CASA CIVIL DO GABINETE DO PREFEITO

Acessibilidade

PARECER PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO - PGM Nº 11.876 de 3 de Agosto de 2018

EMENTA N.° 11.876

Licitação pública. Decreto federal n.° 9.412, de 18 de junho de 2018. Atualização dos valores das modalidades licitatórias. Dispensa de licitação em razão do pequeno valor. Artigo 120 da Lei n.° 8.666, de 21 de junho de 1993. Competência do Poder Executivo Federal. Caráter de norma geral. Extensão dos efeitos para o Município de São Paulo. Incidência imediata.

Processo SEI n° 6029.2018/0001415-0

INTERESSADA: SECRETARIA MUNICIPAL DE SEGURANÇA URBANA

ASSUNTO: Aplicabilidade do Decreto federal n.° 9.412, de 18 de junho de 2018, no âmbito da Administração Pública Municipal de São Paulo.

Informação n° 0868/2018-PGM.AJC

COORDENADORIA GERAL DO CONSULTIVO

Assessoria Jurídico-Consultiva Senhor

Procurador Coordenador

A Secretaria Municipal de Segurança Urbana (SMSU) encaminha consulta sobre a aplicabilidade do Decreto federal n.° 9.412, de 18 de junho de 2018, no âmbito do Município de São Paulo[1]. Trata-se de regulamento que atualizou os valores das modalidades de licitação de que trata o artigo 23 da Lei n.° 8.666, de 21 de junho de 1993, repercutindo, demais, nas bases monetárias para dispensa de licitação, ex vi do artigo 24, incisos I e II, do mesmo diploma legal.

Pronunciando-se a respeito, a Assessoria Jurídica da Pasta expediu o parecer retro (9907122), concluindo que a "aplicação do Decreto Federal n° 9.412, de 2018, está circunscrita à Administração Pública Federal", em razão do princípio federativo e da autonomia das entidades federadas.

Diante da necessidade de se firmar um posicionamento uniforme para toda a Administração municipal, foi formulada a respectiva consulta a esta Procuradoria Geral do Município.

É o relatório.

O Decreto federal n.° 9.412, de 18 de junho de 2018, procedeu à atualização dos valores das modalidades licitatórias contempladas no artigo 23 da Lei n.° 8.666, de 21 de junho de 1993, conforme indicado abaixo. 

MODALIDADES LICITATÓRIAS

 

COMPRAS E SERVIÇOS GERAIS

OBRAS E SERVIÇOS DE ENGENHARIA

 CONCORRÊNCIA

 Acima de R$ 1,43 milhão

 Acima de R$ 3,3 milhões

 TOMADA DE PREÇOS

 Entre R$ 176 mil e R$ 1,43 milhão

 Entre R$ 330 mil e R$ 3,3 milhões

 CONVITE

 Até R$ 176 mil

 Até R$ 330 mil

 

Como se pode perceber, reajustaram-se os valores em cento em vinte por cento, correspondente à metade do índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) acumulado de maio de 1998 a março de 2018. Ressaltes-se que desde o ano de 1998 - ou seja, em um interregno de vinte anos! - os montantes não eram objeto de correção.

O novo parâmetro quantitativo repercute necessariamente nas dispensas licitatórias estampadas no artigo 24, incisos I e II, do mesmo diploma legal, tradicionalmente proclamadas como dispensa em razão do pequeno valor. Os valores atualizados são os seguintes:

DISPENSA POR PEQUENO VALOR

COMPRAS E SERVIÇOS GERAIS

OBRAS E SERVIÇOS DE ENGENHARIA

Até R$ 17,6 mil

Até R$ 33 mil

 

O Decreto federal n.° 9.412, de 18 de junho de 2018, detém fundamento no artigo 120 da Lei n.° 8.666/93[2], que assim dispõe:

Art. 120. Os valores fixados por esta Lei poderão ser anualmente revistos pelo Poder Executívo Federal, que os fará publicar no Diário Oficial da União, observando como limite superior a variação geral dos preços do mercado, no período.

O questionamento que se impõe, à luz da competência legislativa prevista no artigo 22, inciso XXVII, da Constituição Federal[3], é o caráter deste preceito e do próprio regime definidor das modalidades licitatórias e das dispensas por valor reduzido: se veiculam normas gerais ou não. Caso positivo, merece atendimento por todas as entidades federativas; se negativa a resposta, cada ente público deteria atribuição para o respectivo enquadramento.

A propósito das normas gerais em matéria de licitação, embora diversos autores tenham se debruçado sobre o tema, destaque seja dado a uma das obras específicas (e pioneiras, pode-se dizer) a respeito, de autoria de Alice Gonzalez Borges[4]. De acordo com a autora, as normas gerais sobre licitações admitem diversas configurações e conteúdos, entre as quais aquelas "de aplicação em âmbito nacional, determinando comportamentos uniformes às ordens locais, para assegurar-se o cumprimento de princípios fundamentais e prevenir-se a ocorrência de controvérsias entre as unidades da Federação, ou entre seus órgãos e administrados"[5].

Trata-se de lição que se espraiou no cenário doutrinário nacional, a ponto de influenciar de modo expresso diversos autores, como Celso Antônio Bandeira de Mello, para quem as normas gerais veiculam tanto "preceitos que estabelecem os princípios, os fundamentos, as diretrizes, os critérios básicos"[6], quanto "preceitos que podem ser aplicados uniformemente em todo o País, por se adscreverem a aspectos nacionalmente indiferençados, de tal sorte que repercutem com neutralidade, indiferentemente, em quaisquer de suas regiões ou localidades"[7].

Faça-se remissão à posição de Marçal Justen Filho reproduzida pela SMSU-AJ, embasada em dois fins: a necessidade de "padronização mínima na atuação administrativa de todos os entes federativos" (corolário da segurança jurídica), bem como "a efetividade do controle por órgãos externos e pela própria comunidade"[8].

Diante de tal cenário teórico, compreende-se que o Decreto n.° 9.412/2018 irradia efeitos sobre todas as esferas da Federação. A própria Lei n.° 8.666/93, ao fixar os valores das modalidades licitatórias, o fez em relação à integralidade dos entes políticos. Dissociar os valores contemplados em normas gerais (artigos 23 e 24, incisos I e II) com as respectivas atualizações (artigo 120) seria fulminar aquelas prescrições, afetando a uniformidade delineada pelo diploma legal.

É verdade, como bem apontado pela SMSU-AJ, que existe uma acentuada dissonância entre as características dos Municípios brasileiros, sobretudo entre capitais e cidades menores. Tal circunstância, porém, não é apta a afastar a irradiação geral da atualização monetária. Demais, não é possível afirmar que haveria uma transformação da exceção constitucional (a contratação direta) em regra, porquanto inexiste aumento real dos valores já definidos legalmente, mas tão-somente a sua atualização.

No que se refere à dispensa por pequeno valor, trata-se de contratação direta justificada pelos custos operacionais administrativos para proceder ao certame, comparativamente com o quantum do objeto a ser contratado. Com efeito, seria ofensivo à eficiência e à economicidade despender mais com o processo do que com o produto. Perceba-se que tal aspecto tem um viés nacional, repercutindo sobre todos os Municípios brasileiros, do que se extrai a interface com as características que definem as normas gerais, acima referidas.

Como dado objetivo, convém apontar a acentuada defasagem dos valores, tanto assim que, "se atualizarmos pelo IGP-M o valor previsto na Lei 9.648 de 27 de maio de 1998, o valor de R$ 15.000,00 do art. 24, I (obras e serviços de engenharia) chegaria em novembro de 2017 a aproximadamente 66.000,00. Já os limites fixados no art. 24, II (compras e demais serviços), de R$ 8.000,00 passariam em novembro de 2017 para cerca de R$ 35.000,00."[9]

Vale ressaltar que a jurisprudência colacionado pela SMSU-AJ (Acórdão do Tribunal de Justiça de Mato Grosso) assume caráter pontual no cenário do Judiciário brasileiro, devendo ser levado em consideração que foram escassas as iniciativas estaduais e municipais no sentido da atualização sponte propria dos valores contemplados na Lei n.° 8.666/93. A propósito, destaque-se a discussão travada em outro ente federativo - o Estado do Mato Grosso do Sul -, no qual sobreveio pronunciamento a respeito da Corte de Contas estadual, no seguinte sentido (processo TC/3053/2018, Rel. Cons. Iran Coelho das Neves):

"EMENTA - CONSULTA - ATUALIZAÇÃO DOS VALORES DAS MODALIDADES LICITATÓRIAS -NORMAS GERAIS - SUPLEMENTAÇÃO - ESTADOS E MUNICÍPIOS - IMPOSSIBILIDADE -COMPETÊNCIA PRIVATIVA DA UNIÃO - PODER EXECUTIVO FEDERAL.

A competência para a edição de normas gerais sobre licitações e suas modalidades é privativa da União, conforme prevê a Constituição Federal. Não é possível a alteração dos valores das modalidades licitatórias mediante a competência suplementar dos Estados e Municípios, por se tratarem de normas gerais. Apenas o Poder Executivo Federal poderá realizar anualmente a revisão dos valores relativos às modalidades licitatórias, observando como limite máximo a variação geral de preços do mercado no período."[10]

No âmbito doutrinário, vale ressaltar a posição de Jessé Torres Pereira Júnior acerca do caráter geral do artigo 120 da Lei n.° 8.666/93, sob o fundamento de que "somente a União pode criar indexadores de preço em âmbito nacional e estabelecer-lhes variações periódicas de valor em correlação com a moeda corrente (CF/88, art. 22, VI)".

Reconheça-se também que inexiste posição institucional expressa da Procuradoria Geral do Município de São Paulo a respeito do tema sob análise, o que decorre da própria ausência, no âmbito local, de atualização monetária da Lei n.° 8.666/93. Tal circunstância, longe de representar uma falta de compreensão sobre o assunto, parece transparecer - como verdadeiro silêncio eloquente - uma tácita adoção da tese ora defendida.

Ao transferir a competência de atualização para a Chefia do Executivo[11], poder-se-ia suscitar que o artigo 120 da Lei n.° 8.666/93 teria instaurado a possibilidade de edição de regulamento delegado por tal autoridade federal, figura refutada pelo ordenamento jurídico nacional[12]. No entanto, tal argumento não subsistiria, porquanto inexiste delegação de competência parlamentar ao Executivo, na medida em que o próprio dispositivo legal estabeleceu os parâmetros para o exercício do poder regulamentar: indexador e respectivo limite máximo, bem assim a periodicidade dos reajustes dos valores.

Diante das considerações acima tecidas, conclui-se que o Decreto federal n.° 9.412, de 18 de junho de 2018, não está circunscrito à esfera federal, irradiando efeitos para o Município de São Paulo.

Por fim, dada a relevância da matéria e a novidade do tema, sugere-se seja atribuído caráter normativo a este parecer.

Caso seja acolhida a proposta, o presente expediente deverá ser encaminhado ao Secretário Municipal de Justiça, que, estando de acordo, poderá recomendar ao Prefeito, nos termos do art. 34, IV, do Decreto n. 57.920/17, a edição do presente parecer, com a publicação da respectiva ementa na imprensa oficial, aplicando-se, quanto às competências envolvidas, o mesmo regime relativo à edição de súmulas administrativas (cf. Ementa n. 11.835 - PGM.AJC).

À consideração superior.

.

São Paulo, 03/08/2018.

RODRIGO BORDALO RODRIGUES

Procurador Assessor - AJC

OAB/SP

183.508

PGM

.

De acordo.

São Paulo, 03/08/2018.

TICIANA NASCIMENTO DE SOUZA SALGADO

PROCURADORA ASSESSORA CHEFE

OAB/SP 175.186

PGM / AJC

.

[1] O regulamento entrou em vigor trinta dias após a data de sua publicação, ocorrida em 19 de junho de 2018.
[2] Preceito introduzido pela Lei federal n.° 9.648/98
[3] Competência privativa da União para legislar sobre "normas gerais de licitação e contratação".
[4] Normas gerais no Estatuto de Licitações e Contratos Administrativos, 1994. Importante esclarecer que a obra baseia-se no pretérito regime de licitações e contratos, o Decreto-lei n.° 2.300/1986. Apesar disto, a sua 
construção teórico-jurídica encontra plena compatibilidade com a Lei n.° 8.666/93, já que assentada sobre a mesma matriz constitucional.
[5] Ob. cit., p. 47.
[6] Curso de direito administrativo, 26.ed., 2009, p. 524.
[7] Ob. cit., p. 525 (destaque no original).
[8] O trecho reproduzido pela SMSU-AJ refere-se à obra Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos.
[9] Problemas decorrentes da ausência de atualização dos limites de dispensa previstos no art. 24, I e II, da Lei 8.666/93, ano 2017, número 376, site: direitodoestado.
[10] Transcreva-se trecho da decisão do TCE/MS: "Questão: É possível suplementar a legislação federal pelo Município, autorizando o Chefe do Poder Executivo a promover a revisão anual pelo IGPM/FGV dos valores fixados nas modalidades licitatórias da Lei Federal n° 8.666/1993?
Resposta: É vedada, aos Estados e Municípios, a edição de legislação suplementar, para promover a atualização dos valores das modalidades licitatórias, previstos em normas gerais, por se tratar de competência privativa da União. No exercício de sua competência privativa, disposta no art. 22, inciso XXVII, da CF, a União editou, dentre outras, a Lei n° 8.666/1993, que estabelece as modalidades dos procedimentos licitatórios e os limites, tendo em vista o valor estimado da contratação, conforme disposto no art. 23, da Lei n° 8.666/1993.
Além disso, o art. 120, da Lei n° 8.666/1993, é bastante claro ao dispor que cabe ao Poder Executivo Federal a possibilidade de revisão dos valores fixados, incluídos aí os referentes aos limites estipulados no art. 23, dessa lei.
Portanto, como a legislação federal estabelece os limites, as modalidades e a qual ente federativo compete à possibilidade de revisão dos valores estipulados na Lei de Licitações que neste caso é a União, não sobrou nenhuma competência residual a serem exercidas pelos outros entes federativos, quais sejam: Estados e Municípios, porquanto, a legislação federal exerceu de forma plena a sua competência legislativa."
[11] Consigne-se que a derradeira atualização dos valores da Lei n.° 8.666/93 deu-se por meio de lei (Lei n.° 9.648/98).
[12] Sobre o regulamento delegado, ensina Diógenes Gasparini: "Os regulamentos delegados, também chamados de autorizados ou habilitados, são editados pelas autoridades competentes, em atendimento a uma norma legal, para prover matéria reservada à lei. (...) O nosso sistema, advirta-se, não acolhe essa espécie de regulamento (...)" (Direito administrativo, 15.ed., 2010, p. 177).

.

.

Processo SEI n° 6029.2018/0001415-0

INTERESSADA: SECRETARIA MUNICIPAL DE SEGURANÇA URBANA

ASSUNTO: Aplicabilidade do Decreto federal n.° 9.412, de 18 de junho de 2018, no âmbito da Administração Pública Municipal de São Paulo.

Cont. da Informação n° 0868/2018-PGM.AJC

PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO

Senhor Procurador Geral

Cont. da Informação n° 0868/2018-PGM.AJC

 Encaminho a manifestação da Assessoria Jurídico-Consultiva desta Coordenadoria Geral, que acolho integralmenteque, sugerindo remessa à Secretaria Municipal de Justiça, a qual, estando de acordo, poderá recomendar ao Prefeito, nos termos do art. 34, IV, do Decreto n. 57.920/17, a edição do parecer, com a publicação da respectiva ementa na imprensa oficial, aplicando-se, quanto às competências envolvidas, o mesmo regime relativo à edição de súmulas administrativas (cf. Ementa n. 11.835 - PGM.AJC).

.

São Paulo, 07/08/2018.

TIAGO ROSSI

COORDENADOR GERAL DO CONSULTIVO

OAB/SP 195.910

PGM

.

.

Processo SEI n° 6029.2018/0001415-0

INTERESSADA: SECRETARIA MUNICIPAL DE SEGURANÇA URBANA

ASSUNTO: Aplicabilidade do Decreto federal n.° 9.412, de 18 de junho de 2018, no âmbito da Administração Pública Municipal de São Paulo.

Cont. da Informação n° 0868/2018-PGM.AJC

SECRETARIA MUNICIPAL DE JUSTIÇA

Senhor Secretário

Encaminho com a manifestação da Coordenadoria Geral do Consultivo, que acolho, no sentido de que o Decreto federal n.° 9.412, de 18 de junho de 2018, não está circunscrito à esfera federal, irradiando efeitos para o Município de São Paulo.

Caso essa Pasta esteja de acordo, poderá recomendar ao Prefeito, nos termos do art. 34, IV, do Decreto n. 57.920/17, a edição do parecer, com a publicação da respectiva ementa na imprensa oficial, aplicando-se, quanto às competências envolvidas, o mesmo regime relativo à edição de súmulas administrativas (cf. Ementa n. 11.835 - PGM.AJC).

.

São Paulo, 07/08/2018.

GUILHERME BUENO DE CAMARGO

PROCURADOR GERAL DO MUNICÍPIO

OAB/SP 188.975

Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo