 20, §3°, e 21, da Lei municipal n.° 15.720/2013). Caso contrário, incidente os artigos 165, §8°, e 167, da Lei municipal n.° 16.050/2014 (Plano Diretor Estratégico);

(iii) A legitimidade do pagamento de indenização pelas acessões e benfeitorias está condicionada à regularidade lato sensu da ocupação, a qual se extrai, entre outras hipóteses, da existência de justo título, bem como da inserção da área em programa de regularização fundiária. Trata-se de regime aplicável tanto em relação a bens públicos quanto privados.

À consideração superior.

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São Paulo, 16 de outubro de 2018.

RODRIGO BORDALO RODRIGUES

PROCURADOR ASSESSOR - AJC

OAB/SP 183.508

PGM

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De acordo.

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São Paulo, 16/10/2018.

TICIANA NASCIMENTO DE SOUZA SALGADO

PROCURADORA ASSESSORA CHEFE

OAB/SP 175.186

PGM / AJC

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1 Trata-se de confusão costumeira, a ponto de exigir da doutrina advertência específica. Nesse sentido é que esclarece Sílvio Venosa: "Não se confundem, também, benfeitorias com acessões,. Tudo que se incorpora, natural ou artificialmente, a uma coisa chama-se acessão. A acessão artificial, mormente as construções, na prática, podem ser confundidas com benfeitorias, o que não é correto." (Direito Civil, 2002, São Paulo: Atlas, p. 326).

2 Cf. Lei n.° 13.655/2018.

3 Vale apontar as considerações tecidas pela comissão de juristas instituída para a elaboração do PL 7.448/2017 (que resultou na Lei n.° 13.655/2018), formada, entre outros, por Carlos Ari Sundfeld, Floriano de Azevedo Marques Neto, Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Marçal Justen Filho e Egon Bockmann Moreira: "A premissa é a de que as decisões na gestão pública não são tomadas em um mundo abstrato de sonhos, mas de forma concreta, para resolver problemas e necessidades reais. (...) Seria pouco razoável admitir que as normas pudessem ser ignoradas ou lidas em descompasso com o contexto fático em que a gestão publica a ela submetida se insere. E neste contexto, reconheça-se, a consideração da situação fática é uma premissa elementar da aplicação de qualquer norma jurídica (...)". 

4 Nos termos do Acórdão: "Entretanto, no curso da ação, sobreveio manifestação não contrariada da Municipalidade de São Paulo, informando que o Autor recebeu atendimento habitacional por meio de decisão administrativa. De fato, tal assertiva restou inconteste no feito, haja vista o despacho nos autos  do processo administrativo n° 2016-0.205.745-8, autorizando o pagamento de indenização em favor do Autor, a titulo de indenização por benfeitorias no imóvel por ele habitado".

5 Atente-se que o diploma municipal de 2013 merece ser interpretado de modo compatível com a superveniente Lei federal n.° 13.465/2017, haja vista a revogação da Lei federal n.° 11.977/2009.

6 Definição contemplada no art. 3°, inciso VI, da Lei municipal n.° 15.720/2013.

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Processo n° 6014.2017/0000547-5

INTERESSADA: SECRETARIA MUNICIPAL DE HABITAÇÃO

ASSUNTO: Interpretação dos artigos 20 e 21 da Lei municipal n.° 15.720/2013. Indenização por benfeitorias e atendimento habitacional.

Cont. da Informação n° 1.206/2018-PGM.AJC

PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO

Senhor Procurador Geral

Encaminho a manifestação da Assessoria Jurídico-Consultiva desta Coordenadoria Geral, que acolho integralmente.

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São Paulo, 16/10/2018.

TIAGO ROSSI

COORDENADOR GERAL DO CONSULTIVO

OAB/SP 195.910

PGM

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Processo n° 6014.2017/0000547-5

INTERESSADA: SECRETARIA MUNICIPAL DE HABITAÇÃO

ASSUNTO: Interpretação dos artigos 20 e 21 da Lei municipal n.° 15.720/2013. Indenização por benfeitorias e atendimento habitacional.

Cont. da Informação n° 1.206/2018-PGM.AJC

SECRETARIA MUNICIPAL DE HABITAÇÃO

Senhor Secretário

Nos termos da consulta retro, encaminho com a manifestação da Coordenadoria Geral do Consultivo, que acolho, no sentido de que:

(i) Os artigos 20, §3°, e 21, ambos da Lei municipal n.° 15.720/2013 não foram revogados pelos artigos 165, §8°, e 167, da Lei municipal n.° 16.050/2014 (Plano Diretor Estratégico). Trata-se de prescrições que coexistem, alcançando cada qual um sentido hermenêutico próprio;

(ii) Assim, o caráter da indenização por acessões e benfeitorias, se substitutivo ou não ao atendimento habitacional definitivo, dependerá das circunstâncias da reparação in concreto. Se o respectivo montante referir-se à construção erigida sobre o local, utilizada pelo beneficiário como sua moradia, patente o seu efeito sub-rogatório ao atendimento de moradia (artigos 20, §3°, e 21, da Lei municipal n.° 15.720/2013). Caso contrário, incidente os artigos 165, §8°, e 167, da Lei municipal n.° 16.050/2014 (Plano Diretor Estratégico);

(iii) A legitimidade do pagamento de indenização pelas acessões e benfeitorias está condicionada à regularidade lato sensu da ocupação, a qual se extrai, entre outras hipóteses, da existência de justo titulo, bem como da inserção da área em programa de regularização fundiária. Trata-se de regime aplicável tanto em relação a bens públicos quanto privados.

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São Paulo, 18/10/2018.

GUILHERME BUENO DE CAMARGO

PROCURADOR GERAL DO MUNICÍPIO

OAB/SP 188.975

 

Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo