Processo nº 2012-0.323.186-1
INTERESSADO: Associação de Assistência à Criança Deficiente - AACD
ASSUNTO: Permissão de uso de imóvel municipal.
Informação n° 0947/2017-PGM.AJC
PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO
CCORDENADORIA GERAL DO CONSULTIVO
Senhora Coordenadora Substituta
A Associação de Assistência à Criança Deficiente formulou nestes autos o pedido inicial de permissão de uso do imóvel municipal localizado na rua dos Açores nº 310, Jardim Luzitânia, onde funciona atualmente uma de sua unidades denominada AACD Lar Escola.
Trata-se, de acordo com o documento de fls. 04/05, de imóvel cedido ao Lar Escola São Francisco, entidade que se encontra, segundo a interessada, em processo de incorporação pela AACD.
O DGPI juntou aos autos o croqui 66-D de fls. 41, com a indicação do local pretendido (área 1M). Elaborou também a planta de fls. 864, além da descrição da área (fls. 865).
Notificada para informar a finalidade da cessão (fls. 867), a requerente esclareceu que pretende desenvolver as seguintes atividades no local: 1) AACD Esporte - projeto voltado à inclusão social dos pacientes após a alta, contemplando tênis de mesa, bocha adaptada, natação, capoeira; 2) Setor Escolar - escola regular de ensino destinada a 110 alunos com deficiências múltiplas, que não puderam ser beneficiados com a inclusão em classes comuns do ensino regular; 3) Pesquisa Clínica - centro de pesquisa clínica com foco em validação de medicações / infusões; 4) Setor Administrativo - destinado a dar apoio aos setores acima, bem como à Unidade Central Ibirapuera; 5) Oficina Ortopédica, que funciona atualmente na Unidade Central Ibirapuera (fls. 869/870).
A propósito do assunto, o DEUSO informou que, das atividades mencionadas, apenas a escola é permitida pela legislação de uso e ocupação do solo atualmente em vigor (fls. 973/974).
A AACD, por sua vez, alegou às fls. 993/994, em síntese, que: a) o Lar Escola São Francisco sempre desenvolveu no local todas as atividades pretendidas - médicas, educacionais, de pesquisa clínica, administrativas e de oficina de confecção de órteses, próteses e cadeiras de rodas - desde 1959; b) todas as atividades mencionadas fazem parte de um processo de habilitação e reabilitação de pessoas com deficiência, sendo complementares e indispensáveis para que o atendimento oferecido seja completo; c) que não se requer a implantação de nenhuma atividade nova, mas sim a manutenção de todas as atividades indispensáveis ao processo de habilitação e reabilitação de pessoas com deficiência desenvolvido desde 1959, data anterior à primeira lei de zoneamento de São Paulo datada de 1972; d) que não há qualquer registro de reclamação por parte da vizinhança ou de qualquer órgão da administração pública; e) a proibição da continuidade de qualquer dessas atividades tornaria inócua a existência de tal unidade da AACD, forçando necessariamente o seu fechamento.
É o relatório.
O PA nº 1980-0.014.858-7, antigo nº 059.224/55, mencionado às fls. 44, cuidou do Projeto de Lei nº 437/54, que deu origem à Lei nº 5.117/57 (fls. 999), diploma legal que autorizou o Executivo a ceder em comodato, pelo prazo de 40 (quarenta) anos, ao Lar Escola São Francisco, o terreno em questão, localizado entre as ruas dos Açores e D. Diniz, para o desenvolvimento de suas atividades1. A propósito, consta dos referidos autos que o uso "jardins de infância e escolas primárias" era permitido no local, nos termos do artigo 2º, inciso III, da Lei nº 4.636/55 (fls. 1.001/1.003).
Assim, no dia 12 de novembro de 1959, foi lavrada a escritura de comodato (fls. 1.004/1.009), constando expressamente do documento a finalidade da cessão: "B) - no terreno ora cedido em comodato,, obriga-se o outorgado comodatário a construir, à sua custa, exclusiva, um edifício destinado a ampliar suas atividades previstas em seus atuais estatutos, ou seja, destinado a ampliar seus serviços de amparo e assistência aos menores deficientes físicos, especialmente aos desamparados, dando-lhes um lar onde recebam, gratuitamente, alimentação, roupas, assistência médica, educação física, cuidados físico-educacionais, em livro escolar, e profissional, para que venham a ser cidadãos úteis à sociedade e à Pátria;" (fls. 1.006).
O comodato outorgado ao Lar Escola São Francisco, no entanto, chegou ao seu termo final, com o consequente encerramento do respectivo auto de cessão, passando o presente processo a tratar da situação da área.
Pois bem, a Lei Orgânica do Município admite o uso de bens públicos por terceiros mediante concessão, permissão, autorização e locação social, conforme o caso e o interesse público ou social, devidamente justificado, o exigir (art. 114, caput). A própria LOM, contudo, considera de interesse social a prestação de serviços, exercida sem fins lucrativos, voltados ao atendimento das necessidades básicas da população especificadas no § 3º do dispositivo.
Por outro lado, o Decreto nº 52.201/11, ao regulamentar o assunto, admite a cessão de imóveis municipais a entidades sem fins lucrativos, de caráter educacional, cultural, ambiental ou de assistência social para: a) implantação de ensino gratuito destinado à comunidade local; b) implantação de centro de ensino especial ou de atividade de atendimento a pessoas com deficiência; c) implantação de atividade cultural; d) implantação de atividade de assistência social gratuita, destinada ao atendimento de carentes e idosos; e) implantação de centro de saúde ou hospitais, desde que contemplado o Sistema Único de Saúde - SUS e desde que o proponente integre a respectiva rede; f) implantação de serviços de educação ambiental, de apoio à gestão do sistema municipal de áreas verdes e de fomento ao desenvolvimento sustentável. No entanto, os pedidos de cessão que não se enquadrarem nos casos previstos poderão ser analisados, desde que presente o interesse público, devidamente justificado pelo interessado.
Portanto, no caso dos autos, caberá à Comissão do Patrimônio Imobiliário do Município avaliar o assunto, recomendando ao senhor Prefeito o que julgar conveniente.
Quanto à Lei nº 14.652/07, com a redação conferida pela Lei nº 16.373/16, dispensa do pagamento de remuneração mensal pelo uso de áreas públicas as entidades que prestem relevantes serviços sociais e culturais, devidamente propostos e avalizados pela secretaria municipal competente. A lei também determina que a entidade dispensada da onerosidade, cuja ocupação de áreas pública venha a ser regularizada, fica liberada do pagamento de indenização pelo uso pretérito. A questão, portanto, também deverá ser avaliada pela Comissão do Patrimônio Imobiliário do Município.
A propósito das alegações da interessada, de fato, dispõe a Lei nº 16.402/16:
Art. 135. O uso comprovadamente instalado até a data de publicação desta lei, permitido para o local na legislação vigente quando de sua instalação, que tenha se tornado não permitido ou não conforme nos termos desta lei, será tolerado, desde que:
I – a edificação possa ser considerada em situação regular nos termos da legislação edilícia;
II – no caso do uso não residencial – nR, sejam atendidos os parâmetros de incomodidade.
§1° O Executivo poderá, com objetivo de possibilitar a adequação aos novos parâmetros desta lei, conceder prazo proporcional aos ajustes necessários ao atendimento de cada parâmetro de incomodidade, a partir da entrada em vigor desta lei, até o máximo de 360 (trezentos e sessenta) dias, excetuadas:
I – as exigências relativas a horário de carga e descarga, que devem ser imediatamente atendidas;
II – as exigências da legislação específica sobre controle da emissão de ruído.
§2º Nas edificações de que trata o § 2º do art. 129 desta lei não serão permitidas ampliações, sendo admitidas somente reformas essenciais à segurança e higiene dessas edificações e a instalação de equipamentos necessários.
§3º Nas edificações regulares em razão de Certificado de Conclusão, Auto de Regularização, Auto de Vistoria ou Alvarás de Conservação expedidos de acordo com as disposições anteriores a esta lei, poderá ser instalado o uso declarado na respectiva aprovação ou regularização, ainda que este não seja considerado permitido nos termos desta lei.
Assim, caberá à Secretaria Municipal de Gestão avaliar o assunto, considerando as atividades cujo desenvolvimento foi autorizado no local, consoante legislação vigente à época, bem como as atividades mencionadas pela AACD às fls. 869.
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São Paulo, 06/07/2017.
RICARDO GAUCHE DE MATOS
PROCURADOR ASSESSOR – AJC
OAB/SP 89.438
PGM
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1A Lei nº 5.608/59 alterou o artigo 1º da lei original para corrigir a área do imóvel (fls. 1.000).
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Processo nº 2012-0.323.186-1
INTERESSADO: Associação de Assistência à Criança Deficiente - AACD
ASSUNTO: Permissão de uso de imóvel municipal
Cont. da Informação n° 0947/2017-PGM.AJC
SMG/Coordenadoria de Gestão do Patrimônio
Sra. Coordenadora
Encaminhamos com a manifestação da Assessoria Jurídico-Consultiva desta Coordenadoria Geral do Consultivo, que acolhemos.
Convém, no entanto, tecer algumas considerações adicionais, sempre sob o aspecto jurídico-formal, já que não nos compete avaliar o mérito do pedido.
Primeiramente, considerando o estatuto da associação interessada (entidade sem fins lucrativos que tem por objeto social promover a prevenção, habilitação e reabilitação de pessoas portadoras de deficiência física especialmente de crianças e adolescentes) e a natureza das atividades descritas, eventual permissão de uso encontrará fundamento no art. 114, caput e §§ 3.° e 4.°, da Lei Orgânica do Município e, ainda, no art. 2.°, inciso III, do Decreto n.° 52.201/11.
Outrossim, tais circunstâncias permitem, também, que a Administração avalie quanto à gratuidade da permissão, caso outorgada, conforme autoriza expressamente o art. 1.° da Lei n.° 14.652/2007 (com a redação conferida pela Lei n.° 16.373/2016), nos casos de entidades permissionárias que prestem relevantes serviços sociais ou culturais. Convém ponderar, por oportuno, que, caso definida a outorga de permissão de uso gratuita, desnecessário será promover novas diligências destinadas à aferição do valor locatício do bem municipal.
Por fim, parece-nos que o uso pretendido não constitui óbice a eventual permissão.
Conforme esclarecido por SMDU/DEUSO, a legislação atualmente vigente permite, na zona considerada, a instalação de serviço público social de pequeno porte, que corresponde a atividades públicas de uso coletivo prestadas pelo Poder Público, conveniadas à rede pública ou declaradas de interesse público, que integrem as políticas de diferentes setores voltadas à efetivação e universalização de direitos sociais, cuja instalação seja compatível com a vizinhança residencial. Entre os exemplos de tais atividades, a lei relaciona os estabelecimentos destinados à educação e cuidados infantis ou de alunos com necessidades especiais.
Pode-se depreender da instrução processual que as atividades, desempenhadas em complementariedade e em parceria com diversas secretarias municipais (notadamente Secretaria de Saúde e de Educação), compreendem serviços educacionais, médicos, administrativos, de pesquisas e de confecção de órteses, próteses e cadeiras de rodas, conformando um estabelecimento voltado ao cuidado das pessoas com deficiência.
Observe-se que SMDU/DEUSO promoveu a classificação dos usos a partir de análise individualizada e segregada de cada uma das atividades apontadas, não deixando de ponderar, no entanto, ao final, acerca da viabilidade da verificação da associação entre tais atividades, com possível repercussão na sua classificação, o que pode ser objeto de esclarecimentos complementares.
Por outro lado, tal instrução complementar pode até mesmo mostrar-se despicienda, já que não parece possível negar, com amparo na instrução processual, que se trata, na hipótese, de uso comprovadamente instalado, antes da Lei n.° 16.402/2016, bem como incentivado e estimulado pela própria Municipalidade.
Com efeito, no longínquo ano de 1.959, a posse do mesmo bem municipal já fora cedida, em comodato, para o Lar Escola São Francisco (recentemente incorporado à associação interessada), com o objetivo da instalação de serviços de amparo e assistência aos menores deficientes físicos, especialmente aos desamparados. De acordo com a instrução processual, tais serviços foram efetivamente implementados e persistem, ininterruptamente, até a presente data, até mesmo em parceria com a Municipalidade1.
Além disso, não se identifica, no requerimento inicial da interessada ou nos complementares, eventual pretensão de alterar a destinação do imóvel. Pelo contrário: em todas as oportunidades, a interessada vem reafirmando que pretende regularizar a posse do imóvel e manter os serviços já instalados no local:
"A entidade Lar Escola São Francisco, devidamente incorporada peta AACD em 2012, desde 1.959 (conforme escritura de comodato registrada junto ao 24° Tabelião de Notas de São Pauto), sempre desenvolveu de forma ininterrupta todas as atividades ora informadas, quais sejam, médicas, educacionais, as de pesquisas clinicas, administrativas e de oficina de confecção de órteses, próteses e cadeiras de rodas para pessoas com deficiência que são atendidas no endereço Rua dos Açores, 310, Jd. Luzitânia, São Paulo/SP.
Todas as atividades acima mencionadas fazem parte de um processo de habilitação e reabilitação de pessoas com deficiência, sendo complementares umas as outras e indispensáveis para que o atendimento oferecido seja completo.
De toda sorte, deve-se esclarecer que no pedido de renovação da permissão de uso do terreno em discussão, não se requer a implantação de nenhuma atividade nova, mas sim a manutenção de todas as atividades indispensáveis ao processo de habilitação e reabilitação de pessoas com deficiência, desenvolvido desde 1959, data essa anterior à primeira Lei de Zoneamento de São Paulo datada de 19722.”
Reportando-nos, pois, ao já referido parecer da Assessoria Jurídico-Consultiva desta Coordenadoria Geral do Consultivo e, ainda, às considerações ora acrescentadas, parece-me que a instrução processual permite concluir, nos termos do art. 87 da Lei Orgânica do Município, que não há óbice jurídico-formal à regularização da ocupação mediante outorga de permissão de uso do bem municipal nos termos postulados3, podendo o presente seguir à Coordenadoria de Gestão do Patrimônio para regular tramitação.
Anexamos, nesta oportunidade, pela pertinência, documentos extraídos do processo n.° 2010-0.042.985-3, que se referem ao Termo de Convênio n.° 227/2011/SMPP (fls. 386 e ss.) e indicam as atividades exercidas pelo então Lar Escola São Francisco (fls. retro).
Mantidos os acompanhantes.
São Paulo, 19/010/2017
TICIANA NASCIMENTO DE SOUZA SALGADO
Procuradora Chefe - PGM/AJC
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1Cf., por exemplo, os relatórios de visita elaborados pela Secretaria de Saúde (fls. 85 e 851)
2Ofício AACD n.° 858/2016, de 17/10/2016, anexado às fls. 993/994. Confira-se, também, por exemplo, Ofício AACD n.° 364/2016, de 12/05/2016: "Nessa unidade da AACD funciona o seu setor escolar, especializado no atendimento de pacientes com deficiência física" (fl. 968).
3Eventual permissão de uso não afastará, evidentemente, o dever do permissionário de cumprir as exigências que lhe sejam pertinentes, notadamente sob o aspecto edilício, educacional e sanitário.
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TIAGO ROSSI
COORDENADOR GERAL DO CONSULTIVO
Procuradoria Geral do Município
Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo