CASA CIVIL DO GABINETE DO PREFEITO

Acessibilidade

PARECER PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO - PGM Nº 11.697 de 7 de Julho de 2017

EMENTA N° 11.697
Responsabilidade administrativa ambiental. Competência material comum. Exercício do poder de polícia repressivo pelo Município. Possibilidade. Observância do art. 17, §3°, da Lei Complementar n.° 140/2011. Responsabilidade do proprietário por degradação provada por terceiro. Cabimento. Necessidade de demonstração de um mínimo de culpabilidade. Inaplicabilidade do caráter propter rem, restrito à responsabilização civil ambiental.

Processo n° 2016-0.040.291-3

INTERESSADA: DEPARTAMENTO DE GESTÃO DESCENTRALIZADA

ASSUNTO: Fiscalização. Infração ambiental. Aplicação de sanções pecuniárias.

Informação n° 0113/2017-PGM.AJC

COORDENADORIA GERAL DO CONSULTIVO

Assessoria Jurídico-Consultiva

Senhora Procuradora Assessora Chefe

O Departamento de Defesa do Meio Ambiente e do Patrimônio (DEMAP) roga deliberação desta Procuradoria Geral do Município acerca do entendimento da Assessoria Jurídica da Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente exposto a fls. 134/136 (SVMA-AJ), que propõe o cancelamento das multas cominadas.

De modo específico, o Departamento requer a análise de dois pontos.

O primeiro assume relação com a competência para o exercício do poder de polícia repressivo na área ambiental. De um lado, a SVMA-AJ compreende que não caberia ao Município exercer a fiscalização sobre atividade envolvendo postos revendedores de combustíveis, de atribuição da CETESB (fls. 134/136)1. De outro, DEMAP aduz que a legislação não afasta a competência municipal para a respectiva repressão, devendo prevalecer eventual multa aplicada pela entidade estadual (fls. 139/144).

O segundo ponto refere-se à possibilidade de autuação do proprietário do imóvel sobre o qual restou caracterizada a infração. SVMA-AJ aponta que inexiste fundamento legal para a penalização de proprietários pelas infrações administrativas ambientais praticadas por terceiros (fls. 134/136). DEMAP, porém, faz alusão á responsabilidade ambiental e ao seu caráter objetivo e propter rem (fls. 141/144).

É o relatório do quanto necessário.

A análise das questões será realizada de modo apartado e pontual, de modo a facilitar o desenvolvimento do raciocínio.

I. PODER DE POLÍCIA AMBIENTAL REPRESSIVO. COMPETÊNCIA COMUM E DITAMES DA LEI COMPLEMENTAR N.° 140/11

A competência ambiental material encontra-se constitucionalmente estabelecida como sendo comum (artigos 23 e 225), encontrando na Lei Complementar n.° 140/11 seu alcance específico. Nos termos do art. 17 de tal diploma, encontra-se previsto o seguinte:

Art. 17. Compete ao órgão responsável pelo licenciamento ou autorização, conforme o caso, de um empreendimento ou atividade, lavrar auto de infração ambiental e instaurar processo administrativo para a apuração de infrações à legislação ambiental cometidas pelo empreendimento ou atividade licenciada ou autorizada.

§1º Qualquer pessoa legalmente identificada, ao constatar infração ambiental decorrente de empreendimento ou atividade utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores, pode dirigir representação ao órgão a que se refere o caput, para efeito do exercício de seu poder de polícia.

§2º Nos casos de iminência ou ocorrência de degradação da qualidade ambiental, o ente federativo que tiver conhecimento do fato deverá determinar medidas para evitá-la, fazer cessá-la ou mitigá-la, comunicando imediatamente ao órgão competente para as providências cabíveis.

§3º O disposto no caput deste artigo não impede o exercício pelos entes federativos da atribuição comum de fiscalização da conformidade de empreendimentos e atividades efetiva ou potencialmente poluidores ou utilizadores de recursos naturais com a legislação ambiental em vigor, prevalecendo o auto de infração ambiental lavrado por órgão que detenha a atribuição de licenciamento ou autorização a que se refere o caput.

Verifica-se, portanto, que o §3° do art. 17 representa permissivo para que qualquer ente federativo exerça o poder de polícia repressivo na seara ambiental, prevalecendo, contudo, a pena aplicada pelo órgão com atribuição para proceder ao licenciamento ou à autorização. Trata-se de diretriz normativa compatível com a Constituição Federal, bem assim com a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei n.° 6.938/81), que atribui aos entes que integram o Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA) - União, Estados, Distrito Federal e Municípios - a responsabilidade pela proteção e melhoria da qualidade ambiental.

Sobre tal preceito, lecionam Eduardo Bim e Taldem Farias2:

"A LC n.° 140/2011, ao reconhecer a competência comum para fiscalizar (art. 17, § 3º), preceitua que compete ao órgão responsável pelo licenciamento ou autorização fiscalizar eventuais infrações à legislação ambiental cometidas pelo empreendimento ou atividade licenciada ou autorizada (art. 17, caput). Estabelece uma prevalência, que de forma alguma aniquila a capacidade fiscalizatória dos outros entes, mas impõe um benefício de ordem na fiscalização ambiental."

Nesse sentido aponta a própria jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo, por meio de sua Câmara Reservada ao Meio Ambiente, que assim já decidiu:"(...) apesar da previsão do 'caput' do artigo 17 da Lei Complementar n.° 140/2011 no sentido de que o órgão ambiental licenciador é competente para a lavratura do auto de infração, não se deve desconsiderar que, nos moldes do §3° do mencionado artigo, caso haja omissão do órgão licenciador, não há impedimento para que os colegitimados apliquem penalidade." (Apelação n.° 0010778-25.2014.8.26.0071, 1ª Câmara Reservada ao Meio Ambiente, Rel. Moreira Viegas, julg. 07/04/2016).

No mesmo sentido o Superior Tribunal de Justiça: "O Poder de Polícia Ambiental pode - e deve - ser exercida por todos os entes da Federação, pois se trata de competência comum, prevista constitucionalmente. (...) Diante de uma infração ambiental, os agentes de fiscalização ambiental federal, estadual ou municipal terão o dever de agir imediatamente, obstando a perpetuação da infração" (AgRg no REsp 1.417.023/PR, Rel. Humberto Martins, DJe 25/08/2015).

Verifica-se, portanto, que o desiderato legal é evitar que a inércia de determinado ente público acabe acarretando a ausência de uma tutela repressiva em relação a determinada infração ao meio ambiente. Cabível, neste ponto, a remissão ao art. 225, "caput", da Constituição Federal, que impõe ao Poder Publico a defesa e a preservação ambiental. Esta vereda interpretativa encontra-se em consonância com a máxima efetividade da proteção ambiental.

Evidentemente, caso sobrevenha aplicação de penalidade pela CETESB envolvendo os mesmos fatos, prevalece a sanção cominada pelo ente estadual, conforme dicção expressa do art. 17, §3°, da LC n.° 140/11. A coexistência das penas configuraria um inconstitucional bis in idem.

Desta forma, inexiste razão para o cancelamento das multas cominadas sob o fundamento da incompetência do Município em cominá-las3.

II. A RESPONSABILIDADE ADMINISTRATIVA DO PROPRIETÁRIO POR DEGRADAÇÃO PRATICADA POR TERCEIRO

A segunda questão considerada pelo DEMAP refere-se à possibilidade de autuação do proprietário do imóvel sobre o qual restou caracterizada a infração. SVMA-AJ aponta que inexiste fundamento legal para a penalização de proprietários pelas infrações administrativas ambientais praticadas por terceiros. DEMAP, porém, faz alusão à responsabilidade ambiental e ao seu caráter objetivo e propter rem.

Neste ponto, assiste parcial razão à Assessoria Jurídica da SVMA, conforme as considerações a seguir expostas.

É preciso distinguir, sem prejuízo de outros, dois planos da responsabilidade ambiental: a civil e a administrativa.

A primeira gira na órbita da teoria objetiva (cf. art. 14, §1°, da Lei federal n.° 6.938/81), assumindo caráter real, propter rem, na medida em que atinge a esfera jurídica do proprietário, mesmo que este não tenha causado a degradação ambiental. Trata-se de entendimento sedimentado tanto no âmbito da jurisprudência quanto da doutrina, encontrando ressonância na própria legislação (art. 2º, §2°, da Lei federal n.° 12.651/124).

Já a responsabilidade administrativa assume compostura jurídica diversa. A despeito da controvérsia que ainda remanesce sobre o tema, deve-se prestigiar o entendimento que vem se firmando no Superior Tribunal de Justiça em relação à responsabilidade administrativa do proprietário em razão da degradação ambiental pratica por terceiro. Nesse sentido o julgado a seguir transcrito (REsp n.° 1.401.500-PR, 2ª Turma, Rel. Herman Benjamin, DJe 13/09/2016):

3. Cabe esclarecer que, no Direito brasileiro e de acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a responsabilidade civil pelo dano ambiental, qualquer que seja a qualificação jurídica do degradador, público ou privado, proprietário ou administrador da área degradada, é de natureza objetiva, solidária e ilimitada, sendo regida pelos princípios do poluidor-pagador, da reparação in integrum, da prioridade da reparação in natura e do favor debilis.

4. Todavia, os presentes autos tratam de questão diversa, a saber a natureza da responsabilidade administrativa ambiental, bem como a demonstração de existência ou não de culpa, já que a controvérsia é referente ao cabimento ou não de multa administrativa.

5. Sendo assim, o STJ possui jurisprudência no sentido de que, "tratando-se de responsabilidade administrativa ambiental, o terceiro, proprietário da carga, por não ser o efetivo causador do dano ambiental, responde subjetivamente pela degradação ambiental causada pelo transportador" (AgRg no AREsp 62.584/RJ, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Rel. p/ acórdão Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, DJe 7.10.2015).

6. "Isso porque a aplicação de penalidades administrativas não obedece à lógica da responsabilidade objetiva da esfera cível (para reparação dos danos causados), mas deve obedecer à sistemática da teoria da culpabilidade, ou seja, a conduta deve ser cometida pelo alegado transgressor, com demonstração de seu elemento subjetivo, e com demonstração do nexo causal entre a conduta e o dano". (REsp 1.251.697/PR, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 17.4.2012).

O conteúdo da decisão, com base em precedentes da mesma Corte, é claro é inequívoco: o proprietário somente pode ser objeto de penalidade na medida de sua culpabilidade, afastada a responsabilidade propter rem, especialmente no tocante às degradações causadas por terceiros,

Este entendimento encontra certa correspondência com posição já exposta por esta Assessoria Jurídico-Consultiva, nos termos do parecer vertido na Informação n.° 0453/2011-PGM.AJC, na qual foi feito exame em relação à responsabilidade do proprietário por infrações ambientais cometidas por terceiros invasores. Embora tenha sido vislumbrada a inexistência de fundamento legal para penalização do proprietário pelas infrações ambientais praticadas por terceiros, acenou-se que eventual responsabilidade do titular do domínio estaria na dependência da "possibilidade fática que tinha para impedir a prática da infração."

Tal compreensão evidencia a admissibilidade da responsabilidade administrativa do proprietário, caso demonstrada a sua culpabilidade, principalmente nas situações em que se omitiu na defesa de seu domínio, permitindo a invasão e a degradação por terceiros.

Este o ponto que se pretende destacar: o art. 70 da Lei n.° 9.605/98 - que tipifica genericamente a infração administrativa ambiental -, associado ao plexo normativo que impõe ao proprietário o cumprimento da função socioambiental da propriedade (artigo 225, "caput", da Constituição Federal; artigo 1.228 do Código Civil, entre inúmeros outros), permitem extrair a existência de um tipo infracional que imputa uma responsabilidade administrativa ao proprietário omisso. Não se trata, contudo, de uma responsabilização objetiva, mas na dependência da comprovação da culpabilidade do titular do domínio, aferível caso a caso.

III. CONCLUSÃO

Diante de todo o exposto, dessume-se o seguinte:

  1. Qualquer ente federativo pode exercer o poder de polícia repressivo na seara ambiental, prevalecendo a pena aplicada pelo órgão com atribuição para proceder ao respectivo licenciamento ou autorização (art. 17, §3°, da Lei Complementar n.° 140/11);
  2. O art. 70 da Lei n.° 9.605/98, associado ao plexo normativo que impõe ao proprietário o cumprimento da função socioambiental da propriedade, permite extrair a existência de um tipo infracional que imputa uma responsabilidade administrativa ao proprietário, nomeadamente se restar caracterizada sua omissão e desídia. Trata-se de uma responsabilização condicionada à comprovação da culpabilidade do titular do domínio. Incabível atribuir caráter propter rem à responsabilidade administrativa do proprietário por degradação causada por terceiro.

À consideração superior, recomendando-se ulterior envio ao DEMAP e à SVMA, para ciência e continuidade das providências.

.

São Paulo, 7 de julho de 2017

RODRIGO BORDALO RODRIGUES

Procurador Assessor – AJC

OAB/SP 183.508

PGM

 .

1A bem da verdade, a manifestação da SMVA-AJ acostada a fls. 94/99 abraça a mesma tese encampada pelo DEMAP. No entanto, por força do novo pronunciamento da mesma Assessoria Jurídica a fls. 134/136, a divergência se instaurou.

2Competência ambiental legislativa e administrativa, In: Revista de Informação Legislativa, n. 208, out./dez.2015, p. 214.

3No que se refere ao caso in comento, é preciso verificar se a CETESB exerceu ou não o seu poder de polícia em relação aos fatos objeto de sancionamento pelo Município. Conquanto a SVMA-AJ faça alusão à "autuação já realizada pela CETESB" (fls. 98, 4º parágrafo), não foi identificado, s.m.j., nenhum documento comprovando tal circunstância. De todo modo, cabe à SVMA tal verificação, com a aplicação do entendimento jurídico consolidado por esta Procuradoria Geral do Município.

4In verbis: "As obrigações previstas nesta Lei têm natureza real e são transmitidas ao sucessor, de qualquer natureza, no caso de transferência de domínio ou posse do imóvel rural."

.

De acordo,

.

São Paulo, 13/07/2017

Ticiana Nascimento de Souza Salgado

Procuradora Assessora Chefe

OAB/SP 175.186

PGM

.

.

Processo n° 2016-0.040.291-3

INTERESSADA: DEPARTAMENTO DE GESTÃO DESCENTRALIZADA

ASSUNTO: Fiscalização. Infração ambiental. Aplicação de sanções pecuniárias.

Cont. da Informação n° 0113/2017-PGM.AJC

PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO

Senhor Procurador Geral

Encaminho a Vossa Excelência a manifestação da Assessoria Jurídico-Consultiva desta Procuradoria Geral, que acolho integralmente.

.

São Paulo, 17/07/2017

Tiago Rossi

Coordenador Geral do Consultivo

OAB/SP 195.910

PGM

.

.

Processo n° 2016-0.040.291-3

INTERESSADA: DEPARTAMENTO DE GESTÃO DESCENTRALIZADA

ASSUNTO: Fiscalização. Infração ambiental. Aplicação de sanções pecuniárias.

Cont. da Informação n° 0113/2017-PGM.AJC

DEMAP

Senhora Diretora

  1. Encaminho o presente com a manifestação da Assessoria Jurídico-Consultiva desta Procuradoria Geral, que acompanho integralmente, no seguinte sentido:Qualquer ente federativo pode exercer o poder de polícia repressivo na seara ambiental, prevalecendo a pena aplicada pelo órgão com atribuição para proceder ao respectivo licenciamento ou autorização (art. 17, §3°, da Lei Complementar n.° 140/11);
  2. O art. 70 da Lei n.° 9.605/98, associado ao plexo normativo que impõe ao proprietário o cumprimento da função socioambiental da propriedade, permite extrair a existência de um tipo infracional que imputa uma responsabilidade administrativa ao proprietário, nomeadamente se restar caracterizada sua omissão e desídia. Trata-se de uma responsabilização condicionada à comprovação da culpabilidade do titular do domínio. Incabível

Desta forma, confere-se ciência a esse Departamento, rogando-se posterior remessa para a Secretaria do Verde e do Meio Ambiente, para igual desiderato. Após, impõe-se a continuidade das providências, nos termos das premissas jurídicas ora assentadas.

Mantidos acompanhantes.

.

São Paulo, 21/07/2017

Ricardo Ferrari Nogueira

Procurador Geral do Município

OAB/SP 175.805

PGM

Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo