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PARECER PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO - PGM Nº 11.672 de 10 de Agosto de 2015

EMENTA nº 11.672
Herança jacente. Processo de arrecadação. Ulterior vacância. Forma derivada de aquisição de propriedade. Ocupação pretérita do bem por cônjuge ou companheira sobreviventes. Direito real de habitação. Aplicabilidade do artigo 1.831 do Código Civil, no caso de sucessão aberta após a vigência do Código Civil de 2002.

Processo nº 2012-0.247.389-6

INTERESSADO: ADMINISTRAÇÃO

ASSUNTO: Arrecadação de herança de Cícero Tomaz dos Santos. Ocupação pela companheira sobrevivente. Direito real de habitação. Artigo 1.831 do Código Civil.

Informação n° 1.003/2015-PGM.AJC

PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO

Assessoria Jurídico-Consultiva

Senhor Procurador Assessor Chefe

O Departamento de Defesa do Meio Ambiente e do Patrimônio (DEMAP) roga definição acerca do prosseguimento a ser dado ao presente, nos termos da minuciosa manifestação de fls. 103/109, a que se faz remissão.

Em síntese, trata-se de arrecadação da herança jacente de Cícero Tomaz dos Santos, consistente nos direitos previstos no instrumento particular de cessão e transferência de parte do imóvel referido como lote 17-A, da quadra 19, do Jardim Guanhembú, com área de 147m2. Após instrução visando à individualização do bem, apurou-se que o imóvel está oficialmente localizado na Rua Arildo Valadão, n.° 47, Santo Amaro, contribuinte n.° 258.033.0067-31.

Ocorre que no imóvel reside Maria Josefa da Conceição, ex-companheira do de cujus, em relação a quem não restou reconhecido judicialmente qualquer direito sobre o bem (cf. ação de reconhecimento de união estável que tramitou perante a 4ª Vara da Família e Sucessões do Foro Regional de Santo Amaro).

No tocante a tal situação, DEMAP compreende que não deve haver oposição à permanência da companheira sobrevivente no imóvel, ex vi do artigo 1.831 do Código Civil, que lhe confere o direito à habitação. Desta forma, a companheira continuaria ocupando o bem enquanto vivesse, e os direitos decorrentes do instrumento de cessão seriam transmitidos à Municipalidade, a quem caberia promover a ação pertinente para obter a propriedade, ou a sua alienação.

O Departamento reconhece que se trata de situação sui generis, "em que a companheira sobrevivente permanecerá a residir em imóvel tendente a integrar o patrimônio público, se a arrecadação prosseguir regularmente até a adjudicação" (fls. 108). Nesse sentido, DEMAP roga definição acerca do prosseguimento a ser dado.

É o relatório do quanto necessário.

O tema geral em debate envolve a questão referente à possibilidade do exercício do direito real de habitação em imóveis públicos, levando-se em consideração a pré-existência de referido direito à incorporação do bem ao patrimônio da Administração em virtude da vacância de herança. Quanto a isto, concorda-se, em tese, com a posição exposta pelo DEMAP, que propugna a efetiva possibilidade.

Conquanto seja cabível vislumbrar a questão sob outra ótica - a da supremacia do interesse público sobre o privado - entende-se que a incidência do direito de habitação merece preservação nas circunstâncias relacionadas à formação do patrimônio público. A razão decorre da natureza jurídica da aquisição resultante da herança vacante. Trata-se de forma derivada de aquisição da propriedade, pela qual os ônus e os direitos relacionados ao bem são preservados, acompanhando a coisa. Considerando uma situação em que o direto de habitação antecede a transferência do bem ao patrimônio público, indigitado direito se mantém, merecendo aplicabilidade e observância pelo Poder Público.

Partindo de tal premissa, convém investigar especificamente a aplicação do direito de habitação no caso em comento.

A habitação prevista no art. 1.831 do Código Civil (da mesmo forma que aquela disciplinada preteritamente pelo art. 1.611, §2º, do Código Civil de 1916) assume, a par do caráter de direito real, natureza sucessória. A própria topologia dos dispositivos que disciplinam tal figura, inseridos no Livro dedicado às sucessões, evidencia referida natureza. Esta, aliás, a posição a respeito do Superior Tribunal de Justiça2.

Diante de tal aspecto, a incidência do respectivo regime encontra-se na dependência da norma aplicável no momento da abertura da sucessão. A questão do direito intertemporal em casos tais está expressamente disciplinada no art. 2.041 do Código Civil em vigor3. Considerando que a abertura da sucessão deu-se no ano de 2004. aplicável o regime jurídico do direito de habitação previsto no art. 1.831 do Código Civil de 2002, cuja disciplina está revestida de uma maior abrangência, comparativamente com a legislação civil anterior.

Demais, nos termos da jurisprudência suscitada pelo DEMAP, o STJ vem reconhecendo que a companheira supérstite tem direito real de habitação sobre o imóvel de propriedade do falecido onde residia o casal, mesmo na vigência do atual Código Civil. A única (e mínima) discordância que se faz em relação à posição do DEMAP é a circunstância de que a Lei nº 9.278/96 (Lei da União Estável) foi ab-rogada pelo Código Civil de 2002. Nesse sentido, incabível evocar, como fundamento legal para a conclusão ora abraçada, o art. 7º, parágrafo único, da Lei 9.278/96, mas sim, e exclusivamente, o art. 1.831 do CC4.

Outrossim, vale consignar que o exercício do direito de habitação decorre ex vi legis, de modo a não necessitar de registro no cartório imobiliário para ser exercido (cf. REsp 74.729/SP, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ 02/03/1998; REsp 1.203.144/RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe 15/08/2014).

Diante disto, ratifica-se o entendimento do DEMAP: Maria Josefa da Conceição tem o direito de permanecer no imóvel por força do direito real de habitação. A par disto, necessário que seja requerido em juízo o prosseguimento da arrecadação, bem como, decorrido o prazo da publicação dos editais previsto no art. 1.152 do CPC, a declaração de adjudicação do bem sob exame. Outrossim, tal qual exposto pelo Departamento, igualmente conveniente solicitar ao juízo a averbação de que parte do imóvel é objeto de procedimento de jurisdição voluntária.

Apenas convém observar que o direito de habitação está sendo exercido em desconformidade com o regime que lhe é próprio. Nos termos da informação de fls. 94, parte do imóvel é objeto de locação para fins de funcionamento de marcenaria. No entanto, é cediço que o direito de habitação veda ao beneficiário a prerrogativa de locar a coisa, conforme dispõe o art. 1.414 do CC. Esta, a propósito, a distinção entre as figuras do usufruto, do uso e da habitação. Desta forma, a fim de que não reste descaracterizada a natureza da posse detida pela companheira supérstite - ou seja, a não configuração de posse animus domini -, conveniente a tomada de providências visando à sua adequação, aspecto a ser devidamente analisado pelo DEMAP.

Diante de todo o exposto, conclui-se o seguinte:

1º) Nos termos do art. 1.831 do CC, Maria Josefa da Conceição tem o direito de permanecer no imóvel por força do direito real de habitação, aplicável in casu;

2º) Convém que seja requerido em juízo o prosseguimento da arrecadação, bem como, após decorrido o prazo da publicação dos editais previsto no art. 1.152 do CPC, a declaração de adjudicação do bem sob exame;

3º) Igualmente conveniente solicitar ao juízo a averbação, na matrícula nº 156.503 do 11º Registro de Imóveis, de que parte do imóvel é objeto de procedimento de jurisdição voluntária;

4º) DEMAP deverá tomar as providências necessárias à devida adequação da posse detida pela beneficiária ao regime do direito real de habitação.

Com essas considerações, sugerimos submeter o presente à Secretaria dos Negócios Jurídicos, para deliberação conclusiva.

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São Paulo, 10 de agosto de 2015.

RODRIGO BORDALO RODRIGUES

Procurador do Município

OAB/SP nº 183.508

PGM/AJC

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De acordo.

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São Paulo, 11/08/2015.

TIAGO ROSSI

PROCURADOR ASSESSOR CHEFE - AJC

OAB/SP 195.910

PGM

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1 De acordo com os cadastro do Município, em nome de Maria Josefa da Conceição.

2 "O direito real de habitação, instituído causa mortis, seja na vigência do Código Civil de 1916, ou sob a égide da atual lei substantiva civil, ainda que com contornos bem diversificados, sempre foi compreendido como direito sucessório, a considerar o Livro em que inseridas as correspondentes disposições legais - Do Direito das Sucessões" (REsp 1.125.901-RS, 4ª Turma, Min. Rel. Luis Felipe Salomão, DJe 06/09/2013 - destaque nosso).

3 In verbis: "As disposições deste Código relativas à ordem da vocação hereditária (arts. 1.829 a 1.844) não se aplicam à sucessão aberta antes de sua vigência, prevalecendo o disposto na lei anterior (Lei n. 3.071, de 1º de janeiro de 1916)."
4 Vale registrar que tal esta questão encontra divergência no próprio Superior Tribunal de Justiça. Há Acórdãos que fazem referência, como fundamento legal, ao art. 7º, parágrafo único, da Lei 9.278/96 (REsp 1.156.744/MG, Rel. Min. Marco Buzzi, DJe 18/10/2012). Outros propugnam que tal dispositivo foi revogado pelo CC, que disciplina o assunto em seu art. 1.831, aplicável aos companheiros por força do art. 226, §3º, da CF.

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Processo nº 2012-0.247.389-6

INTERESSADO: ADMINISTRAÇÃO

ASSUNTO: Arrecadação de herança de Cícero Tomaz dos Santos. Ocupação pela companheira sobrevivente. Direito real de habitação. Artigo 1.831 do Código Civil.

Cont. da Informação n° 1.033/2015-PGM.AJC

SECRETARIA DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS

Senhor Secretário

Encaminho o presente à Vossa Excelência, com a manifestação da Assessoria Jurídico-Consultiva desta Procuradoria Geral, que acompanho, no seguinte sentido:

1º) Nos termos do art. 1.831 do CC, Maria Josefa da Conceição tem o direito de permanecer no imóvel por força do direito real de habitação, aplicável in casu,

2º) Convém que seja requerido em juízo o prosseguimento da arrecadação, bem como, após decorrido o prazo da publicação dos editais previsto no art. 1.152 do CPC, a declaração de adjudicação do bem sob exame;

3º) Igualmente conveniente solicitar ao juízo a averbação, na matrícula n.° 156.503 do 11º Registro de Imóveis, de que parte do imóvel é objeto de procedimento de jurisdição voluntária;

4º) DEMAP deverá adotar as providências necessárias à devida adequação da posse detida pela beneficiária ao regime do direito real de habitação.

Mantido acompanhante.

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São Paulo, 13/08/2015.

ANTÔNIO CARLOS CINTRA DO AMARAL FILHO

PROCURADOR GERAL DO MUNICÍPIO

OAB/SP nº 162.363

PGM

 

Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo