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PARECER PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO - PGM Nº 11.799 de 19 de Outubro de 2017

EMENTA N° 11.799 
Improbidade administrativa. Proposta de acordo. Vedação prevista no artigo 17, § 1°, da Lei Federal n° 8.429/92. Mitigação pelas Leis Federais n° 12.846/13 e n° 13.140/15. Posicionamento favorável da doutrina e de entidades e órgãos públicos, como Ministério Público, Advocacias Públicas e órgãos de controle interno. Possibilidade de celebração de acordo de leniência e TAC. Vedação a acordo inominado. Observância dos critérios e métodos da Lei Federal n° 12.846/13.

processo n° 2016-0.133.151-3

INTERESSADO: DEPARTAMENTO DE PROCEDIMENTOS DISCIPLINARES.

ASSUNTO: Ação civil por atos de improbidade.

Informação n° 1574/2017-PGM.AJC

PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO

Sr. Coordenador Geral do Consultivo

Trata-se, neste momento, de consulta a esta Assessoria Jurídico-Consultiva - AJC quanto à possibilidade de celebração de acordos em casos de improbidade administrativa, não obstante a existência de vedação (art. 17, § 1°, da Lei Federal n° 8.429/92), dada a recente edição de certas leis federais, entre as quais as Leis n° 12.846/13 e n° 13.140/15.

A presente consulta foi motivada por propostas de acordo apresentada por empresas rés em ação de improbidade ajuizada pelo Município de São Paulo e pelo Ministério Público do Estado de São Paulo - MP/SP. Segundo consta de tais documentos, as empresas, valendo-se da edição da Lei Federal n° 13.140/15, propõem: (a) a reparação dos danos, por meio do pagamento dos valores por ela devidos a título de imposto sobre serviços - ISS após a compensação daqueles já pagos; e (b) o pagamento a título de multa do valor equivalente a 25% (vinte e cinco por cento) do montante requerido na petição inicial (duas vezes o valor do dano) a fundo indicado pelo MP/SP. Entretanto, apesar da intenção de celebrar acordo com o Município, as proponentes declaram que não reconhecem ou reconhecerão a prática de ato de improbidade.

Diante dessa proposta, o Grupo Permanente de Atuação Pró-ativa e Judicial - GPAPJ do Departamento de Procedimentos Disciplinares - PROCED desta Procuradoria Geral do Município - PGM propôs a observância dos seguintes pressupostos para a celebração de acordo em ações de tal natureza: (a) reconhecimento do ato de improbidade; (b) ressarcimento integral do dano devidamente atualizado; e (c) ao menos a aplicação de uma das sanções previstas no artigo 12 da Lei Federal n° 8.429/92, preferencialmente o pagamento da multa civil1. Esses requisitos foram acolhidos pela Diretoria daquele Departamento, acrescentando apenas a necessidade de participação e concordância do Ministério Público em tais acordos.

***

Antes de abordarmos as questões afetas à presente consulta, é importante esclarecer que não é possível identificar um consenso, ainda que mínimo, a seu respeito, pois, pelo fato de se tratar de alterações normativas recentes, não só a doutrina pátria ainda não alcançou qualquer uniformidade de entendimento, como são praticamente inexistentes decisões de Tribunais que as tenham examinado, o que nos impede de identificar uma jurisprudência a seu respeito.

Se não nos é dada a possibilidade de apontar um consenso quanto à matéria aqui tratada, podemos, ao menos, indicar que tais mudanças normativas não são fruto do acaso, mas se encontram inseridas dentro de uma concepção das funções da Administração Pública e de seu exercício que se difere da tradicionalmente suscitada ao se analisar a vedação do artigo 17, § 1°, da Lei de Improbidade e que tem encontrado cada vez mais eco na doutrina e em certas entidades e órgãos, como o Ministério Público, as Advocacias Públicas e os órgãos de controle interno.

Assim sendo, a primeira providência a ser adotada no enfrentamento das questões trazidas na consulta é justamente resgatar, ainda que sucintamente, essa concepção de Administração Pública da qual as recentes alterações normativas vão ao encontro. Após, analisaremos se houve a revogação ou a mitigação da vedação prevista na Lei Federal n° 8.429/92, cerne da consulta proposta. Caso cheguemos à conclusão de que tal vedação foi afastada ou, ao menos, não pode ser considerada absoluta, examinaremos qual ou quais acordos podem ser celebrados em casos de improbidade e quais os critérios ou diretrizes que deverão ser observados na definição das sanções, especificamente da multa.

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Dentre diversos temas que têm sido objeto de estudos por parte dos autores do Direito Administrativo nas últimas décadas, um dos principais, se não o principal, é justamente o da consensualização2 ou consensualismo na Administração Pública. Muito além de mero aspecto dessa, as teses que o afirmam tratam-no a partir de uma revisão das formas de exercício do poder estatal baseada numa concepção de Administração Pública diversa da radicionalmente lecionada3.

Segundo essa concepção, a qual designaremos sem maiores preocupações terminológicas de Administração Consensual, deve-se privilegiar a cooperação e o diálogo entre o Poder Público e os particulares, adotando-se a horizontalidade em substituição à verticalidade na relação entre ambos. Essa visão tece profundas críticas a um suposto caráter absoluto dos princípios da legalidade, da supremacia do interesse público e da sua indisponibilidade, privilegiando outros como o da juridicidade, o da proporcionalidade e o da eficiência4.

A noção de Administração Consensual é naturalmente aderente a certos campos da atividade administrativa, tais como a implementação de políticas públicas, o estabelecimento de parcerias ou a celebração e execução de certos contratos administrativos, mas sua aderência não se mostra tão clara ou evidente em outros, como naqueles em que a atividade da Administração volta-se à aplicação de sanções aos administrados5.

Isso por dois motivos principais, um de natureza jurídico-formal e outro de natureza político-jurídica.

Quanto ao aspecto jurídico-formal, a pedra de torque da aplicação de sanções pela Administração Pública é o princípio da legalidade, razão pela qual, como "só pode fazer o que a lei permite"6, não seria dada ao administrador a possibilidade de deixar de aplicar as sanções legalmente previstas. Aliada a tal princípio estaria a indisponibilidade do interesse público, pois, identificado tal interesse na aplicação da sanção, a omissão da autoridade consubstanciaria verdadeira disposição do mesmo.

Mesmo quando se trata da aplicação de sanções administrativas, já existem atos normativos que autorizam a utilização de soluções de consenso em substituição à aplicação pura e simples da lei, muito embora a aplicação de mecanismos consensuais no campo do direito administrativo sancionador possa ser considerada mais problemática do que em outras áreas. Isso porque a aplicação de sanções é a forma de manifestação mais pura do jus imperii e, justamente por isso, aquela vinculada de forma mais estreita ao princípio da legalidade, não oferecendo muito espaço para a substituição da vontade da lei pelo consenso entre o estado-sancionador e o cidadão-sancionado7.

Por outro lado, em termos político-jurídicos, a possibilidade de a sanção não ser aplicada é vista como prejudicial à autoridade pública e um estímulo ao desrespeito à norma jurídica; trata-se do caráter simbólico da atividade sancionadora, no sentido de ser necessária uma resposta à ofensa ao direito, sob pena de se proporcionar um benefício indevido ao particular e a Administração perder sua autoridade.

Com relação ao processo penal, já foi destacado que a esse interesse público presente na reparação de uma violação à norma jurídica e, portanto, no procedimento que visa apurar essa violação e eventualmente punir o transgressor adiciona-se uma importância política. Como vimos, o procedimento tem a função simbólica de reconstituir a autoridade afetada pela violação à norma, reafirmando sua supremacia sobre os comportamentos privados e reparando, assim, o dano supostamente causado pela transgressão.

É exatamente esta carga simbólica que parece oferecer resistência teórica para o abandono do procedimento administrativo.8

Essas razões começaram a ser questionadas pela doutrina e por alguns órgãos públicos, em especial a partir da criação das agências reguladoras, dado o poder sancionador que lhes foi conferido e a possibilidade de celebrarem acordos substitutivos9.

A premissa desse questionamento é a separação entra a competência administrativa (poder sancionador) e o seu exercício no caso concreto (aplicação da sanção)10. Não é possível ao titular da competência aliená-la ou renunciá-la, mas se admite em certos casos que deixe de exercê-la ou que o faça de determinada forma, pois ela não é um fim, mas sim um dos meios instrumentais para a consecução dos fins de interesse coletivo buscados através de sua aplicação: a prevenção da reincidência, a dissuasão do transgressor e de outros agentes e o condicionamento do comportamento na direção normativamente determinada. Ou seja, a autoridade não estaria deixando de exercer sua competência, mas única e tão somente exercendo-a de outra forma.

Desse modo, não haveria qualquer ofensa ao princípio da indisponibilidade do interesse público na ausência de sanção e na celebração de acordo em certos casos; ao contrário, pois, segundo tais ideias, o interesse público seria mais bem contemplado por meio de respostas mais eficientes e menos danosas, baseadas na alteração de comportamentos e na adoção de medidas compensatórias11.

Antes de tudo, parece-nos precipitada a identificação biunívoca entre interesse público e aplicação da sanção. É absurda a afirmação de que o interesse público jaz pura e simplesmente na aplicação de uma sanção, assim entendida como a imposição de um mal em decorrência de uma transgressão.

Primeiramente, porque isso corresponderia a uma visão autoritária, punitiva e imoral do Estado que não se coaduna com o nosso Estado de Direito. Além disso e se pede desculpas pela insistente repetição porque, como exaustivamente já se viu, a sanção não é um fim em si, mas mero meio para o atingimento de finalidades que, estas sim, podem ser identificadas com o interesse público.

Deve-se ademais reconhecer que o repositório do interesse público não é de fácil identificação. Como já se teve a oportunidade de observar, acompanhado de vários outros autores, cada vez mais se torna difícil identificar um único interesse público, quanto mais afirmar onde ele se encontra a priori e aplicá-lo abstratamente para uma generalidade de ocasiões. Cada vez mais a noção de interesse público apresenta-se plural, fluida, fragmentária, parcial e determinada concretamente em cada situação verificada. São vários os interesses legitimamente merecedores de tutela jurídica e, bem por isso, o interesse público tenderá cada vez mais a residir na harmonização e na composição entre entes interesses.

Eis porque, ao final das contas, o interesse público poderá efetivamente residir na realização do acordo, e não propriamente na aplicação da sanção.12

A partir de um juízo que não se restringiria aos princípios da legalidade e da indisponibilidade do interesse público, também contemplando os princípios da eficiência e da proporcionalidade, a autoridade sopesaria a providência mais adequada diante de cada caso concreto, ainda que significasse a não aplicação de determinada sanção, sempre considerando os fins de interesse público para os quais é direcionada a sua atividade administrativa, consubstanciados na dissuasão da pessoa que infringiu as normas e de outras que pudessem vir a infringi-las, na integral readequação de condutas e na compensação pelos atos praticados pelo infrator.

No que se refere ao caráter simbólico:

Contudo, como vimos anteriormente, a afirmação da autoridade administrativa encontra-se hoje em um momento diferenciado. Afasta-se do caráter meramente autoritário e unilateral de atuação estatal e converte-se em um poder exercido de maneira mais motivada, mais procedimental, (legitimidade pelas regras do jogo), mais participativa, mais transparente e mais plural.

A mudança de perspectiva faz com que o procedimento destinado a apurar a perpetração de uma infração deixe de ser visto como palco para a reconstituição da soberania administrativa ofendida, para ser encarado simplesmente como um mecanismo dentre outros, mais econômicos, eficazes e consensuais para a reparação do dano causado e para o restabelecimento dos comportamentos almejados pela regulação.13

De modo a ilustrar o quanto exposto, podemos trazer algumas reflexões doutrinárias sobre a aplicação da multa e a sua substituição por outras medidas nos acordos celebrados por agências reguladoras:

Do ponto de vista da finalidade da sanção, há que se reconhecer que o efeito dissuasivo da multa não se encontra intrinsecamente relacionado ao seu valor, mas sim à sua efetiva aplicação. Convém aqui traçar novo paralelo com as ciências penais. Desde há muito parece haver relativo consenso nesta área no sentido de que a dissuasão gerada pela pena não está vinculada à sua intensidade, mas sim à certeza da punição.

(...)

Contudo, ainda que se adotasse raciocínio estritamente econômico - não se pode negar que eficiência e economicidade são vetores da ação administrativa -, ter-se-ia que se reconhecer que o acordo substitutivo ora discutido tende a apresentar ganhos econômicos significativos para a Agência envolvida. Com efeito, ele pressupõe a extinção de contencioso relevante e volumoso, o que tende a representar expressiva economia dos recursos escassos da Agência, que poderá direcioná-los para outras prioridades.

Além disso, até que haja decisão definitiva sobre os procedimentos envolvidos, nada faz crer que todos eles terminarão com a aplicação das multas abstratamente previstas para eles. Ao contrário, a lei das probabilidades indicaria que existe chance substancial de que os procedimentos sancionatórios terminem com o reconhecimento de que não houve descumprimento de obrigação e, portanto, nenhuma multa será aplicada. Eis porque os valores abstratamente envolvidos não representam senão uma ordem de grandeza, já que seria possível e provável que um agente econômico seja inocentado da prática de várias das violações ainda em apuração.

Finalmente, ainda sob a estrita perspectiva econômica a qual, ressaltamos, não nos parece a melhor abordagem, a Agência pode ainda contar com algum ganho econômico decorrente da velocidade e da certeza do recebimento dos valores envolvidos. Provavelmente, transcorreriam ainda anos quiçá décadas para que esses procedimentos viessem a ser concluídos e para que fossem aplicadas as respectivas multas. Mais do que isso, uma Agência talvez enfrente ainda (ao menos isso é uma possibilidade teórica que não deve ser descartada) a resistência das prestadoras em adimplir com os valores estabelecidos ou, no mínimo, a incerteza quanto ao seu pagamento. Eis porque, também sob este aspecto, o acordo substitutivo representa evidente benefício econômico, uma vez que pode abreviar o instante do pagamento e ampliar as suas chances (maior probabilidade de compliance da operadora, já que ela mesma foi a proposta de acordo a ser celebrado com a Agência Reguladora, ou, no mínimo, assente integralmente com os seus termos).14

No mesmo sentido:

Também se mostra equivocada a ideia segundo a qual firmar um acordo substitutivo importa abrir mão de uma vantagem (recebimento do valor correspondente à multa) em favor do particular interessado (que deixaria de pagar a multa em cogitação, para assumir obrigação economicamente menos gravosa). Deveras, o mero lançamento de um auto de infração, indicando um valor de multa a ser pago, não confere direito líquido e certo em favor da Administração. A multa recém apontada não constitui de pronto um título inquestionável em favor da Administração. Trata-se apenas da etapa inicial de um dos processos necessários á efetivação do pagamento da sanção pecuniária pelo suposto agente infrator.

O ato administrativo que constata suposta infração e indica um dado valor de multa é passível de questionamento administrativo por meio da defesa e do recurso, e de questionamento judicial. O acusado poderá, nessas duas esferas, questionar o fato que lhe tenha sido atribuído, como também poderá impugnar a própria existência ou validade da obrigação exigida; outra linha de questionamento envolve o valor estipulado para a multa e assim por diante. A presumida legitimidade da multa — atributo que lhe é inerente por se tratar de ato administrativo — tanto pode ser revista no âmbito da própria Administração, quanto na esfera judicial. Deveras, antes de ganhar efetividade, a multa pode vir a ser consideravelmente reduzida ou mesmo anulada.

A adoção de um acordo substitutivo, portanto, não significa "abrir mão" de um direito da Administração em benefício do infrator. A validade e o quantum da multa podem ser questionados, o que retira a condição de certeza desse eventual crédito.

É esse estado de incerteza que cede vez ao pacto objeto do acordo substitutivo. A Administração, nesses termos, substitui a incerteza da multa decorrente de suposta prática ilícita (tudo dependendo de confirmação em sede administrativa e judicial) pelo compromisso certo de implementar determinada obrigação, nos termos e condições pactuados.15

Apesar de a discussão trazida acima não se referir aos casos de improbidade administrativa, mas sim aos acordos substitutivos de sanções de natureza administrativa, o seu resgate é importante para compreendermos o desenvolvimento das discussões que envolvem a noção de Administração Consensual e o poder sancionador do Poder Público, desenvolvimento esse que trouxe e traz consequências ao tema da improbidade administrativa, entendida em sentido amplo.

***

O art. 17, § 1o, da Lei Federal n° 8.429/92 veda transação, acordo ou conciliação nas ações de improbidade16:

Art. 17. A ação principal, que terá o rito ordinário, será proposta pelo Ministério Público ou pela pessoa jurídica interessada, dentro de trinta dias da efetivação da medida cautelar.

§1o É vedada a transação, acordo ou conciliação nas ações de que trata o caput.

(...).

Essa vedação tem sido objeto de diversas criticas17, em especial por parte da doutrina que propõe ou defende uma Administração Consensual, o que levou muitos autores a interpretarem-na de modo extremamente restritivo, afastando-a em uma série de hipóteses.

Digno de menção, por derradeiro, que não parece a melhor linha interpretativa a de vedar transação, acordo ou conciliação nas ações civis de improbidade administrativa (erro grave cometido pelo par. 1o do art. 17 da Lei n° 8.429/92), na contramão das melhores técnicas contemporâneas de valorização do consenso e da persuasão. O Direito Público do século XXI, em novas bases, reclama estratégias conciliatórias que não significam dispor indevidamente do interesse público, porém, ao contrário, realizá-lo de modo mais efetivo e justo. Este tema, no entanto, reclama maior desenvolvimento, mas se impõe, desde logo, frisar que não se afigura universalizável a máxima que veda transação, acordo ou conciliação, notadamente esta última, que deve brotar como espécie de ditame preferencial do interesse público e da moralidade, jamais traduzível como uma condescendência nem com uma condenável leniência com os desonestos. Não há a mais remota disponibilidade do interesse público na conciliação em si. Ao contrário, este pode ser o melhor caminho para assegurar, numa atuação consistente, a própria indisponibilidade do interesse público e o fim da impunidade18.

Uma análise desse dispositivo que se mostra não só interessante como pertinente é aquela proposta por Fredie Diddier e Daniela Bomfim. Traçando um paralelo entre a ação penal e a ação de improbidade administrativa, dada a proximidade entre ambas, esclarecem que tal vedação era um reflexo da proibição no âmbito penal, razão pela qual, diante da mudança na normativa penal e processual penal e do advento da possibilidade de negociação das consequências penais, em especial a partir da Lei Federal n° 9.099/95, não há fundamento para se impedir a negociação das sanções civis de improbidade.

Mas isso não é obstáculo a que se reconheça a possibilidade de autocomposição no processo da ação de improbidade administrativa. O §1° do art. 17 da Lei n° 8.429/1992 já estava obsoleto.

A proximidade entre a ação penal e a ação de improbidade é evidente e inquestionável, em razão das sanções decorrentes, muito embora os regimes jurídicos sejam distintos, um de direito administrativo (civil em sentido amplo), outro de direito penal. (...)

A época da edição da Lei n° 8.429/1992, o sistema do Direito Penal brasileiro era avesso a qualquer solução negociada. Não por acaso, falava-se em indisponibilidade da ação penal e em indisponibilidade do objeto do processo penal.

Sucede que, a partir de 1995, com a Lei n° 9.099/1995, instrumentos de justiça penal negociada começaram a ser previstos no Direito brasileiro. Desenvolveram-se técnicas de justiça penal consensual. São exemplos a transação penal (art. 76, Lei n° 9.099/1995) e a suspensão condicional do processo penal (art. 89, Lei n° 9.099/1995). Em ambos os casos, há negociação que produz consequências no âmbito do Direito Penal material.

O processo penal também sofreu transformações com a ampliação das possibilidades de negociação entre autor e réu. A "colaboração premiada", negócio jurídico material e processual previsto em algumas leis (embora prevista em diversas leis, a regulamentação mais completa está na Lei n° 12.850/2013) é o principal exemplo desse fenômeno. Ao lado da "colaboração premiada", surgem institutos de compliance das empresas envolvidas, como é o caso do acordo de leniência (Lei Anticorrupção, Lei n° 12.846/2013).

A proibição de negociação prevista na Lei de Improbidade Administrativa era, na verdade, um reflexo da proibição no âmbito penal. Não havia sido admitida na improbidade em razão do princípio da obrigatoriedade para o Ministério Público e da visão que a tutela do interesse público era absolutamente indisponível, não admitia graus de tutela. Se agora é possível negociar as consequências penais, mesmo nas infrações graves, não haveria razão para não ser possível negociaras sanções civis de improbidade. Pode-se estabelecer a seguinte regra: a negociação na ação de improbidade administrativa é possível sempre que for possível a negociação no âmbito penal, em uma relação de proporção.

A interpretação literal do comando do §1° do art. 17 da Lei n° 8.429/1992 levava a uma situação absurda: seria possível negociar sanções tidas como mais graves pelo sistema porque decorrente da prática de crimes (por definição, o ilícito mais reprovável), mas não seria possível negociar no âmbito de uma ação de improbidade administrativa. Além de absurda, a interpretação desse texto ignoraria completamente a diferença entre os contextos históricos da promulgação da lei (1992) e de sua aplicação.19

Essa última consideração merece especial destaque.

Dentre todas as sanções, as penais são as mais graves justamente por se valer o ordenamento jurídico do direito penal apenas quando não se mostrar capaz de tutelar certo bem jurídico por outros modos (por isso ser o direito penal ultima ratio).

Ora, compreendendo-se o ordenamento jurídico como um sistema20, se sanções de tal gravidade podem ser objeto de transação ou acordo, não se mostra coerente a sua vedação em casos de menor gravidade e relacionados a sanções de natureza civil, como na hipótese de improbidade administrativa.

No mesmo sentido da lição transcrita acima, também levando em conta a diferença entre o contexto da edição da lei e o atual e as mudanças ocorridas na legislação penal e processual penal, o juízo da 5a Vara Federal de Curitiba, em decisão paradigmática, eis que pioneira e proferida em caso relevante, relacionado à operação lava jato, afirmou:

O art. 17, §1°, da Lei 8.429/92 veda a 'transação, acordo ou conciliação' nas ações de improbidade administrativa. Se em 1992, época da publicação da Lei, essa vedação até se justificava tendo em vista que estávamos engatinhando na matéria de combate aos atos ímprobos, hoje, em 2015, tal dispositivo deve ser interpretado de maneira temperada.

Isso porque, se o sistema jurídico permite acordos com colaboradores no campo penal, possibilitando a diminuição da pena ou até mesmo o perdão judicial em alguns casos, não haveria motivos pelos quais proibir que o titular da ação de  improbidade administrativo, no caso, o MPF pleiteie a aplicação de recurso semelhante na esfera cível. Cabe lembrar que o artigo 12, parágrafo único, da Lei 8.249/92 admite uma espécie de dosimetria da pena para fins de improbidade administrativa, sobretudo levando em conta as questões patrimoniais.21

Por outro lado, a crítica à incerteza das sanções relacionadas à regulação setorial e aos benefícios do acordo substitutivo também pode ser feita ao tratarmos das hipóteses de improbidade administrativa, pois, ainda que se julgue comprovada de plano a conduta tipificada como ato de improbidade, a propositura da ação não assegura a obtenção dos resultados pretendidos, seja no que se refere à própria aplicação da sanção pelo órgão jurisdicional, seja quanto à sua intensidade. Por essa razão não é possível identificar, de modo automático e inquestionável, o ajuizamento da ação com o interesse público e a celebração de acordo com a sua ofensa.

Não se admitir a possibilidade de compromisso de ajustamento de conduta em matéria de improbidade administrativa, seja judicial, seja extrajudicialmente, é caminhar na contramão da história, posto que a simples propositura da ação de improbidade pelo ente legitimado não assegura a obtenção dos resultados pretendidos para que seja resguardado o patrimônio público.

Justifica-se uma interpretação restritiva do art. 17, §1°, da Lei n° 8.429/1992. Ao menos nos casos dos atos de improbidade administrativa de menor potencial ofensivo, vale mais a reparação do dano e a correção da conduta danosa que a busca pela imposição das sanções. Medidas consensuais também se justificam em questões envolvendo improbidade administrativa, de modo que a celebração de um TAC, em alguns casos, pode ser o melhor caminho para a satisfação dòs interesses públicos envolvidos.22

Apesar de nos parecerem irretocáveis as críticas apontadas acima, não acreditamos serem suficientes per se a fundamentarem a revogação ou a mitigação da vedação do artigo 17, § 1o, da Lei Federal n° 8.492/92, ainda que se mostrem corretas e importantes à análise da questão. Isso porque se trata de vedação expressa, motivo pelo qual sua mitigação ou revogação deve se basear em previsão legal ou constitucional que lhe diga respeito de modo direto, não nos parecendo possível suscitar a legislação penal para tal tarefa.

Aqui, podemos elencar três fundamentos de que se vale a doutrina ou entes ou órgãos públicos, inclusive o Ministério Público e o Poder Judiciário, para abrandar ou afastar aquela vedação23: (a) a edição da Lei Federal n° 12.846/13, que previu a possibilidade de ser celebrado acordo de leniência24 em casos de prática de atos lesivos à Administração Pública nacional ou estrangeira por sociedades simples ou empresarias; (b) a edição da Lei Federal n° 13.140/15, que trata da mediação entre particulares e da autocomposição de conflitos em que for parte pessoa jurídica de direito público; e (c) a ausência de similitude entre o termo de ajustamento de conduta - TAC, previsto na Lei Federal n° 7.347/85, e o acordo, a transação e a conciliação previstos na Lei Federal n° 8.492/92.

Quanto a esse último argumento, seus defensores partem da ideia de que o TAC não representa uma transação, um acordo ou uma conciliação de interesses25. Isso porque, como não seria possível qualquer disposição quanto aos direitos tratados no TAC, dada a sua natureza de direitos indisponíveis, seu efeito seria apenas adequar a conduta do obrigado às determinações legais.

Segundo o Código Civil, a transação se caracteriza como um modo de prevenção ou término de litígios mediante concessões mútuas e restritas a direitos patrimoniais de caráter privado26. Assim sendo, por se tratar de interesses indisponíveis e não permitir concessões mútuas, o TAC não poderia ser considerado como transação.

Por sua vez, quanto à conciliação, costuma-se associá-la à forma consensual de solução de litígios mediante a atuação de um terceiro (conciliador). À semelhança da transação, por não tratar de direitos que admitem autocomposição, o TAC também não poderia ser considerado conciliação.

Por fim, no que se refere a acordo, apesar da polissemia do termo, trata, em regra, de atos de disposição, de negociação, de composição, os quais, a exemplo da transação e da conciliação, não são admitidos como objeto de TAC.

De qualquer forma, quando a doutrina admite a celebração de TAC em ações de improbidade, costuma restringir o seu objeto a questões secundárias e excluir a possibilidade de a multa ser nele tratada, pois considera que o afastamento das sanções ou a sua fixação em patamares mínimos representaria disposição de interesse público, o que seria vedado pelo ordenamento jurídico. Assim, admite a celebração de  TAC para disciplinar questões como prazo e forma de pagamento ou cumprimento de obrigações de fazer.

Como se pode perceber, a doutrina brasileira vem adotando postura conservadora, não ousando questionar a redação do referido artigo 17, parágrafo 1o, quer pela adoção de uma acomodada interpretação literal, quer pelo fundado receio de que a abertura da via consensual em sede de improbidade administrativa venha a significar a tredestinação do ato, abrindo-se uma inconveniente porta para outros e mais graves atos de improbidade administrativa, justamente no procedimento que tinha como objetivo sancionar tal conduta.27

Contudo, não obstante o posicionamento majoritário da doutrina, o Conselho Nacional do Ministério Público - CNMP, em recente resolução, datada de 26 de julho de 2017 (Resolução n° 179), passou a admitir a celebração de compromisso de ajustamento de conduta em hipóteses configuradoras de improbidade administrativa, desde que haja o ressarcimento ao erário e a aplicação de alguma sanção (art. 1o, § 2o).

O entendimento do CNMP parece ter ido além daquele construído pela doutrina a respeito da vedação do artigo 17, § 1o, da Lei Federal n° 8.492/92, aproximando-se do adotado no âmbito da regulação setorial e do direito concorrencial, quando da celebração de acordos substitutivos, como explicitado anteriormente.

Aliás, apesar da diferença quanto ao fundamento legal (a resolução cita o artigo 5o, § 6o, da Lei Federal n° 7.347/85), esse entendimento do CNMP, no que se refere a uma possibilidade mais ampla de acordo em hipóteses de improbidade, aproxima-se do defendido pelos autores que consideram ter havido uma mitigação da vedação legal com a edição da Lei Federal n° 13.140/15. A partir da leitura de seus textos, podemos identificar duas razões, não excludentes, que justificariam tal mitigação: (a) a previsão do artigo 36, § 4o28, e (b) a autocomposição como uma diretriz a ser seguida na solução de controvérsias pelo Poder Público.

 Em relação a esse segundo fundamento, vale trazer as seguintes considerações:

E tem sido este o caminho que o sistema normativo passou a prestigiar e fomentar para solução dos conflitos, inclusive envolvendo interesses indisponíveis: a conciliação e a mediação, do qual o acordo de leniência é uma espécie. É o que se pode concluir pela edição da recente Lei federal 13.140, de 2015, cujo art. 3° admite a conciliação entre Administração e administrado sobre interesses disponíveis e indisponíveis transacionáveis, sendo que, neste último caso, exige-se homologação judicial com a presença e anuência do Ministério Público. Por esta razão, mesmo na hipótese em que um ato lesivo caracterize lesão a bens juridicamente protegidos pela Lei anticorrupção, pela Lei de improbidade administrativa ou, ainda, por leis disciplinadoras de licitações e contratações públicas, a conciliação administrativa terminativa do conflito e reparado do erário é, não apenas possível, mas desejável.29

Na realidade, a menção ao artigo 3o da Lei Federal n° 13.140/15 nos parece equivocada, pois esse dispositivo disciplina a mediação entre particulares, não a autocomposição de conflitos no âmbito da Administração Pública. Entretanto, uma leitura teleológica desse texto legal, em especial de seu capítulo II, leva-nos à conclusão de que se passou a privilegiar soluções consensuais de conflitos entre particulares e o Poder Público, tal qual apontado no trecho acima transcrito.

Em relação ao § 4o do artigo 36, há quem o interprete, não obstante taldispositivo estar inserto em parágrafo de artigo restrito a conflitos no âmbito da Administração Pública Federal, como uma norma de caráter geral que alcançaria todas as hipóteses de improbidade, inclusive quando resultassem em litígios entre entes públicos e particulares. Outros, contudo, não o entendem propriamente como uma norma derrogatória do artigo 17, § 1o, da Lei federal n° 8.492/92, mas sim como um exemplo ou caso que demonstra a mitigação daquela vedação.

Mas há ainda um argumento dogmático mais simples para defender a revogação do art. 17, §1°, da Lei de Improbidade. O §4° do art. 36 da Lei n° 13.140/2015 (Lei da Mediação) expressamente admite a autocomposição em ação de improbidade administrativa: "§4° Nas hipóteses em que a matéria objeto do litígio esteja sendo discutida em ação de improbidade administrativa ou sobre ela haja decisão do Tribunal de Contas da União, a conciliação de que trata o caput dependerá da anuência expressa do juiz da causa ou do Ministro Relator".30

A Advocacia geral da União - AGU e a Controladoria Geral da União - CGU, conforme Portaria Interministerial n° 2.278, de 15 de dezembro de 2016, valeram-se desse dispositivo para disciplinar a celebração de acordo de leniência nos casos de improbidade:

PORTARIA INTERMINISTERIAL N° 2.278 DE 15 DE DEZEMBRO DE 2016. Define os procedimentos para celebração do acordo de leniência de que trata a Lei n° 12.846, de 1o de agosto de 2013, no âmbito do Ministério da Transparência, Fiscalização e Controladoria-Geral da União - CGU e dispõe sobre a participação da Advocacia-Geral da União.

O MINISTRO DE ESTADO DA TRANSPARÊNCIA, FISCALIZAÇÃO E CONTROLADORIA-GERAL DA UNIÃO - CGU e a ADVOGADA-GERAL DA UNIÃO, no uso das atribuições que lhe conferem, respectivamente, o inciso II do parágrafo único do art. 87 da Constituição, o art. 18 da Lei n° 10.683, de 28 de maio de 2003, e o art. 4o, incisos I e XIII, da Lei Complementar n° 73, de 10 de fevereiro de 1993, o § 4o do art. 36 da Lei n° 13.140, de 26 de junho de 2015, e tendo em vista o disposto no § 2° do art. 8o, no caput do art. 9o e no §10 do art. 16 da Lei n° 12.846, de 1o de agosto de 2013, e no art. 52 do Decreto n° 8.420, de 18 de março de 2015, RESOLVEM:

(...)

Art. 2° O acordo de leniência será celebrado com as pessoas jurídicas responsáveis pela prática dos atos lesivos previstos na Lei n° 12.846, de 1o de agosto de 2013, e dos ilícitos administrativos previstos na Lei n° 8.429, de 2 de junho de 1992, na Lei n° 8.666, 21 de junho de 1993, e em outras normas de licitações e contratos, com vistas à isenção ou ã atenuação das respectivas sanções, desde que colaborem efetivamente com as investigações e o processo administrativo, devendo resultar dessa colaboração: (...) (destaques nossos).

Não obstante os fundamentos à mitigação daquela vedação apresentados acima não se mostrarem per se incorretos ou inadequados31, tanto que defendidos por parte da doutrina e manejados pelo CNMP, pela AGU e pela CGU, não nos parece terem a mesma força argumentativa da edição da Lei Federal n° 12.846/2013, que "dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira"32.

Apesar de conhecida como lei anticorrupção, trata-se, na realidade, de lei de improbidade empresarial, pois, apesar da diferença quanto aos sujeitos das condutas previstas naquela lei (sociedades empresárias e simples), é possível perceber a semelhança ou mesmo identidade com a lei de improbidade administrativa quanto ao bem jurídico tutelado, ao fundamento constitucional, aos atos tipificados ou às penas previstas.

Dadas tais similitudes, em especial as condutas indicadas em seu artigo 5o, semelhantes ou mesmo idênticas àquelas previstas na Lei Federal n° 8.492/92, a edição da Lei Federal n° 12.846/13 trouxe uma questão cujo enfrentamento se mostrou e se mostra imprescindível: configurada determinada conduta simultaneamente como ato de improbidade administrativa e ato lesivo à Administração Pública, qual regime jurídico aplicável, o da Lei Federal n° 8.492/92 ou da Lei Federal n° 12.846/13? A resposta é importante não só para fins de identificação das sanções cabíveis, como também para definição do procedimento a ser seguido, inclusive no que sePrèfere à possibilidade de celebração de acordo de leniência.

Alguns indicaram haver antinomia e propuseram a adoção dos critérios indicados pela teoria geral do direito para a sua superação, em especial para afastar o bis in idem consubstanciado na aplicação de duas penas para o mesmo fato. Nesse caso, o critério escolhido foi o da especialidade.

Na prática, apesar de os atos de improbidade administrativa serem regulados pela Lei n° 8.429/1992, o legislador estabelece, na Lei n° 12.846/2013, a punição da pessoa jurídica de direito privado sobre os mesmos tipos já estabelecidos na Lei de Improbidade, como se tal fato fosse possível, gerando verdadeira antinomia de normas legais.

(...)

Dessa forma, tanto a Lei n° 8.429/1992 como a Lei n° 12.846/2013 disciplinam o mesmo assunto, apenas com algumas especificidades que diferem uma da outra, mas, com certeza, os atos que importem em enriquecimento ilícito, prejuízo ao Erário e violação aos princípios da Administração Pública estão inseridos em ambos os diplomas legais citados, gerando a respectiva antinomia das citadas leis, com grande e preocupante conflito, capaz de trazer verdadeiras distorções jurídicas, se o Poder Judiciário não tomar firme medida para coibir o equívoco apontado, quando de sua atuação jurisdicional.

(...)

A antinomia existente entre a Lei n° 8.429/1992 e a Lei n° 12.846/2013, quanto à responsabilização da pessoa jurídica, é suprida pelo critério da especialidade, prevalecendo o princípio da lex specialis derrogai legi generali.33

Entretanto, não acreditamos ser esse o entendimento mais adequado, pois não há um conflito de normas, mas sim uma conjunção de ambos os textos legais, formando um microssistema legal de defesa da probidade.

 A Lei n° 12.846/2013, chamada de Lei Anticorrupção, embora com âmbito de aplicação distinto (art. 30 da Lei n° 12.846/2013), compõe com a Lei de Improbidade Administrativa um microssistema legal de combate a atos lesivos à Administração Pública.34-35

Ao afirmarmos que se trata de um microssistema, estamos falando que há ordenação e unidade36, que há um relacionamento coerente de cada parte entre si e com o todo37. Assim sendo, não se pode falar em conflito entre partes que o compõem ou exclusão de uma pela outra, mostrando-se os critérios tradicionais de solução de conflito aparente de normas inadequados ao exame da questão.

Interessante, nesse ponto, a proposta elaborada a partir da lição de Noberto Bobbio, que, valendo-se de uma interpretação corretiva, demonstra existir compatibilidade entre as normas e que a suposta incompatibilidade é fruto de uma interpretação superficial, ruim, incompleta; ou seja, concilia as normas aparentemente incompatíveis para conservar ambas, afastando-se a ab-rogação.38

Para tanto, considerando-se a previsão de acordo de leniência na Lei Federal n° 12.846/13, deve-se interpretar a vedação do artigo 17, § 1o, da Lei Federal n° 8.429/92 não só a partir da coerência que deve ser observada por se tratar de normas oonformadoras de um mesmo microssistema, como ainda dos princípios constitucionais e dos fins por ele perseguidos.

Muito além do simples impedimento à existência de contradições internas e da afirmação de sua harmonia, a coerência desse microssistema mostra-se essencial à garantia da segurança jurídica e à proteção da confiança legítima estabelecidas constitucionalmente, o que não se vislumbraria acaso houvesse, por exemplo, a propositura de ação de improbidade pelos mesmos fatos que levaram previamente à celebração de um acordo de leniência.

A sua coerência exige que a análise não se divida em duas, uma em face dos atos tipificados na Lei Federal n° 8.492/92 e outra daqueles elencados na Lei Federal n° 12.846/13, mas que seja una, abarcando todas as consequências jurídicas de certo ato que podem advir do microssistema. Assim sendo, caso o fato seja tratado em ambos os textos legais, se admitido o acordo de leniência para certa hipótese prevista no segundo, também alcançará aquela estabelecida no primeiro.

O propósito da lei é regular "responsabilização objetiva administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira" (art. 1o). Os arts. 16-17 dessa lei regulam o chamado "acordo de leniência", negócio jurídico de eficácia complexa. A interseção entre as leis permite que se entenda cabível acordo de leniência como negócio atípico em processo de improbidade administrativa. "A corregulação dos atos de improbidade decorrentes de corrupção denota, ainda uma vez, a clara opção do legislador brasileiro por permitir acordos em matéria de improbidade administrativa".39

Quanto aos princípios constitucionais e aos fins perseguidos pelo microssistema de defesa da probidade, podemos nos valer de argumentos abordados acima, quando tratamos dos acordos substitutivos celebrados por agências reguladoras e da Lei Federal n° 13.140/15.

A interpretação daquela vedação deve levar em consideração princípios como o da juridicidade, o da proporcionalidade e o da eficiência, além da adoção da diretriz da autocomposição dos conflitos prevista na lei de mediação e no novo código de processo civil - Lei Federal n° 13.105/15.

Não se diga que haveria ofensa ao princípio da indisponibilidade do interesse público, pois, além de a redução ou não aplicação de uma sanção não significar a alienação ou renúncia pela autoridade de suas competências ou poderes, mas sim o efetivo exercício desses, a celebração do acordo de leniência pode se mostrar mais eficiente no atendimento do interesse público do que a propositura da ação de improbidade, dados os conhecidos inconvenientes e complicações de qualquer demanda judicial.

O art. 16 da referida lei, por sua vez, importou do Direito Concorrencial o instituto do acordo de leniência:

(...)

Trata-se de acordo substitutivo: atos administrativos complexos, por meio dos quais a Administração Pública, pautada pelo princípio da consensualidade, flexibiliza sua conduta imperativa e celebra com o administrado um acordo, que tem por objeto substituir, em determinada relação administrativa, uma conduta, primariamente exigível, por outra secundariamente negociável. Por meio desta via negocial, a Administração Pública opta por uma atuação consensual, que lhe é aberta em hipóteses legalmente previstas, de sorte a tutelar, de forma mais eficiente, o interesse público primário que está a seu cargo. É relevante destacar-se que, nesses atos, a Administração não dispõe sobre direitos públicos, mas sobre as vias formais para satisfação do interesse público envolvido. De resto, o ordenamento jurídico brasileiro está repleto de previsões de acordos substitutivos, tais como o que ora se comenta.40

Ademais, deve-se ter em consideração que os fins da ação de improbidade não se restringem à aplicação de uma sanção, cuja cominação é meio, não fim dos textos legais. As finalidades pretendidas com o ajuizamento da ação e aplicação das sanções previstas na Lei Federal n° 8.492/92 estarão contempladas na celebração do acordo de leniência, o qual trará uma mudança de comportamento por parte da sociedade empresarial ou simples, a dissuasão do transgressor e de outros agentes, a colaboração nas investigações correlatas, o ressarcimento dos danos causados e a aplicação de penas, ainda que em intensidade menor do que o máximo previsto em lei.

Merece menção o fato de que a propositura da ação de improbidade pelo ente legitimado, por mais instruída que a mesma se encontre, não assegura os resultados pretendidos, razão que se soma à crítica ao argumento de que a fixação de uma sanção em intensidade menor representaria uma disposição do interesse público.

Assim, se a simples propositura da ação de improbidade pelo ente legitimado não assegura a obtenção dos resultados pretendidos para que seja resguardado o interesse público, não se admitir a possibilidade de compromisso de ajustamento de conduta em matéria de improbidade administrativa é caminhar na contramão da história41.

Não obstante se tratar de matéria extremamente polêmica e inexistir qualquer consenso a seu respeito, a noção de um microssistema legal de defesa da probidade, com a compatibilização das normas que o conformam (Leis Federais n° 8.492/92 e n° 12.846/13), por meio de uma interpretação corretiva que privilegie a coerência desse microssistema, a sua finalidade e os princípios constitucionais que lhe dizem respeito, parece-nos ser a concepção mais adequada segundo um juízo de ponderação42.

Esse também parece ser o posicionamento do Tribunal Regional Federal - TRF da 4a Região, conforme acórdão cuja ementa transcrevemos a seguir:

EMENTA: DIREITO ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LEI ANTICORRUPÇÃO. MICROSSISTEMA. ACORDO DE LENIÊNCIA. VÍCIO DE COMPETÊNCIA. INDISPONIBILIDADE DE BENS. DETERMINADA. 1. A Lei n° 12.846/2013, denominada Lei Anticorrupção (LAC) estatuiu sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas de natureza privada pela prática de atos contrários aos interesses do Poder Público e sua administração, tanto nacionais quanto estrangeiras. 2. O Acordo de Leniência pressupõe como condição de sua admissibilidade que a pessoa jurídica interessada em fazê-lo manifeste prima facie sua disposição, reconhecendo expressamente a prática do ato lesivo, cessando-o e prestando cooperação com as investigações, além de reparar integralmente o dano causado. 3. O Acordo de Leniência é uma espécie de colaboração premiada em que há abrandamento ou até exclusão de penas, em face da colaboração na apuração das infrações e atos de corrupção, justamente para viabilizar maior celeridade e extensão na quantificação do montante devido pelo infrator, vis-a-vis a lesão a que deu causa, ao tempo em que cria mecanismos de responsabilização de co-participantes, cúmplices normalmente impermeáveis aos sistemas clássicos de investigação e, por isso, ocultos. Esse o objetivo da norma e sua razão de ser, tendo por pano de fundo, obviamente, o inafastável interesse público. 4. Enquanto a Lei de Improbidade Administrativa (LIA) busca, primordialmente, punir o agente público ímprobo, alcançando, eventualmente, o particular, a Lei Anticorrupção (LAC) tem por objetivo punir a pessoa jurídica envolvida em práticas corruptas, podendo também, em sentido inverso, identificar agentes públicos coniventes, levando-os, por consequência, para o campo de incidência da LIA. 5. Não há antinomia abrogante entre os artigos 1° e 2o da Lei n° 8.249/1992 e o artigo 1o da Lei n° 12.846/2013, pois, naquela, justamente o legislador pátrio objetivou responsabilizar subjetivamente o agente ímprobo, e nesta, o mens legislatoris foi a responsabilização objetiva da pessoa jurídica envolvida nos atos de corrupção. 6. No entanto, há que se buscar, pela interpretação sistemática dos diplomas legais no microssistema em que inserido, como demonstrado, além de unicidade e coerência, atualidade, ou seja, adequação interpretativa à dinâmica própria do direito, à luz de sua própria evolução. 7. Por isso, na hipótese de o Poder Público não dispor de elementos que permitam comprovar a responsabilidade da pessoa jurídica por atos de corrupção, o interesse público conduzirá à negociação de acordo de leniência objetivando obter informações sobre a autoria e a materialidade dos atos investigados, permitindo que o Estado prossiga exercendo legitimamente sua pretensão punitiva. 8. Nem seria coerente que o mesmo sistema jurídico admita, de um lado, a transação na LAC e a impeça, de outro, na LIA, até porque atos de corrupção são, em regra, mais gravosos que determinados atos de improbidade administrativa, como por exemplo, aqueles que atentem contra princípios, sem lesão ao erário ou enriquecimento ilícito. 9. Esse o contexto que levou o legislador a prestigiar o acordo de leniência tal como hoje consagrado em lei, quando abrandou ou excluiu sanções à pessoa jurídica que, em troca de auxílio no combate à corrupção, colabora com as investigações e adota programas de compliance e não reincidência na prática de atos corruptivos, desde que confirmada a validade do acordo de leniência. 10. A autoridade competente para firmar o acordo de leniência, no âmbito do Poder Executivo Federal é a Controladoria Geral da União (CGU). 11. Não há impedimentos para que haja a participação de outros órgãos da administração pública federal no acordo de leniência como a Advocacia Geral da União, o Ministério Público Federal e o Tribunal de Contas da União, havendo, portanto, a necessidade de uma atuação harmônica e cooperativa desses referidos entes públicos. 12. O acordo de leniência firmado pelo Grupo Odebrecht no âmbito administrativo necessita ser re-ratificado pelo ente competente, com participação dos demais entes, levando-se em conta o ressarcimento ao erário e a multa, sob pena de não ensejar efeitos jurídicos válidos. 13. Enquanto não houver a re-ratificação do acordo de leniência, a empresa deverá permanecer na ação de improbidade, persistindo o interesse no bloqueio dos bens, não porque o MP não pode transacionar sobre as penas, mas porque o referido acordo possui vícios que precisam ser sanados para que resulte íntegra sua validade, gerando os efeitos previstos naquele ato negocial. 14.

Provido o agravo de instrumento para determinar a indisponibilidade de bens das empresas pertencentes ao Grupo Odebrecht.43

***

Pois bem, entendida a existência de uma mitigação da vedação do artigo 17, § 1o, da Lei Federal n° 8.492/92, a questão seguinte se refere à natureza do acordo, em sentido amplo, que pode ser firmado.

É preciso esclarecer ab initio que não é possível a celebração de acordo inominado, dada a ausência de previsão legal para tanto; ou seja, ainda que seja possível mitigar aquela vedação na lei de improbidade, não ê possível afastar a exigência de a Administração Pública observar um dos instrumentos legalmente previstos.

A resposta à questão está intimamente relacionada ao fundamento adotado para tal fim, pois, caso se compreenda ser possível a celebração de TAC em tais hipóteses, o acordo terá essa natureza; caso se entenda que as Leis Federais n° 8.492/92 e n° 12.846/13 conformam um microssistema legal de defesa da probidade, tratar-se-á de acordo de leniência.

Caso se adote o argumento que se vale da edição da Lei Federal n° 13.140/15 para fundamentar a mitigação daquela vedação, especificamente a autocomposição como uma diretriz a ser seguida na solução de controvérsias pelo Poder Público, também nos parece que o acordo a ser celebrado seria um TAC, pois esse é o único instrumento previsto na legislação para fins dessa natureza.

Repita-se: a definição do fundamento e, consequentemente, do instrumento a ser firmado não partem de um juízo estático ou definitivo de correção, mas sim de um juízo de ponderação, no qual, a nosso ver, a celebração de acordo de leniência é mais adequada pelas razões expostas anteriormente; ou seja, não se tratando de argumentos excludentes, a depender do entendimento adotado, pode-se até mesmo chegar à conclusão de que, diante do caso concreto, a Administração tem a possibilidade de celebrar qualquer um deles, desde que preenchidas a condições para tanto, pautando-se a escolha (preferência) em critérios de adequação. Seguindo-se o mesmo raciocínio, inviabilizada a celebração de acordo de leniência por falta de seus pressupostos, possível a do TAC com a empresa.

***

De qualquer forma, independentemente de ser formalizado um TAC ou um acordo de leniência, a legislação de regência sempre terá que ser respeitada, observando-se requisitos, critérios, procedimentos etc., exceto, obviamente, naquilo que for lógica ou juridicamente incompatível.

Vale ressaltar três pontos quanto à formalização de tais instrumentos.

O primeiro, relacionado ao TAC, refere-se ao fato de esse termo consubstanciar a formalização de um compromisso de ajustamento de conduta, o que pressupõe a admissão dos atos ilícitos pela sociedade e a adoção das providências necessárias à correção de sua conduta.

Por sua vez, o segundo diz respeito ao acordo de leniência, especificamente à possibilidade de sua celebração após a propositura da ação de improbidade.

A Lei Federal n° 12.846/13 e o Decreto Municipal n° 55.107/14 não preveem a possibilidade ou a vedação ao acordo de leniência após o ajuizamento de ação judicial, apenas fazendo menção ao processo administrativo destinado à apuração da responsabilidade administrativa de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a Administração Pública, bem como admitindo a celebração de acordo de leniência após a sua instauração.

Assim sendo, não há nenhuma previsão em tais textos normativos que impeça a celebração de acordo de leniência após o ajuizamento de ação judicial, razão pela qual, tendo em vista o entendimento delineado anteriormente, não nos parece haver impedimento à sua formalização após a propositura da ação de improbidade.

Entretanto, antes da celebração, deve-se observar seus benefícios e a conveniência de tal providência, tendo em vista os objetivos do artigo 16 da Lei Federal n° 12.846/13, quais sejam a identificação dos envolvidos e a obtenção célere de informações e documentos que comprovem o ilícito. Essa imposição nos leva à conclusão de que só é possível a formalização do acordo de leniência antes do término da instrução da ação de improbidade.

Importa mencionar que na citada decisão proferida pela 5a Vara Federal de Curitiba nos autos n° 5006717-18.2015.4.04.7000, confirmada em sede de recurso pelo Tribunal Federal da 4a Região, o juízo considerou os efeitos dos acordos de leniência sobre aquela ação de improbidade, acolhendo o pedido do Ministério Público Federal - MPF para que a demanda passasse a ser declaratória quanto aos réus que celebraram tal acordo.

Por fim, dada a legitimação do Ministério Público para a propositura da ação de improbidade, acreditamos pertinente a sua concordância em eventuais acordos celebrados entre o ente público e a sociedade que venha a praticar atos de improbidade44.

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Maiores dificuldades surgem ao tratarmos dos critérios e diretrizes para a definição das sanções, especificamente da multa, na celebração de acordo de leniência ou de TAC nas hipóteses em que é imputado um ato de improbidade administrativa à empresa com fundamento exclusivo na Lei Federal n° 8.429/92.

Isso porque, diferentemente da Lei Federal n° 12.846/13, na qual há critérios para que a Administração Pública estabeleça o valor da multa45, a Lei Federal n° 8.429/92 prevê apenas o seu valor máximo, além de determinar que o juiz levará em conta a extensão do dano e o proveito patrimonial46.

Quanto à celebração de acordo de leniência em caso de improbidade administrativa, partindo-se da ideia de microssistema exposta acima, mostra-se coerente a adoção dos mesmos critérios estabelecidos no artigo 7o da Lei Federal n° 12.846/13; ou seja, valendo-se da mesma metodologia ali prevista, estabelecer-se-á uma determinada multa, sobre a qual incidirá a redução prevista naquela Lei Federal ou no Decreto Municipal n° 55.107/14, que a regulamenta, considerando-se, obviamente, os limites máximos estabelecidos na própria Lei Federal n° 8.429/92.

Por sua vez, no que se refere ao TAC, diante da ausência de previsão expressa a respeito das sanções, acreditamos que os critérios e os métodos pertinentes ao acordo de leniência podem ser utilizados como diretrizes quando do estabelecimento das suas cláusulas.

Cabe ressaltar, como dito anteriormente, que o ressarcimento integral do dano não tem natureza de sanção, mas sim de indenização, razão pela qual deverá ocorrer em qualquer hipótese.

***

Discutida a possibilidade de celebração de acordo em casos de improbidade administrativa, passemos à consulta que nos foi formulada, considerando as propostas apresentadas pelas empresas.

Como esclarecido acima, ainda que se trate de matéria polêmica e que não haja consenso, não é possível a celebração de acordo inominado, restringindo-se as possibilidades, de acordo com o entendimento a ser seguido, ao TAC e ao acordo de leniência.

 Quanto ao fundamento para a mitigação do artigo 17, § 1o, da Lei Federal n° 8.492/92 de que se valeu a corré em sua proposta, qual seja a edição da Lei Federal n° 13.140/15, não se mostra per se equivocado ou inadequado, como esclarecido acima; entretanto, não tem a mesma força argumentativa do fundamento da celebração do acordo de leniência, razão pela qual entendemos juridicamente preferível, caso ambos se mostrem convenientes e possíveis, a celebração desse último.

Contudo, tendo em vista as peculiaridades do caso, em especial o fato de a questão estar sub judice e o aparente posicionamento favorável do Poder Judiciário e do Ministério Público em relação ao acordo, aliadas à possibilidade de se considerar escorreita a celebração do TAC e a ausência de consenso a seu respeito, não nos parece ser o caso de afastar eventual proposta de TAC se inexistentes os requisitos para o acordo de leniência ou se este não se mostrar adequado.

Ressalte-se que, conforme artigo 1o, § 2o, da Resolução do CNMP n° 179 de 2017, esse Conselho entendeu cabível a celebração de compromisso de ajustamento de conduta em casos de improbidade, desde que haja o ressarcimento ao erário e a aplicação de alguma sanção, o que pode levar o MP/SP, coautor da demanda em questão, a formular ou defender proposta nesse sentido.

Em relação à multa proposta, apesar da ausência de referência expressa à metodologia e aos critérios da Lei Federal n° 12.846/13 na sua manifestação, parece-nos que esses foram, ainda que involuntariamente, adotados pelo PROCED ao examinar as circunstâncias do caso, em especial "o reconhecimento do ato de improbidade pela interessada e a sua disposição quanto ao ressarcimento integral do dano" (fl. 341), para chegar à conclusão quanto à sua adequação; ou seja, acreditamos que, quanto à multa proposta, a análise e a conclusão daquele Departamento encontram-se conformes ao entendimento aqui exposto.

Outro ponto que merece atenção, apesar de não ter sido objeto da consulta formulada, diz respeito à destinação do valor correspondente à multa a ser paga pela empresa, pois, o "produto da multa civil deve ser destinado à pessoa jurídica que sofreu a lesão patrimonial"47, o que impede a sua destinação, direta ou indireta, a' ente diverso do Município de São Paulo.

Assim sendo, em síntese:

a) Apesar de se tratar de questão polêmica e não haver consenso a seu respeito, grande parte dos autores tem considerado que a vedação do artigo 17, § 1o, da Lei Federal n° 8.492/92 foi mitigada, valendo-se de diversos fundamentos para tanto, entre os quais a edição da Lei Federal n° 13.140/15, dada sua diretriz à Administração Pública para autocomposição de conflitos em que for parte, e a previsão de seu artigo 36, § 4o, que representaria um exemplo ou uma demonstração de tal mitigação; entretanto, entendemos, a partir de um juízo de ponderação, que a edição da Lei Federal n° 12.846/13 e a consequente criação de um microssistema de proteção à probidade são fundamentos com maior força argumentativa ao se examinar a mitigação daquela vedação;

b) Pelas razões expostas, não se mostra possível a celebração de acordo inominado, mas apenas, a depender do entendimento adotado, de TAC ou de acordo de leniência, o qual julgamos preferível pelos motivos apontados acima; entretanto, considerando as peculiaridades do caso, em especial o fato de a questão estar sub judice, a presença do Ministério Público como coautor e o aparente posicionamento favorável desse e do Poder Judiciário em relação ao acordo, aliadas à ausência de consenso a respeito da celebração de compromisso de ajustamento de conduta e à possibilidade de ser considerada escorreita, como o fez o CNMP, não nos parece ser o caso de afastar eventual proposta de TAC se inexistentes os requisitos para o acordo de leniência ou se este não se mostrar adequado;

c) Quanto à definição e eventual abrandamento das sanções, especificamente da multa, parece-nos que os critérios e métodos previstos na Lei Federal n° 12.846/13 não só devem ser adotados no âmbito dos acordos de leniência, como ainda podem ser usados na celebração de TAC, relembrando que o integral ressarcimento é obrigatório em qualquer hipótese.

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São Paulo, 19/10/2017.

FÁBIO VICENTE VETRITTI FILHO

PROCURADOR ASSESSOR - AJC

OAB/SP n° 255.898

PGM

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De acordo.

São Paulo, 31/10/2017.

TICIANA NASCIMENTO DE SOUZA SALGADO

PROCURADORA ASSESSORA CHEFE - AJC

OAB/SP n° 175.186

PGM

 .

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 1 São requisitos similares aos previstos no artigo 1°, § 2°, da Resolução n° 179, de 26 de julho de 2017, do Conselho Nacional do Ministério Público: "§ 2o É cabível o compromisso de ajustamento de conduta nas hipóteses configuradoras de improbidade administrativa, sem prejuízo do ressarcimento ao erário e da aplicação de uma ou algumas das sanções previstas em lei, de acordo com a conduta ou ato praticado".
"Com elevada frequência, confunde-se consensualização com consenso ou com consensualidade. Misturam-se meios com fins, processos com resultados. A consensualização propriamente dita representa um fenômeno de construção teórico-normativa de canais jurídico-operacionais aptos a viabilizarem consenso no planejamento e na execução das funções administrativas. Esses canais assumem caráter orgânico (como a previsão de direito de voz e voto para alunos em colegiados de universidades públicas ou de representantes do povo em conselhos nacionais de políticas públicas), procedimental (como audiências realizadas no licenciamento ambiental) ou contratual (como os compromissos de cessação de prática infrativa e a própria leniência). Todos eles constituem meios para a busca do consenso nas relações entre Estado e Administração, nas relações entre entes públicos ou em relações entre órgãos de um mesmo ente. Como meios, sua existência por si só não garante consenso. É perfeitamente possível que eles estimulem até dissensos em certos casos. Por isso, consensualização, consenso e consensualidade jamais poderiam ser tomados como sinônimos. Consenso significa consentimento recíproco; consensualidade indica o grau, maior ou menor, de consenso na construção ou execução das políticas públicas. Os dois termos apontam para resultados. Consensualização, por sua vez, é movimento de transformação da Administração Pública e de seus processos administrativos em favor da edificação de consensos" (MARRARA, Thiago. Acordos de leniência no processo administrativo brasileiro: modalidades, regime jurídico e problemas emergentes, Revista digital de direito administrativo, Ribeirão Preto, v. 2, n. 2, p. 509-527, jul. 2015, p. 509. Disponível em: <https://www.revistas.usp.br/rdda/article/view/99195/98582>. Acesso em: 27/09/17).
3 Não nos cabe, nesta oportunidade, dissertar sobre a concepção dita tradicional e aquela que propugna uma Administração consensual, tampouco apontar críticas ou indicar correções a respeito das mesmas, mas única e tão somente esclarecer que tal visão tem encontrado eco e se fortalecido nos últimos anos na doutrina brasileira, o que explica ou, ao menos, ajuda a explicar boa parte das discussões relacionadas à possibilidade de acordo em hipóteses de improbidade administrativa.
4 Registre-se que essa recente revisão de paradigmas tradicionais não se restringe ao direito administrativo, bastando mencionar, como exemplo, a edição do novo código de processo civil (Lei Federal n° 13.105/15), na qual houve uma grande preocupação com a eficiência e a celeridade processual. Aliás, também ali foi privilegiada a busca do acordo no âmbito do processo: "o Código de Processo Civil de 2015 veio consagrar um contexto de transformação do Direito Processual Civil brasileiro. O CPC de 2015 é, essencialmente, novo; ele consagra uma nova ideologia do processo civil, em que a figura do juiz perderá espaço para a figura das partes. É possível que seja chamado de Código das Partes. O CPC de 2015 contém previsão expressa da atipicidade do negócio jurídico processual - art. 190. Cuida-se de uma cláusula geral, cláusula geral do negócio jurídico processual." (DIDIER JR., Fredie; BOMFIM, Daniela Santos. A colaboração premiada como negócio jurídico processual atípico nas demandas de improbidade administrativa, Revista de Direito Administrativo & Constitucional, Belo Horizonte, ano 17, n. 67, p. 105-120, jan./mar. 2017, p. 107). Para uma análise das características fundamentais do novo código de processo civil: GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel; CINTRA, Antonio Carlos de Araújo. Teoria geral do processo, 31a ed., rev. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 145 e seguintes. Também no direito penal, como demonstra a figura da delação premiada, observa-se esse fenômeno.
5PINTO, José Guilherme Bernan Correa. Direito administrativo consensual, acordo de leniência e ação de improbidade. Fórum Administrativo, Belo Horizonte, ano 16, n. 190, p. 49-56, dez. 2016, p. 49.
6 Dl PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo, 27a ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 65.
7 PINTO, José Guilherme Bernan Correa. Ob. Cit., p. 52.
8 MARQUES NETO, Floriano de Azevedo; CYMBALISTA, Tatiana Matiello. Os acordos substitutivos do procedimento sancionatório e da sanção. Revista Brasileira de Direito Público, Belo Horizonte, ano 8, n. 31, out./dez. 2010.
9 "A literatura denomina como acordos substitutivos na esfera administrativa os atos bilaterais, celebrados entre a Administração e particulares, com efeito impeditivo ou extintivo de processo administrativo sancionador e excludente da aplicação ou execução de sanção administrativa. Acordos substitutivos são alternativas a atos administrativos sancionadores." (SUNDFELD, Carlos Ari; CÂMARA, Jacintho Arruda. Acordos substitutivos nas sanções regulatórias. Revista de Direito Público da Economia, Belo Horizonte, ano 9, n. 34, p. 133/151, abr./jun. 2011).
10 Quanto à diferenciação entre competência administrativa e seu exercício para fins de análise da disponibilidade de certo interesse: ARAGÃO, Alexandre Santos de. A consensualidade no direito administrativo: acordos regulatórios e contratos administrativos. Revista de informação legislativa, Brasília, v. 42, n. 167, p. 293-309, jul./set. 2005, p. 293/294.
11 Não incluímos aqui o ressarcimento integral dos danos por não se tratar de sanção, mas sim de indenização. Nesse sentido: "(...) 5. Todavia, apesar da cumulação das referidas sanções não ser obrigatória, é pacifico no âmbito desta Corte Superior o entendimento de que, caracterizado o prejuízo ao erário, o ressarcimento não pode ser considerado propriamente uma sanção, mas apenas conseqüência imediata e necessária de reparação do ato ímprobo, razão pela qual não pode figurar isoladamente como penalidade. Sobre o tema: REsp 1.315.528/SC, 2a Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe de 9.5.2013; REsp 1.184.897/PE, 2a Turma, Rei. Min. Herman Benjamin, DJe de 27.4.2011; (REsp 977.093/RS, 2a Turma, Rel. Min. Humberto Martins, DJe de 25.8.2009; REsp 1.019.555/SP, 2a Turma, Rel. Min. Castro Meira, DJe de 29.6.2009." (REsp 1376481/RN, Rei. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/10/2015, DJe 22/10/2015).
12 MARQUES NETO, Floriano de Azevedo; CYMBALISTA, Tatiana Matiello. Ob. Cit. Destaques nossos.
13 Ibidem. Destaques nossos.
14 Ibidem. Destaques nossos.
15 SUNDFELD, Carlos Ari; CÂMARA, Jacintho Arruda. Ob. Cit. Destaques nossos.
16 Importa mencionar que a Medida Provisória n° 703 de 2015, que revogava esse parágrafo primeiro, teve seu prazo de vigência encerrado no dia 29 de maio de 2016.
17 Apesar de não se tratar propriamente de uma crítica à vedação constante daquele artigo, mas apenas de interpretação desse dispositivo, cabe mencionar que há diversos autores que sustentam a possibilidade de se celebrar acordo antes da propositura da ação judicial, pois, conforme previsão expressa, tal vedação seria restrita "às ações de que trata o caput" do artigo. Nesse sentido: LOBO FILHO, Fernando Rissoli; GUADANHIN, Gustavo de Carvalho. O compromisso de ajustamento de conduta como mecanismo de consenso em matéria de improbidade administrativa. Fórum Administrativo, Belo Horizonte, ano 15, n. 174, p. 27-33, ago. 2015, p. 31. Há, inclusive, decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro no sentido da possibilidade de celebração de termo de ajustamento de conduta antes do ajuizamento da ação: "AGRAVO DE INSTRUMENTO. Administrativo. Constitucional. Ação civil pública cumulada com improbidade administrativa. Se ainda não instaurada a relação processual e por isso facultada a desistência, oportuna se mostra a celebração de termo de ajustamento de conduta. O referido termo não traduz concessões recíprocas, mas adequação de condutas à lei, com objetivo preponderante de atender interesses sociais relevantes. Competência do Juízo de primeiro grau. Injustificada recusa do Magistrado em homologá-lo. Homologação do termo de ajuste de conduta e conseqüente extinção do processo contra as pessoas jurídicas de direito privado, com o prosseguimento do feito contra os demais agentes políticos." (TJ/RJ. Agravo de Instrumento n° 2004.002.22949. Décima Quinta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Des. Rel. Celso Ferreira Filho. DJERJ: 09/06/2005).
18 FREITAS, Juarez. Principio da moralidade administrativa. Fórum Administrativo, Belo Horizonte, ano 15, n. 170, p. 31-46, abr. 2015, p. 44
19 DIDIER JR., Fredie; BOMFIM, Daniela Santos. A colaboração premiada como negócio jurídico processual atípico nas demandas de improbidade administrativa. Revista de Direito Administrativo & Constitucional, Belo Horizonte, ano 17, n. 67, p. 105-120, jan./mar. 2017, p. 116/117. Destaques nossos.
20 Segundo Noberto Bobbio, "entendemos por 'sistema' uma totalidade ordenada, um conjunto de entes entre os quais existe uma certa ordem. Para que se possa falar de ordem, é necessário que os entes que a constituem não estejam somente em relacionamento com o todo, mas também num relacionamento de coerência entre si" (BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. 6a ed. Brasília: UNB, 1995, p. 71).
21 Decisão proferida nos autos ação civil pública de improbidade administrativa n° 5006717-18.2015.4.04.7000/PR, 5a Vara Federal de Curitiba, em 17/11/2015 e confirmada em acórdão prolatado nos autos do Agravo de Instrumento n° 5053276-81.2015.404.0000, Quarta Turma, Des. Rel. Luís Alberto d'Azevedo Aurvalle, juntado aos autos em 25.05.2016. Destaques nossos.
22 LOBO FILHO, Fernando Rissoli; GUADANHIN, Gustavo de Carvalho. O compromisso de ajustamento de conduta como mecanismo de consenso em matéria de improbidade administrativa. Fórum Administrativo, Belo Horizonte, ano 15, n. 174, p. 27-33, ago. 2015, p. 32/33. Destaques nossos.
23 Em sentido contrário aos autores que consideram abrandada ou afastada aquela vedação: MARTINS, Tiago do Carmo. Conciliação em ação por improbidade administrativa. Revista de Doutrina da 4a Região, Porto Alegre, n.76, fev. 2017. Disponível em: <http://revistadoutrina.trf4.jus.br/artigos/edicao076/Tiago_do_Carmo_Martins.html> Acesso em: 27/09/2017.
24 "No processo administrativo sancionador, o chamado 'acordo de leniência' designa um ajuste entre certo ente estatal e um infrator confesso pelo qual o primeiro recebe a colaboração probatória do segundo em troca da suavização da punição ou mesmo da sua extinção. Trata-se de instrumento negocial com obrigações recíprocas entre uma entidade pública e um particular, o qual assume os riscos e as contas de confessar uma infração e colaborar com o Estado no exercício de suas funções repressivas" (MARRARA, Thiago. Ob. cit., p. 512).
25 Esse entendimento não é pacífico, pois parte da doutrina entende que o TAC consubstancia transação, conciliação ou acordo. Resgatando os autores de acordo com sua posição sobre essa questão: TAKAHASHI, Bruno. A solução consensual de controvérsias e o Artigo 17, § 1o, da Lei de Improbidade Administrativa. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 102, n. 927, p. 23-40, jan. 2013; PINHO, Humberto Dalla Bernardina de; FARIAS, Bianca Oliveira de. O compromisso de ajustamento de conduta no direito brasileiro e no projeto de lei da ação civil pública. Revista Eletrônica de Direito Processual, Rio de Janeiro, v. 4, n. 4, 2009, pp. 29/57. Disponível em: <http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/redp/article/view/21606/15633>. Acesso em: 26/09/2017.
26 Art. 840. É lícito aos interessados prevenirem ou terminarem o litígio mediante concessões mútuas. Art. 841. Só quanto a direitos patrimoniais de caráter privado se permite a transação.
27 PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. FARIAS, Bianca Oliveira de. O compromisso de ajustamento de conduta no direito brasileiro e no projeto de lei da ação civil pública. Revista Eletrônica de Direito Processual, v. 4, n. 4, pp. 29/57, 2009, p. 52. Disponível em: <http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/redp/article/view/21606/15633>. Acesso em: 26/09/2017.
28 Art. 36. No caso de conflitos que envolvam controvérsia jurídica entre órgãos ou entidades de direito público que integram a administração pública federal, a Advocacia-Geral da União deverá realizar composição extrajudicial do conflito, observados os procedimentos previstos em ato do Advogado-Geral da União.
§ 1o Na hipótese do caput, se não houver acordo quanto à controvérsia jurídica, caberá ao Advogado-Geral da União dirimi-la, com fundamento na legislação afeta.
§ 2o Nos casos em que a resolução da controvérsia implicar o reconhecimento da existência de créditos da União, de suas autarquias e fundações em face de pessoas jurídicas de direito público federais, a Advocacia-Geral da União poderá solicitar ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão a adequação orçamentária para quitação das dívidas reconhecidas como legítimas.
§ 3o A composição extrajudicial do conflito não afasta a apuração de responsabilidade do agente público que deu causa à dívida, sempre que se verificar que sua ação ou omissão constitui, em tese, infração disciplinar.
§ 4o Nas hipóteses em que a matéria objeto do litígio esteja sendo discutida em ação de improbidade administrativa ou sobre ela haja decisão do Tribunal de Contas da União, a conciliação de que trata o caput dependerá da anuência expressa do juiz da causa ou do Ministro Relator.
29 ZOCKUN, Maurício. Aspectos gerais da Lei Anticorrupção. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Direito Administrativo e Constitucional. Vidal Serrano Nunes Jr., Maurício Zockun, Carolina Zancaner Zockun, André Luiz Freire (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em:<https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/6/edicao-1/aspectos-gerais-da-lei-anticorrupcao>.                                                                                                              Acesso em: 26/09/2017.
30 p. 117
31 Salvo o argumento de que o §4° do art. 36 da Lei n° 13.140/2015 revogou ou derrogou, por si só, a vedação do artigo 17 da Lei n° 8.492/92, que nos parece incorreto. Diferente é o argumento que o considera como demonstração ou exemplo da mitigação daquela vedação, o qual não se mostra per se incorreto ou inadequado, ainda que se questione sua força argumentativa.
32 "A expressão legal que melhor retrata essa visão é, possivelmente, o parágrafo primeiro do artigo 17 da Lei n° 8.429/92 ("Lei de Improbidade Administrativa"), que veda de forma expressa a possibilidade de transação, acordo ou conciliação nas ações de improbidade administrativa. O comando, de fato, não parece deixar muito espaço para a substituição das determinações legais pela vontade das partes. No entanto, a edição (e posterior regulamentação) da Lei n° 12.846/2013 ("Lei Anticorrupção") impôs uma necessária reflexão sobre essa questão, uma vez que os tipos nela previstos são extremamente semelhantes aos da Lei de Improbidade, mas, ao invés de proibir a transação, ela prevê expressamente a possibilidade de celebração de acordos de leniência entre as pessoas jurídicas acusadas de atos de corrupção e a administração pública" (PINTO, José Guilherme Bernan Correa, Ob. cit., p. 49).
33 MATTOS, Mauro Roberto Gomes de. Do conflito da Lei Anticorrupção (Lei n° 12.846/2013) com a Lei de Improbidade Administrativa (Lei n° 8.429/1992), no que pertine à responsabilidade da pessoa jurídica privada: antinomia jurídica. Revista Síntese: Direito Administrativo, São Paulo, v. 10, n. 118, p. 33-50, out. 2015, p. 39, 42 e 50. Disponível em: <http://www.bdr.sintese.com/AnexosPDF/DCP%20118_miolo.pdf>. Acesso em: 28/09/2017. Também adotando o critério da especialidade, mas chegando a conclusão diversa: "No entanto, como a própria Lei Anticorrupção expressamente determina que a aplicação das sanções nela previstas não afasta aquelas contidas na Lei de Improbidade Administrativa, o argumento convence apenas em parte: quando se tratar de sanção prevista nas duas leis, apenas uma delas poderá ser aplicada, sob pena de bis in idem. No caso do particular, prevaleceria, pelo critério da especialidade, a sanção prevista na Lei Anticorrupção. Já quando se tratar de sanção prevista apenas na Lei de Improbidade Administrativa, não haverá bis in idem quando esta for aplicada, mesmo que o fato também seja tipificado pela Lei Anticorrupção. (PINTO, José Guilherme Bernan Correa. Ob. cit., p. 54).
34 DIDDIER, Fredie. Ob. cit., p. 117. Destaques nossos.
35 Outros autores falam em um sistema de defesa da moralidade mais amplo, abarcando a Lei n° 8.429/1992, a parte penal da Lei de Licitações e Contratos Administrativos, a Lei n° 12.529/2011, a Lei Complementar n° 135/2010, pelos artigos 312 e seguintes do Código Penal (MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo; FREITAS, Rafael Véras de. A juridicidade da Lei Anticorrupção: reflexões e interpretações prospectivas. Fórum Administrativo, Belo Horizonte, ano 14, n. 156, p. 9-20, fev. 2014, p. 10; FERRAZ, Luciano. Reflexões sobre a Lei n° 12.846/2013 e seus impactos nas relações público-privadas: lei de improbidade empresarial e não lei anticorrupção. Revista Brasileira de Direito Público, Belo Horizonte, ano 12, n. 47, p. 33-43, out./dez. 2014, p. 33/34). Não nos parece a melhor noção, pois pretendem agrupar num mesmo "microssistema" regras, conceitos, princípios e noções muito díspares, como, por exemplo, sanções penais e civis. Na realidade, não acreditamos haver muita diferença em tal assertiva e a afirmação mais ampla de que o ordenamento jurídico brasileiro combate a corrupção ou defende a moralidade.
36 GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 9a ed., rev e ampl. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 23.
37 Conforme nota de rodapé 19.
38 SANTOS, Kleber Bispo dos. Acordo de leniência na lei de improbidade administrativa e na lei anticorrupção. 2016. 225 f. Dissertação (Mestrado em Direito) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, p. 173/174.
39 DIDDIER, Fredie. Ob. cit, p. 117/118. Destaques nossos.
40 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo; FREITAS, Rafael Véras de. Ob. cit., p. 18. Destaques nossos.
41 LOBO FILHO, Fernando Rissoli; GUADANHIN, Gustavo de Carvalho. Ob. cit., p. 30.
42 "O intérprete autêntico, ao produzir normas jurídicas, pratica a júris prudentia e não uma júris scientia. O intérprete autêntico, então, atua segundo a lógica da preferência, e não conforme a lógica da conseqüência [Comparato 1979/127]: a lógica jurídica é a da escolha entre várias possibilidades corretas. Interpretar um texto normativo significa escolher uma entre várias interpretações possíveis, de modo que a escolha seja apresentada como adequada [Larenz 1983/86]. A norma não é objeto de demonstração, mas de justificação. Por isso a alternativa verdadeiro/falso é estranha ao direito; no direito há apenas o aceitável (justificável). O sentido do justo comporta sempre mais de uma solução [Heller 1977/241]" (GRAU, Eros Roberto. Ob. cit., p. 41).
43 TRF4, AG 5023972-66.2017.404.0000, Terceira Turma, Des. Rei. Vânia Hack de Almeida, juntado aos autos em 24/08/2017 - destaques nossos.
44 Nesse sentido: SILVA, Vinícius de Oliveira e. A nova lei anticorrupção: Perspectivas de aplicação da Lei n. 12.846/13 pelo Ministério Público. Revista do Ministério Público do Estado de Goiás, Goiânia, ano XVIII, n. 30, p. 265-284, jul./dez. 2015, p. 280.
45 Art. 6o Na esfera administrativa, serão aplicadas às pessoas jurídicas consideradas responsáveis pelos atos lesivos previstos nesta Lei as seguintes sanções: 
I - multa, no valor de 0,1% (um décimo por cento) a 20% (vinte por cento) do faturamento bruto do último exercício anterior ao da instauração do processo administrativo, excluídos os tributos, a qual nunca será inferior à vantagem auferida, quando for possível sua estimação; e
(...)   
§ 4o Na hipótese do inciso I do caput, caso não seja possível utilizar o critério do valor do faturamento bruto da pessoa jurídica, a multa será de R$ 6.000,00 (seis mil reais) a R$ 60.000.000,00 (sessenta milhões de reais).                                                               
(...)
Art. 7o Serão levados em consideração na aplicação das sanções:
I - a gravidade da infração;
II - a vantagem auferida ou pretendida pelo infrator;
III - a consumação ou não da infração;
IV - o grau de lesão ou perigo de lesão;
V - o efeito negativo produzido pela infração;
VI - a situação econômica do infrator;
VII - a cooperação da pessoa jurídica para a apuração das infrações;
VIII - a existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica;
IX - o valor dos contratos mantidos pela pessoa jurídica com o órgão ou entidade pública lesados; e
X - (VETADO).
Parágrafo único. Os parâmetros de avaliação de mecanismos e procedimentos previstos no inciso VIII do caput serão estabelecidos em regulamento do Poder Executivo federal.
46 Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato:
I - na hipótese do art. 9o, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, ressarcimento integral do dano, quando houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de oito a dez anos, pagamento de multa civil de até três vezes o valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de dez anos;
II - na hipótese do art. 10, ressarcimento integral do dano, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos, pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do dano e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos;
III - na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos.
IV - na hipótese prevista no art. 10-A, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de 5 (cinco) a 8 (oito) anos e multa civil de até 3 (três) vezes o valor do beneficio financeiro ou tributário concedido.
Parágrafo único. Na fixação das penas previstas nesta lei o juiz levará em conta a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente.
47 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo, 27a ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Atlas, 2014, p. 115.

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processo n° 2016-0.133.151-3

INTERESSADO: DEPARTAMENTO DE PROCEDIMENTOS DISCIPLINARES.

ASSUNTO: Ação civil por atos de improbidade.

Cont. da Informação n° 1574/2017-PGM.AJC

PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO

Senhor Procurador Geral do Município

Encaminho-lhe o presente com o entendimento da Assessoria Jurídico-Consultiva desta Procuradoria Geral, que acolho, no sentido da mitigação da vedação prevista no art. 17, § 1o, da Lei de Improbidade, conforme posicionamento já adotado por outras entidades e entes públicos, como Ministério Público, Advocacias Públicas e órgãos de controle interno, desde que não se trate de acordo inominado, haja reparação integral do dano e reconhecimento dos atos de improbidade praticados e sejam observados, na fixação da multa, os métodos e critérios da Lei Federal n° 12.846/13, motivo pelo qual concordamos com as conclusões do Departamento de Procedimentos Disciplinares - PROCED acerca das propostas apresentadas pelas empresas interessadas.

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São Paulo, 06/11/2017.

TIAGO ROSSI

COORDENADOR GERAL DO CONSULTIVO

OAB/SP 195.910

PGM

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processo n° 2016-0.133.151-3

INTERESSADO: DEPARTAMENTO DE PROCEDIMENTOS DISCIPLINARES.

ASSUNTO: Ação civil por atos de improbidade.

Cont. da Informação n° 1574/2017-PGM.AJC

DEPARTAMENTO DE PROCEDIMENTOS DISCIPLINARES - PROCED

Senhor Procurador Diretor

À vista da manifestação da Assessoria Jurídico-Consultiva da Procuradoria Geral do Município, que endosso, no sentido da mitigação da vedação prevista no art. 17, § 1o, da Lei de Improbidade, conforme posicionamento já adotado por outras entidades e entes públicos, como Ministério Público, Advocacias Públicas e órgãos de controle interno, desde que não se trate de acordo inominado, haja reparação integral do dano e reconhecimento dos atos de improbidade praticados e sejam observados, na fixação da multa, os métodos e critérios da Lei Federal n° 12.846/13, motivo pelo qual concordo com as conclusões desse Departamento acerca das propostas apresentadas pelas empresas interessadas, devolvo-lhe o presente para ciência e adoção das providências que julgar pertinentes, ressaltando a necessidade de as eventuais propostas de acordo em ações de improbidade serem submetidas à autoridade competente à autorização da sua propositura.

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São Paulo, 09/11/2017.

RICARDO FERRARI NOGUEIRA

porcurador Geral do Município

PGM

 

Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo