TID n° 16662048
INTERESSADO: CONTROLADORIA GERAL DO MUNICÍPIO
ASSUNTO: Possibilidade de celebração de acordo de leniência pela prática de atos anteriores à vigência da Lei Anticorrupção.
Informação n° 0953/2017-PGM.AJC
COORDENADORIA GERAL DO CONSULTIVO
Senhor Coordenador Geral
A Controladoria Geral do Município formula consulta em tese a respeito da "possibilidade de celebração de acordo de leniência que alcance atos praticados antes da vigência da Lei Anticorrupção (Lei federal n° 12.846/2013)". Na manifestação de fls. 2/5, a assessoria jurídica do órgão consulente pondera que, obviamente, as disposições punitivas e sancionatórias existentes na Lei Anticorrupção não poderão retroagir para alcançar fatos anteriores à sua vigência, eis que se aplica o princípio basilar do direito de que a lei penal não retroage, salvo para beneficiar o réu (art. 5º, inc. XL, da Constituição). No caso do acordo de leniência, entretanto, tratar-se-ia de causa de isenção de penalidade e, ademais, poderia ser vista como norma de caráter processual - aplicável, portanto, de imediato, lembrando que o acordo de leniência foi previsto não apenas para os novos delitos contemplados na Lei federal n° 12.846/13, mas também para os previstos na Lei federal n° 8.666/93. Por outro lado, a manifestação de CGM/AJ menciona decisão do TCE-RJ, que apresenta algumas ressalvas à utilização do acordo de leniência para fatos anteriores à entrada em vigor da Lei Anticorrupção, sob a premissa de que "para esses responsáveis identificados no bojo do acordo de leniência, a retroatividade da norma os estará prejudicando. Isso porque, caso não houvesse a aplicação da norma de forma retroativa, a administração pública não teria conhecimento da prática do ilícito por esses coautores".
É o relato do necessário.
Não vislumbramos qualquer óbice à incidência dos artigos 16 e 17 da Lei federal n° 12.846/131 aos fatos anteriores à entrada em vigor da lei.
Obviamente, o acordo de leniência, quando empregado para fatos anteriores à vigência da Lei federal n° 12.846/13, não poderá contemplar ilícitos previstos exclusivamente em tal diploma legal, pelo simples fato de que tais atos só passaram a constituir ilícitos administrativos após a entrada em vigor da lei (e, portanto, juntamente com a introdução no mundo jurídico do acordo de leniência). Entretanto, a Lei n° 12.846/13 também previu, no art. 17, a possibilidade de emprego do acordo de leniência para os ilícitos previstos na Lei federal n° 8.666/93 - estes existentes muito antes da entrada em vigor da 'Lei Anticorrupção'.
A regra básica de direito intertemporal é a de que a lei passa a produzir efeitos para frente, não retroagindo. Esse, aliás, é o comando expresso previsto no art. 31 da Lei n° 12.846/132, que ainda previu um prazo de vacatio legis de 180 dias. A partir da entrada em vigor da norma, ela passa a ter aplicação imediata e integral.
O raciocínio desenvolvido pelo TCE-RJ, mencionado no parecer retro, é imperfeito porque considera que teria havido aplicação da Lei 12.846/13 de forma retroativa, o que é inexato. A celebração de acordo de leniência após a entrada em vigor da lei não se cuida de aplicação retroativa, ainda que os fatos mencionados no acordo sejam anteriores à lei e se refiram à ilícitos previstos na Lei 8.666/93.
Ademais, o acordo de leniência influi na forma de exercício da pretensão punitiva e tem como efeito a redução da pena daquele que cometeu a infração e que colabora com a investigação, de forma que o princípio da irretroatividade da norma penal (salvo em benefício do réu), não representa óbice ao emprego do instituto legal. Dito de outro modo: como o acordo de leniência não tem o condão de agravar a pena de quem cometeu o ilícito - nem o de criar uma nova pena -, ele pode ser empregado mesmo que tenha como objeto fatos anteriores à Lei 12.846/13. A simples possibilidade de obtenção de novos elementos de prova ou indiciários do cometimento de ilícitos no passado - ou seja, a criação de novos meios de investigação e apuração de ilícitos - não pode ser razoavelmente interpretada como uma norma com caráter de pena, eis que esta já existia desde que o fato foi tornado ilícito.
No direito penal, já é assente a separação - feita pela jurisprudência para fins de avaliação da aplicação temporal das normas - entre as normas com conteúdo (material) penal e as normas processuais penais. O instituto da colaboração premiada, hoje espraiado por diversas leis, tem sido interpretado como norma de processo. Neste sentido:
HABEAS CORPUS. LESÃO CORPORAL, HOMICÍDIO QUALIFICADO, OCULTAÇÃO DE CADÁVER E PORTE ILEGAL ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO. IMPETRAÇÃO AJUIZADA CONTRA DECISÃO MONOCRÁTICA DO RELATOR QUE INDEFERIU MEDIDA LIMINAR EM OUTRO WRIT. SÚMULA 691/STF. CONSTRANGIMENTO QUE 15 AUTORIZA A SUPERAÇÃO DO REFERIDO ÓBICE. NEGATIVA DE APLICAÇÃO DA LEI N. 12.850/2013 EM RELAÇÃO AO AFASTAMENTO DO SIGILO DOS ACORDOS DE DELAÇÃO PREMIADA. ACUSAÇÃO JÁ RECEBIDA. OITIVA DOS RÉUS COLABORADORES AINDA NÃO REALIZADA. NORMA PROCESSUAL. APLICABILIDADE IMEDIATA. SISTEMA DE ISOLAMENTO DOS ATOS PROCESSUAIS (ART. 2º CPP). LEI N. 12.850/2013. NORMA PROCESSUAL MATERIAL OU MISTA. POSSIBILIDADE DE CISÃO. APLICABILIDADE IMEDIATA DAS DISPOSIÇÕES DE NATUREZA PROCESSUAL. RESERVA DAS NORMAS QUE TIPIFICAM CRIMES E SANÇÕES PARA OS CRIMES PRATICADOS APÓS A VIGÊNCIA. MEDIDA QUE RESSALTA A AMPLA DEFESA. DIREITO ADQUIRIDO AO SIGILO E ATO PROCESSUAL DE EFEITOS PRECLUSIVOS. INEXISTÊNCIA. (...) 3. A Lei n. 12.850/2013, de um lado, tipifica crimes e, de outro, trata do procedimento criminal, sendo manifesto seu caráter misto, ou seja, possui regras de direito material e de direito processual, sendo a previsão do afastamento do sigilo dos acordos de delação premiada norma de natureza processual, devendo obedecer ao comando de aplicação imediata, previsto no art. 2º do Código de Processo Penal. 4. Não há óbice a que a parte material da Lei n. 12.850/2013 seja aplicada somente ao processo de crimes cometidos após a sua entrada em vigor e a parte processual siga a regra da aplicabilidade imediata prevista no Código de Processo Penal. 5. Nada impede a aplicação da norma que afasta o sigilo dos acordos de delação premiada, no estágio em que a ação penal se encontra, pois, além de já ter sido recebida a denúncia, momento que a lei exige para que seja afastado o sigilo, o Código de Processo Penal adotou, em 16 seu art. 2°, o sistema de isolamento dos atos processuais, segundo o qual a lei nova não atinge os atos processuais praticados sob a vigência da lei anterior, porém é aplicável as atos processuais que ainda não foram praticados, pouco importando a fase processual em que o feito se encontrar (UMA, Renato Brasileiro de. Curso de Processo Penal. Volume único, Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2013, pág. 68). (...). (STJ. HC 282.253/MS, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 25/03/2014, DJe 25/04/2014)
PROCESSUAL PENAL RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. OPERAÇÃO CARCINOMA. CORRUPÇÃO PASSIVA E PECULATO. CRIME MILITAR. COLABORAÇÃO PREMIADA. JUSTIÇA CASTRENSE. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DO INSTITUTO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. NATUREZA JURÍDICA. MEIO DE OBTENÇÃO DE PROVA E NEGÓCIO JURÍDICO PERSONALÍSSIMO. VALIDADE. QUESTIONAMENTO POR CORRÉUS. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO DESPROVIDO.
(...).
2. A colaboração premiada é uma técnica especial de investigação, meio de obtenção de prova advindo de um negócio jurídico processual personalíssimo, que gera obrigações e direitos entre as partes celebrantes (Ministério Público e colaborador), não possuindo o condão de, por si só, interferir na esfera jurídica de terceiros, ainda que citados quando das declarações prestadas, faltando, pois, interesse dos delatados no questionamento quanto à validade do acordo de colaboração premiada celebrado por outrem. Precedentes do STF e STJ.
3. Recurso Ordinário em habeas corpus a que se nega provimento.
(STJ. RHC 69.988/RJ, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 25/10/2016, DJe 07/11/2016)
Assim, o acordo de leniência, tal como o acordo de colaboração premiada utilizado no âmbito do direito penal, ostenta caráter predominantemente processual, imediatamente aplicável, podendo ter como objeto ilícitos (previstos na Lei federal n° 8.666/93) anteriores à entrada em vigor da Lei federal n° 12.846/13. Seu único efeito não processual é benéfico ao autor da ilicitude, por importar em causa de exclusão e redução das sanções administrativas.
É como nos parece, sub censura.
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São Paulo, 07/07/2017
RODRIGO BRACET MIRAGAYA
Procurador Assessor - AJC
OAB/SP nº 227.775
PGM
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De acordo.
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São Paulo, 10/07/2017
TICIANA NASCIMENTO DE SOUZA SALGADO
Procuradora Assessora Chefe - AJC
OAB/SP 175.186
PGM
1 Art. 16. A autoridade máxima de cada órgão ou entidade pública poderá celebrar acordo de leniência com as pessoas jurídicas responsáveis pela prática dos atos previstos nesta Lei que colaborem efetivamente com as investigações e o processo administrativo, sendo que dessa colaboração resulte:
I - a identificação dos demais envolvidos na infração, quando couber; e
II-a obtenção célere de informações e documentos que comprovem o ilícito sob apuração.
§ 1º O acordo de que trata o caput somente poderá ser celebrado se preenchidos, cumulativamente, os seguintes requisitos:
I - a pessoa jurídica seja a primeira a se manifestar sobre seu interesse em cooperar para a apuração do ato ilícito;
II - a pessoa jurídica cesse completamente seu envolvimento na infração investigada a partir da data de propositura do acordo;
III - a pessoa jurídica admita sua participação no ilícito e coopere plena e permanentemente com as investigações e o processo administrativo, comparecendo, sob suas expensas, sempre que solicitada, a todos os atos processuais, até seu encerramento.
III - a pessoa jurídica admita sua participação no ilícito e coopere plena e permanentemente com as investigações e o processo administrativo, comparecendo, sob suas expensas, sempre que solicitada, a todos os atos processuais, até seu encerramento.
2º A celebração do acordo de leniência isentará a pessoa jurídica das sanções previstas no inciso II do art. 6º e no inciso IV do art. 19 e reduzirá em até 2/3 (dois terços) o valor da multa aplicável.
§ 3º O acordo de leniência não exime a pessoa jurídica da obrigação de reparar integralmente o dano causado.
§ 4º O acordo de leniência estipulará as condições necessárias para assegurar a efetividade da colaboração e o resultado útil do processo.
§ 5º Os efeitos do acordo de leniência serão estendidos às pessoas jurídicas que integram o mesmo grupo econômico, de fato e de direito, desde que firmem o acordo em conjunto, respeitadas as condições nele estabelecidas.
§ 6º A proposta de acordo de leniência somente se tornará pública após a efetivação do respectivo acordo, salvo no interesse das investigações e do processo administrativo.
§ 7º Não importará em reconhecimento da prática do ato ilícito investigado a proposta de acordo de leniência rejeitada.
§ 8º Em caso de descumprimento do acordo de leniência, a pessoa jurídica ficará impedida de celebrar novo acordo pelo prazo de 3 (três) anos contados do conhecimento pela administração pública do referido descumprimento.
§ 9º A celebração do acordo de leniência interrompe o prazo prescricional dos atos ilícitos previstos nesta Lei.
§ 10. A Controladoria-Geral da União - CGU é o órgão competente para celebrar os acordos de leniência no âmbito do Poder Executivo federal, bem como no caso de atos lesivos praticados contra a administração pública estrangeira.
Art. 17. A administração pública poderá também celebrar acordo de leniência com a pessoa jurídica responsável pela prática de ilícitos previstos na Lei n° 8.666, de 21 de junho de 1993, com vistas à isenção ou atenuação das sanções administrativas estabelecidas em seus arts. 86 a 88.
2 Art. 31. Esta Lei entra em vigor 180 (cento e oitenta) dias após a data de sua publicação.
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TID n° 16662048
INTERESSADO: CONTROLADORIA GERAL DO MUNICÍPIO
ASSUNTO: Possibilidade de celebração de acordo de leniência pela prática de atos anteriores à vigência da Lei Anticorrupção.
Cont. da Informação n° 0953/2017-PGM.AJC
PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO
Senhor Procurador Geral
Encaminho, a Vossa Senhoria, manifestação da Assessoria Jurídico-Consultiva desta Coordenadoria Geral do Consultivo, que acompanho, no sentido de que o acordo de leniência previsto nos artigos 16 e 17 da Lei federal n° 12.846/13 pode tratar de ilícitos cometidos antes da entrada em vigor do diploma legal.
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São Paulo, 17/07/2017
TIAGO ROSSI
Coordenador Geral do Consultivo
OAB/SP 195.910
PGM
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TID n° 16662048
INTERESSADO: CONTROLADORIA GERAL DO MUNICÍPIO
ASSUNTO: Possibilidade de celebração de acordo de leniência pela prática de atos anteriores à vigência da Lei Anticorrupção.
Cont. da Informação n° 0953/2017-PGM.AJC
CONTROLADORIA GERAL DO MUNICÍPIO
Senhora Controladora Geral
Encaminho, a Vossa Senhoria, manifestação da Coordenadoria Geral do Consultivo, que acolho, ementada sob o n° 11.747, no sentido de que o acordo de leniência previsto nos artigos 16 e 17 da Lei federal n° 12.846/13 pode tratar de ilícitos cometidos antes da entrada em vigor do diploma legal.
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São Paulo, 17/07/2017
RICARDO FERRARI NOGUEIRA
PROCURADOR GERAL DO MUNICÍPIO
OAB/SP n° 175.805
PGM
Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo