Processo nº 2012-0.247.389-6
INTERESSADO: ADMINISTRAÇÃO
ASSUNTO: Arrecadação de herança de Cícero Tomaz dos Santos. Ocupação pela companheira sobrevivente. Direito real de habitação. Artigo 1.831 do Código Civil.
Informação n° 1.003/2015-PGM.AJC
PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO
Assessoria Jurídico-Consultiva
Senhor Procurador Assessor Chefe
O Departamento de Defesa do Meio Ambiente e do Patrimônio (DEMAP) roga definição acerca do prosseguimento a ser dado ao presente, nos termos da minuciosa manifestação de fls. 103/109, a que se faz remissão.
Em síntese, trata-se de arrecadação da herança jacente de Cícero Tomaz dos Santos, consistente nos direitos previstos no instrumento particular de cessão e transferência de parte do imóvel referido como lote 17-A, da quadra 19, do Jardim Guanhembú, com área de 147m2. Após instrução visando à individualização do bem, apurou-se que o imóvel está oficialmente localizado na Rua Arildo Valadão, n.° 47, Santo Amaro, contribuinte n.° 258.033.0067-31.
Ocorre que no imóvel reside Maria Josefa da Conceição, ex-companheira do de cujus, em relação a quem não restou reconhecido judicialmente qualquer direito sobre o bem (cf. ação de reconhecimento de união estável que tramitou perante a 4ª Vara da Família e Sucessões do Foro Regional de Santo Amaro).
No tocante a tal situação, DEMAP compreende que não deve haver oposição à permanência da companheira sobrevivente no imóvel, ex vi do artigo 1.831 do Código Civil, que lhe confere o direito à habitação. Desta forma, a companheira continuaria ocupando o bem enquanto vivesse, e os direitos decorrentes do instrumento de cessão seriam transmitidos à Municipalidade, a quem caberia promover a ação pertinente para obter a propriedade, ou a sua alienação.
O Departamento reconhece que se trata de situação sui generis, "em que a companheira sobrevivente permanecerá a residir em imóvel tendente a integrar o patrimônio público, se a arrecadação prosseguir regularmente até a adjudicação" (fls. 108). Nesse sentido, DEMAP roga definição acerca do prosseguimento a ser dado.
É o relatório do quanto necessário.
O tema geral em debate envolve a questão referente à possibilidade do exercício do direito real de habitação em imóveis públicos, levando-se em consideração a pré-existência de referido direito à incorporação do bem ao patrimônio da Administração em virtude da vacância de herança. Quanto a isto, concorda-se, em tese, com a posição exposta pelo DEMAP, que propugna a efetiva possibilidade.
Conquanto seja cabível vislumbrar a questão sob outra ótica - a da supremacia do interesse público sobre o privado - entende-se que a incidência do direito de habitação merece preservação nas circunstâncias relacionadas à formação do patrimônio público. A razão decorre da natureza jurídica da aquisição resultante da herança vacante. Trata-se de forma derivada de aquisição da propriedade, pela qual os ônus e os direitos relacionados ao bem são preservados, acompanhando a coisa. Considerando uma situação em que o direto de habitação antecede a transferência do bem ao patrimônio público, indigitado direito se mantém, merecendo aplicabilidade e observância pelo Poder Público.
Partindo de tal premissa, convém investigar especificamente a aplicação do direito de habitação no caso em comento.
A habitação prevista no art. 1.831 do Código Civil (da mesmo forma que aquela disciplinada preteritamente pelo art. 1.611, §2º, do Código Civil de 1916) assume, a par do caráter de direito real, natureza sucessória. A própria topologia dos dispositivos que disciplinam tal figura, inseridos no Livro dedicado às sucessões, evidencia referida natureza. Esta, aliás, a posição a respeito do Superior Tribunal de Justiça2.
Diante de tal aspecto, a incidência do respectivo regime encontra-se na dependência da norma aplicável no momento da abertura da sucessão. A questão do direito intertemporal em casos tais está expressamente disciplinada no art. 2.041 do Código Civil em vigor3. Considerando que a abertura da sucessão deu-se no ano de 2004. aplicável o regime jurídico do direito de habitação previsto no art. 1.831 do Código Civil de 2002, cuja disciplina está revestida de uma maior abrangência, comparativamente com a legislação civil anterior.
Demais, nos termos da jurisprudência suscitada pelo DEMAP, o STJ vem reconhecendo que a companheira supérstite tem direito real de habitação sobre o imóvel de propriedade do falecido onde residia o casal, mesmo na vigência do atual Código Civil. A única (e mínima) discordância que se faz em relação à posição do DEMAP é a circunstância de que a Lei nº 9.278/96 (Lei da União Estável) foi ab-rogada pelo Código Civil de 2002. Nesse sentido, incabível evocar, como fundamento legal para a conclusão ora abraçada, o art. 7º, parágrafo único, da Lei 9.278/96, mas sim, e exclusivamente, o art. 1.831 do CC4.
Outrossim, vale consignar que o exercício do direito de habitação decorre ex vi legis, de modo a não necessitar de registro no cartório imobiliário para ser exercido (cf. REsp 74.729/SP, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ 02/03/1998; REsp 1.203.144/RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe 15/08/2014).
Diante disto, ratifica-se o entendimento do DEMAP: Maria Josefa da Conceição tem o direito de permanecer no imóvel por força do direito real de habitação. A par disto, necessário que seja requerido em juízo o prosseguimento da arrecadação, bem como, decorrido o prazo da publicação dos editais previsto no art. 1.152 do CPC, a declaração de adjudicação do bem sob exame. Outrossim, tal qual exposto pelo Departamento, igualmente conveniente solicitar ao juízo a averbação de que parte do imóvel é objeto de procedimento de jurisdição voluntária.
Apenas convém observar que o direito de habitação está sendo exercido em desconformidade com o regime que lhe é próprio. Nos termos da informação de fls. 94, parte do imóvel é objeto de locação para fins de funcionamento de marcenaria. No entanto, é cediço que o direito de habitação veda ao beneficiário a prerrogativa de locar a coisa, conforme dispõe o art. 1.414 do CC. Esta, a propósito, a distinção entre as figuras do usufruto, do uso e da habitação. Desta forma, a fim de que não reste descaracterizada a natureza da posse detida pela companheira supérstite - ou seja, a não configuração de posse animus domini -, conveniente a tomada de providências visando à sua adequação, aspecto a ser devidamente analisado pelo DEMAP.
Diante de todo o exposto, conclui-se o seguinte:
1º) Nos termos do art. 1.831 do CC, Maria Josefa da Conceição tem o direito de permanecer no imóvel por força do direito real de habitação, aplicável in casu;
2º) Convém que seja requerido em juízo o prosseguimento da arrecadação, bem como, após decorrido o prazo da publicação dos editais previsto no art. 1.152 do CPC, a declaração de adjudicação do bem sob exame;
3º) Igualmente conveniente solicitar ao juízo a averbação, na matrícula nº 156.503 do 11º Registro de Imóveis, de que parte do imóvel é objeto de procedimento de jurisdição voluntária;
4º) DEMAP deverá tomar as providências necessárias à devida adequação da posse detida pela beneficiária ao regime do direito real de habitação.
Com essas considerações, sugerimos submeter o presente à Secretaria dos Negócios Jurídicos, para deliberação conclusiva.
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São Paulo, 10 de agosto de 2015.
RODRIGO BORDALO RODRIGUES
Procurador do Município
OAB/SP nº 183.508
PGM/AJC
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De acordo.
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São Paulo, 11/08/2015.
TIAGO ROSSI
PROCURADOR ASSESSOR CHEFE - AJC
OAB/SP 195.910
PGM
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1 De acordo com os cadastro do Município, em nome de Maria Josefa da Conceição.
2 "O direito real de habitação, instituído causa mortis, seja na vigência do Código Civil de 1916, ou sob a égide da atual lei substantiva civil, ainda que com contornos bem diversificados, sempre foi compreendido como direito sucessório, a considerar o Livro em que inseridas as correspondentes disposições legais - Do Direito das Sucessões" (REsp 1.125.901-RS, 4ª Turma, Min. Rel. Luis Felipe Salomão, DJe 06/09/2013 - destaque nosso).
3 In verbis: "As disposições deste Código relativas à ordem da vocação hereditária (arts. 1.829 a 1.844) não se aplicam à sucessão aberta antes de sua vigência, prevalecendo o disposto na lei anterior (Lei n. 3.071, de 1º de janeiro de 1916)."
4 Vale registrar que tal esta questão encontra divergência no próprio Superior Tribunal de Justiça. Há Acórdãos que fazem referência, como fundamento legal, ao art. 7º, parágrafo único, da Lei 9.278/96 (REsp 1.156.744/MG, Rel. Min. Marco Buzzi, DJe 18/10/2012). Outros propugnam que tal dispositivo foi revogado pelo CC, que disciplina o assunto em seu art. 1.831, aplicável aos companheiros por força do art. 226, §3º, da CF.
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Processo nº 2012-0.247.389-6
INTERESSADO: ADMINISTRAÇÃO
ASSUNTO: Arrecadação de herança de Cícero Tomaz dos Santos. Ocupação pela companheira sobrevivente. Direito real de habitação. Artigo 1.831 do Código Civil.
Cont. da Informação n° 1.033/2015-PGM.AJC
SECRETARIA DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS
Senhor Secretário
Encaminho o presente à Vossa Excelência, com a manifestação da Assessoria Jurídico-Consultiva desta Procuradoria Geral, que acompanho, no seguinte sentido:
1º) Nos termos do art. 1.831 do CC, Maria Josefa da Conceição tem o direito de permanecer no imóvel por força do direito real de habitação, aplicável in casu,
2º) Convém que seja requerido em juízo o prosseguimento da arrecadação, bem como, após decorrido o prazo da publicação dos editais previsto no art. 1.152 do CPC, a declaração de adjudicação do bem sob exame;
3º) Igualmente conveniente solicitar ao juízo a averbação, na matrícula n.° 156.503 do 11º Registro de Imóveis, de que parte do imóvel é objeto de procedimento de jurisdição voluntária;
4º) DEMAP deverá adotar as providências necessárias à devida adequação da posse detida pela beneficiária ao regime do direito real de habitação.
Mantido acompanhante.
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São Paulo, 13/08/2015.
ANTÔNIO CARLOS CINTRA DO AMARAL FILHO
PROCURADOR GERAL DO MUNICÍPIO
OAB/SP nº 162.363
PGM
Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo