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PARECER PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO - PGM Nº 11.889 de 5 de Setembro de 2018

EMENTA N° 11.889

Pedido de oficialização de logradouro. Afetação dependente de uma atuação do Poder Público municipal, não bastando a abertura da via por terceiro. Possibilidade de oficialização de via oferecida ao Município, a critério dos órgãos competentes, antes da conclusão do processo de regularização do parcelamento.

Processo nº 2017-0.123.158-8

INTERESSADO: Emcamp Residencial S.A.

ASSUNTO: Pedido de oficialização de logradouro.

Informação n. 1059/2018-PGM.AJC

PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO

COORDENADORIA GERAL DO CONSULTIVO

Senhor Coordenador Geral

Trata o presente de requerimento de oficialização de via, com o propósito de dar acesso ao imóvel encravado objeto da Matrícula n. 173.920, do 12° Cartório de Registro de Imóveis, situado nas proximidades da Rua Japichaua, Ermelino Matarazzo.

PARHIS encaminhou os autos a DEMAP, para manifestação quanto a se a via a ser oficializada seria pública, dada a inexistência de informações sobre sua origem (fls. 24/25).

 DEMAP-11 realizou estudo de domínio, no qual se alcançaram diferentes conclusões quanto à área em questão, delimitada em azul às fls. 15: de uma parte, o trecho efetivamente implantado da via em questão (1B, com origem no loteamento Vila Jacuí, em regularização no p.a. n. 2008-0.105.056-8) estaria integrado ao patrimônio municipal, em vista das intervenções efetuadas pela CDHU, conforme situação fática apurada por SEHAB-CRF; de outra parte, o prolongamento não implantado da via, assinalado em verde claro às fls. 9, que não faz parte do processo de regularização do loteamento, integraria ainda o patrimônio do DAEE (fls. 166).

Destacando a sugestão de SEHAB no sentido de uma possível extensão do perímetro da regularização, para incluir também a área entendida como pertencente ao DAEE, a Diretoria de DEMAP submete o entendimento da unidade especializada a esta Coordenadoria (fls. 167/168).

É o relatório do essencial.

Não parece haver reparo algum ao entendimento manifestado por DEMAP no tocante ao trecho destacado às fls. 9 do presente, que se encontra registrado em nome do DAEE, não faz parte da regularização do loteamento em questão e não foi utilizado para a efetiva abertura da via. Não há nem sequer uma tese que possa sustentar o domínio público sobre o trecho, que deve ser considerado efetivamente como pertencente ao DAEE.

No tocante ao outro trecho, em que a via se encontra aberta, parece haver clara semelhança com o caso analisado na Informação n. 3248/2013 - SNJ.G, cujos termos podem ser aqui reiterados.

Com efeito, DEMAP afirma o domínio público sobre o leito da via aberta em função da situação fática existente, apurada por SEHAB-CRF (fls. 107), mas sem que haja elementos no sentido de que tenha sido a Municipalidade a responsável por tal abertura.

Conforme observado na análise do precedente invocado, a oficialização de vias não é necessariamente uma providência que decorra do domínio público sobre um determinado espaço destinado à utilização pública. Com efeito, a oficialização pode corresponder ao recebimento, por parte da Urbe, de uma área que lhe foi oferecida por um particular, constituindo-se, assim, no ato final de aperfeiçoamento do chamado concurso voluntário - uma das mais relevantes causas de aquisição do domínio público pela Urbe. Nesse sentido, a oficialização pode não ser uma decorrência, mas uma causa da aquisição do domínio público.

Nesse sentido, estando uma via aberta, poderia a Urbe, por seus órgãos técnicos, considerar já efetuado o seu oferecimento ao Poder Público, por parte do particular, deliberando então recebê-la. Neste caso, "a manifestação de vontade da administração dá-se através da afetação"1A partir da afetação, o imóvel pode ser considerado integrante do patrimônio público, por força do concurso voluntário.

No entanto, ao contrário do sustentado por DEMAP, a afetação não é algo decorrente somente de aspectos fáticos. Atualmente, o crescimento urbano é objeto de normas jurídicas que conferem ou não licitude a determinadas iniciativas voltadas para a expansão urbana2. Assim, nos dias de hoje, há limites para a entrega de áreas ao uso público, sobretudo na legislação urbanística e ambiental. Levando em conta tais normas, portanto, a Administração deve decidir se uma dada situação fática existente merece ser reconhecida como apta a produzir efeitos translativos de domínio. Dessa sorte, já se entendeu que "o uso comum de uma coisa não é o bastante para dar o direito de propriedade"3 ou, em termos mais precisos, que "não é suficiente o uso comum para tornar público um bem; é de mister a afetação, expressa ou implícita"4. A afetação decorre, pois, sempre de uma atuação da Administração, que pode ser subsequente ao surgimento das condições fáticas necessárias ao reconhecimento de uso pela coletividade.

Na verdade, a afetação pode assumir uma variedade de formas, expressas ou tácitas5, segundo as providências que venham a ser tomadas pelos órgãos técnicos municipais. Ela pode ocorrer, é certo, em razão da regularização de um loteamento, mas também pode dar-se por força da oficialização isolada de vias ou mesmo em razão da realização deliberada de obras públicas no logradouro aberto.

Não existe, contudo, uma hierarquia entre esses diversos atos de afetação. Não há necessidade de que as obras públicas sejam feitas somente em vias de loteamentos regularizados, nem se exige que a regularização do loteamento seja necessariamente anterior às vias dele integrantes. Aliás, seria até mesmo inviável que as obras em determinadas vias exigissem a prévia regularização do loteamento, pois é comum que esta última dependa justamente da regularidade técnica das vias abertas, providência que exige a realização de obras no local. Se a realização de obras - que caracteriza a afetação - pode dar-se antes da regularização do loteamento, tampouco há razão para esperar a finalização desse procedimento para proceder à oficialização de vias abertas.

É claro que essas diversas formas de afetação ao uso público, como formas de atuação da Administração, estão sujeitas a limites jurídicos. Não seria possível que a Municipalidade passasse a oficializar indiscriminadamente vias abertas de modo criminoso, tão somente por se encontrarem implantadas. Para esses casos, a solução jurídica adequada é o desfazimento das obras irregulares e não a oficialização do logradouro. De outra parte, tampouco seria recomendável oficializar logradouros quando isso pudesse ser considerado uma espécie de apossamento administrativo, atentando contra direitos de particulares.

Todas essas avaliações podem, é claro, ser feitas pelos órgãos técnicos municipais no âmbito do processo de regularização do parcelamento do solo. Cabe ressalvar, contudo, que, em razão da variedade de possíveis formas da afetação ao uso público, nem sempre seu reconhecimento precisa ser feita dentro do procedimento de regularização do parcelamento, nem precisa ocorrer necessariamente ao fim deste. Pode haver alguma conveniência em apreciar a questão da oficialização de vias no âmbito do procedimento de regularização, tendo em vista que este poderá consolidar os diversos assuntos relacionados, proporcionando talvez uma oportunidade para uma análise mais acurada. No entanto, não se trata de uma imposição sob o ponto de vista jurídico.

A questão juridicamente mais relevante, na verdade, diz respeito à possibilidade de que a via aberta seja objeto de desfazimento ou de alteração em suas características físicas. Caso os órgãos técnicos avaliem, de acordo com as normas aplicáveis, que a melhor solução é a manutenção da via, de acordo com suas características atuais, nada impede que seja promovida sua oficialização, mesmo que não se tenha ainda chegado ao fim do complexo processo de regularização do parcelamento do solo.

Vale observar que essa conclusão não caracteriza, de modo algum, um salvo-conduto para a abertura ilícita de vias. Ao contrário, ressalta-se aqui a necessidade de que as providências de desfazimento sejam tomadas para coibir a prática de atos contrários à lei. Caso seja necessário, por exemplo, promover a eliminação de um trecho de via para o reflorestamento daquele espaço - imaginando uma área de preservação ambiental -, essa providência deve ser tomada, tão logo quanto possível. No entanto, quando já não há horizonte desse desfazimento, ou quando estão em curso as providências para a regularização da situação existente, nada impede que a oficialização de vias seja antecipada, até porque a postergação de tal medida não traria vantagem nenhuma a quem quer que seja.

No caso presente, portanto, caberá aos órgãos técnicos municipais avaliar a situação existente, podendo-se propor, conforme o caso, a oficialização da via, providência que poderá integrar o procedimento de regularização de parcelamento do solo, mas que não necessariamente deverá ocorrer somente ao final deste.

Assim sendo, mesmo em relação ao trecho aberto da via, não parece possível, neste momento, afirmar seu caráter público, o que não afasta, por óbvio, que essa condição jurídica seja alcançada em função da atuação dos órgãos municipais competentes, por meio do recebimento da via em questão no âmbito da regularização do parcelamento em questão. Vale observar, ainda, na linha do precedente invocado, que caberá aos órgãos técnicos, em sua esfera de competência, avaliar eventual possibilidade de oficialização do logradouro, ainda que não se possa baseá-la na transferência pretérita do leito da passagem ao Município.

Com essa orientação, propõe-se seja o presente restituído a PARHIS, para o devido prosseguimento.

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São Paulo, 05/09/2018.

JOSÉ FERNANDO FERREIRA BREGA

PROCURADOR ASSESSOR - AJC

OAB/SP 173.027

PGM

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De acordo.

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São Paulo, 10/09/2018.

TICIANA NASCIMENTO DE SOUZA SALGADO

PROCURADORA ASSESSORA CHEFE - AJC

OAB/SP 175.186

PGM

 . 

1 Motta, Eduardo Vianna, Bens de uso comum do povo. Natureza jurídica da relação entre eles e a pessoa de direito público. Modos de aquisição. Artigos publicados na Revista dos Tribunais, n. 332 a 340, de junho de 1963 a fevereiro 1964, p. 36 - tais artigos estão disponíveis, em texto consolidado, na Revista dos Tribunais on Line, cujas páginas são referidas nas citações aqui efetuadas.

2 Assim, "com o advento de uma maior organização administrativa, e correspondendo a publicidade de vias a uma série de obrigações por parte do poder público, o direito administrativo introduziu o requisito da afetação como elemento indispensável à caracterização da publicidade do bem. Já não basta a destinação dada pelo proprietário, nem a usança, por todos do povo" (Motta, Eduardo Vianna, op. cit.. p. 26).

3 Motta, Eduardo Vianna, op. cit.. p. 14.

4 Motta, Eduardo Vianna, op. cit. p. 16.

5 Já se observou que a afetação pode ocorrer por decreto ou mero despacho aposto após a vistoria, ou mesmo por meio da realização de obras no local (cf. Motta, Eduardo Vianna, op. cit., p. 37). Cita também julgado do antigo Tribunal de Alçada, segundo o qual a oficialização de uma via não dependeria de ato administrativo, bastando fatos indicativos do apossamento do terreno para transformá-lo via pública (op. cit., p. 16).

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Processo nº 2017-0.123.158-8

INTERESSADO: Emcamp Residencial S.A.

ASSUNTO: Pedido de oficialização de logradouro.

Cont. da Informação n. 1.059/2018-PGM.AJC

PGM

Senhor Procurador Geral

Encaminho-lhe o presente, com o entendimento da Assessoria Jurídico-Consultiva desta Coordenadoria Geral do Consultivo, que acolho, no sentido de que não há fundamento para sustentar o domínio público das áreas em questão, podendo os órgãos técnicos municipais avaliar a consolidação da situação fática e a manutenção da via existente, a fim de promover sua oficialização, até mesmo antes da conclusão do procedimento de regularização relativo à totalidade do parcelamento.

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São Paulo, 17/09/2018.

TIAGO ROSSI

PROCURADOR DO MUNICÍPIO

COORDENADOR GERAL DO CONSULTIVO

OAB/SP 195.910

PGM

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Processo nº 2017-0.123.158-8

INTERESSADO: Emcamp Residencial S.A.

ASSUNTO: Pedido de oficialização de logradouro.

Cont. da Informação n. 1.059/2018-PGM.AJC

PARHIS

Senhor Coordenador

Em atenção à consulta formulada, encaminho-lhe o presente, com o entendimento da Coordenadoria Geral do Consultivo, que acolho, no sentido de que não está caracterizado o domínio público sobre a área em questão, podendo-se avaliar tecnicamente a oficialização da via efetivamente aberta, até mesmo como medida anterior à conclusão do procedimento de regularização do parcelamento em questão.

Acompanham os p.a. 1980-0.028.528-2; 2008-0.105.056-8 e 2011-0.254.817-7.

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São Paulo, 01/10/2018.

GUILHERME BUENO DE CAMARGO

PROCURADOR GERAL DO MUNICÍPIO

OAB/SP 188.975

PGM

Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo