2013-0.377.944-3
INTERESSADO: Ecourbis Ambiental S/A
ASSUNTO: Central de Tratamento de Resíduos Leste.
Informação n° 1.682/14-PGM-AJC
PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO
ASSESSORIA JURÍDICO-CONSULTIVA
Senhora Procuradora Assessora Chefe
Com o objetivo de promover a expansão da Central de Tratamento de Resíduos Leste (CTL), a operadora do aterro sanitário pretende alterar o traçado da Avenida Sapopemba, conforme indicado às fls. 7. Para tanto, afirma que o projeto foi determinado pelo próprio Município, sustentando, ademais, a desnecessidade de desafetação legai do trecho que deverá ser incorporado ao aterro.
A Secretaria Municipal de Serviços, ao confirmar que no processo de licitação foi prevista a unificação do novo aterro com o aterro São João, mediante a alteração do traçado da Avenida Sapopemba, opinou no sentido da viabilidade da modificação da natureza da via, independentemente de autorização legislativa (cf. manifestação de fls. 41/43).
Esta Assessoria Jurídico-Consultiva, em um primeiro momento, instou a manifestação do Departamento de Gestão do Patrimônio Imobiliário (DGPI), que se pronunciou a fls. 210/211. DGPI, por meio de sua Assessoria Jurídica, manifesta-se no sentido da desnecessidade de lei para a realocação da via pública tratada no presente, tendo suscitado precedente desta Procuradoria Geral do Município (cf. Informação n.883/2014-PGM - cópia acostada a fls. 201/209).
Em um segundo momento, esta PGM-AJC remeteu o expediente para a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano (SMDU), rogando informar se algum dos traçados da Av. Sapopemba integra o novo Plano Diretor Estratégico e seus mapas anexos. SMDU manifestou-se a fls. 219, salientando que "o traçado projetado da realocação da Av. Sapopemba, indicada a fls. 07, não consta neste mapa, no entanto, o traçado atual, indicada pela linha vermelha, consta e está classificado como viário estrutural".
Em seguida, o processo administrativo foi reencaminhado para a SMDU, rogando informar a situação da Avenida Sapopemba diante das Leis nº13.430/02 e 13.885/04, bem assim o seu enquadramento, além da manifestação da Assessoria Jurídica da mesma Pasta.
Diante disto, foi expedida a informação de fls. 228, esclarecendo que a Av. Sapopemba foi classificada pela legislação pretérita como via estrutural N2, com expressa previsão do traçado atual, restando afastada a alteração pretendida.
Já a SMDU-AJ elaborou o parecer de fls. 230/232, abordando a questão sob o prisma da repercussão da alteração pretendida em relação ao zoneamento do local, concluindo o seguinte: "Considerando que a Avenida Sapopemba não constitui limite de zonas de uso incidentes sobre o local, nem de perímetro de abrangência dos Planos Regionais das Subprefeituras confrontantes, eventual alteração em seu traçado não repercutirá sobre a atual conformação urbanística do local".
Ademais, aponta que "a mera modificação do desenho da via, em princípio, não elidirá a natureza da Avenida Sapopemba como componente do Sistema Viário, nem sua classificação como Via estrutural N2'. Continuarão incidindo sobre a área as mesmas regras urbanísticas". Por fim, esclarece que "cabe apenas ponderar que para que os fatos continuem correspondendo à norma, a condição a ser observada é que as intervenções de alteração do desenho não venham a descaracterizar a efetiva função da via como ligação entre os municípios da Região Metropolitana de São Paulo e com as vias de nível 1, pois estas são as decorrências dos elementos normativos inerentes à classificação citada".
É o relatório do quanto necessário.
A despeito das percucientes ponderações expostas ao longo do presente expediente, conclui-se de modo contrário: a alteração do traçado da Avenida Sapopemba não prescinde de prévia autorização legislativa.
Trata-se de exigência que decorre do ordenamento jurídico municipal, com arrimo no entendimento da Procuradoria Geral do Município acerca da interpretação extraída do sistema.
Inicialmente, vale destacar que a questão não merece uma análise exclusiva pelo prisma do sistema de saneamento envolvido, porquanto extrapola de tal seara, abarcando igualmente o tópico referente à alteração de via pública classificada como estrutural, mais especificamente N2 (via de nível 2).
As funções básicas do urbanismo moderno baseiam-se em quatro pilares: habitação, trabalho, lazer e circulação. Esta concepção estava de certa maneira incorporada no Plano Diretor de 2002, que enquadrava a "urbanização do território do Município" em nove elementos, entre os quais a rede viária estrutural, habitação, equipamentos sociais, áreas verdes e espaços de comércio, serviço e indústria (art. 101).
Componente elementar da circulação é a rede viária estrutural, "constituída pelas vias que estabelecem as principais ligações entre as diversas partes do Município e entre esta a os demais municípios e estados" (art. 101, §1º, inciso II, da já revogada Lei n.º13.430/021).
Assim, não se trata de discutir se a via pública merece ser desafetada e qual o instrumento formal para tanto. O enfoque jurídico a ser dado é diverso, atinente à modificação da situação de parcela de uma rede viária estrutural cujo traçado está previsto expressamente no Plano Diretor Estratégico, tanto o de 2014, quanto o de 2002.
De acordo com tal enfoque, não podem ser desprezadas diversas prescrições normativas a respeito.
A primeira envolve a previsão mesma do traçado hodierno da Avenida Sapopemba, nos termos das informações fornecidas pelo Departamento de Urbanismo (cf. fls. 219 e 228), sem que tenha sido incorporada em leis supervenientes a sua alteração. Verifique-se que o Mapa 8 integrante do novo Plano Diretor Estratégico (Lei n ° 16.050, de 31 de julho de 2014), acostado a fls. 218, assinala as ações prioritárias no sistema viário estrutural, com a indicação gráfica das vias a abrir e a melhorar, bem como as intervenções pontuais. Não consta em referido documento gráfico a modificação da via púbica ora sob análise.
A segunda refere-se ao quanto disposto no art. 110 do Plano Diretor Estratégico de 2002, no seguinte sentido: "As vias da Rede Viária Estrutural constituem o suporte da Rede Estrutural de Transportes prevista no §1º do art. 174 da Lei Orgânica do Município." A Lei Orgânica do Município de São Paulo (LOMSP), por sua vez, prevê no art. 174, §1º, que "Lei disporá sobre a rede estrutural de transportes, que deverá ser apresentada pelo Poder Executivo, em conjunto com o Plano Diretor e periodicamente atualizada".
Verifique-se, portanto, um estreito liame entre as vias que compõem a rede viária estrutural e a lei como veículo balizador de seu arranjo2.
A mesma diretriz encontra-se vertida no art. 149-A da LOMSP, que estipula o seguinte:
A lei ordenará a paisagem urbana, promovendo-a em seus aspectos estético, cultural, funcional e ambiental, a fim de garantir o bem-estar dos habitantes do Município, considerando, de modo integrado, o conjunto de seus elementos, em especial os sistemas estruturais, viário e de transporte público, a topografia, os cursos d'água, as linhas de drenagem o os fundos de vales, como eixos básicos estruturadores da paisagem.
A terceira prescrição baseia no art. 2º da Lei municipal nº 10.671, de 28 de outubro de 1988, que assim dispõe:
As alterações de alinhamento de logradouros públicos, importando em alargamento, estreitamento ou retificação, em toda sua extensão ou em parte, serão objeto de plano de melhoramento público aprovado por lei.
Assim, consubstancia pressuposto para a modificação do alinhamento de logradouro público uma autorização legislativa que contemple a compostura de tal melhoramento.
Vale ressaltar que tal norma foi objeto de apreciação por esta Assessoria Jurídico-Consultiva (cf. Informação nº 1.608/2013-PGM.AJC3), oportunidade em que diversas ponderações foram realizadas. Recuperemos algumas delas, relevantes para o caso em comento.
O regime dos logradouros públicos insere-se em uma temática mais ampla, adstrita ao traçado urbano, consistente na "disposição das vias públicas e de outros logradouros no plano geral da cidade"4. No que se refere ao tema do alinhamento, objeto de disciplina na Lei nº 10.671/88, José Afonso da Silva expõe a sua dupla funcionalidade5: (a) servir de meio de delimitação entre a propriedade privada e os logradouros públicos; (b) servir de instrumento para a definição e eventual modificação no traçado das vias públicas.
Consigne-se que tal norma estabeleceu a fixação do alinhamento e do nivelamento de todos os logradouros públicos oficializados ou pertencentes a loteamentos aceitos ou regularizados pela Prefeitura (art. 1º). Nesse sentido, houve uma conservação legislativa das larguras existentes. Já no que se refere às alterações de alinhamento, para fins de alargamento, estreitamento ou retificação, o art. 2º da norma dispõe sobre a necessidade de "plano de melhoramento público aprovado por lei".
Convém observar que o regramento incorporado neste dispositivo - necessidade de lei - não constitui preceito isolado, encontrando prescrições semelhantes em outros diplomas. Para além dos já citados acima, aponte-se o art. 5º, "caput" e parágrafo único, da Lei nº 11.228/92 (Código de Obras do Município de São Paulo), que faz menção ao "plano de melhoramento público aprovado por lei", assim como o seu item 3.4.2 dispõe o seguinte: "O Alvará de Alinhamento e Nivelamento somente perderá sua validade quando houver alteração do alinhamento do logradouro, aprovada por lei".
Trata-se de regime que encontra aceitação doutrinária, merecendo alusão, novamente, os ensinamentos de José Afonso da Silva, para quem o alinhamento opera-se por meio de um "plano de alinhamento, que é uma espécie de plano urbanístico especial, que depende de lei"6.
Embora tenha sido suscitada na Informação nº 1.608/2013-PGM.AJC, en passant e em caráter não conclusivo, uma inconstitucionalidade do art. 2º da Lei n° 10.671/88 - ante a ofensa ao princípio da separação entre os poderes -, dessumiu-se que os seus ditames merecem prevalecer, até o desenvolvimento de estudos específicos a respeito.
A propósito, esta PGM-AJC já se debruçara em várias oportunidades sobre o referido dispositivo. Retome-se sucintamente o respectivo histórico.
Previamente à edição de lei de 1988, fora expedida Orientação Normativa (aprovada na Administração de Jânio Quadros) com o seguinte conteúdo7:
1. Obras isoladas, que não interferem no plano diretor, independem de lei porque aquele é geral e global e somente estabelece as diretrizes do desenvolvimento da utilização do território municipal.
2. Pianos de obras que imponham restrições ou limitações administrativas devem ser aprovadas por lei, em virtude do princípio da legalidade.
Sobreveio a tal orientação a Lei n° 10.671/88, o que gerou estudos jurídicos por parte da Procuradoria Geral do Município, que concluiu não ter a norma alterado em nada o entendimento jurídico sedimentado na aludida Orientação Normativa, mantida em sua íntegra pela Chefia do Executivo8.
Posteriormente, novos estudos jurídicos foram feitos, objetivando avaliar a necessidade da revisão dos conceitos fixando na O.N., sobressaltando-se aqueles realizados no ano de 1994. Na ocasião, concluiu-se o seguinte9:
a) A Orientação Normativa fixada no processo nº 10-004.124.85*44 não foi modificada pela Lei nº 10.671/88;
b) "Com a superveniência da Lei nº 10.671/88, há necessidade de observar a edição da lei para quaisquer obras urbanísticas como por exemplo a de abertura de viela sanitária, se implicar em alargamento, estreitamento ou retificação de logradouro público";
c) "Por outro lado, desnecessária será a lei para implantação da viela sanitária se confirmada a não interferência de tal obra com diretrizes gerais já traçadas pelo Plano Diretor"10;
d) "Conseqüentemente, será necessária a verificação de cada caso concreto para que não sejam cometidas ilegalidades".
Com base nisto, posteriores pareceres desta PGM-AJC fazem alusão a tais conclusões. Assim, nos termos da Informação nº 1.046/95-PGM.AJC, in verbis: "na conformidade das conclusões alcançadas pelos estudos promovidos no âmbito desta AJC/PGM, a Orientação Normativa, anteriormente traçada, não colide com as disposições da Lei 10.671/88, mas que, diante de suas regras, haverá necessidade de lei quando o plano de obras implique no alargamento, estreitamento ou retificação de logradouro público, sendo, por outro lado, desnecessário o aval legislativo para implantação de obras que não interfiram nas diretrizes gerais traçadas pelo Plano Diretor, e que conseqüentemente, é necessária a verificação de cada caso concreto para que não sejam cometidas ilegalidades".
Evidentemente, ainda de acordo com esta PGM-AJC, imprescindível a plena compatibilidade entre os ditamos deste preceito e o melhoramento público especificamente tratado. Assim, em situações que não envolvessem retificação lato sensu do logradouro (incluindo alargamento e estreitamento), inaplicável o art. 2º da Lei n° 10.671/88.
Em suma, a vigência do art 2º da Lei nº 10.671/88, associada às interpretações desta Procuradoria Geral do Município, permitem extrair que representa condição para a alteração de alinhamento viário de logradouros públicos a edição de plano de melhoramento aprovado por lei.
Partindo-se de tal premissa, pode-se dessumir a fortiorí que a alteração do traçado de via estrutural delimitada no Plano Diretor encontra-se igualmente condicionada à autorização legislativa.
Visto isso, convém repisar que o Departamento de Gestão do Patrimônio Imobiliário (SEMPLA- DGPI), por meio de sua Assessoria Jurídica, manifestou-se no sentido da desnecessidade de lei para a realocação da via pública tratada no presente, tendo suscitado precedente desta Procuradoria Geral do Município (informação nº 883/2014-PGM - cópia acostada a fls. 201/209).
No entanto, data vénia, o precedente desta PGM-AJC referido pelo DGPI não se aplica para o caso ora analisado, que envolve situação substancialmente diversa daquela.
Com efeito, analisou-se na ocasião a desafetação de trecho da Rua Nabor de Moraes para a implantação de Centro de Educação Unificado. Ocorre que tal via pública contemplava peculiaridades, como a não apresentação de interesse viário (fls. 202). Já o caso em comento envolve via estrutura! da categoria N2 (via de nível 2), que, à toda evidência, detém interesse viário.
Portanto, diante da desequiparação entre as situações, incabível aplicar-lhes a mesma solução, sob pena de ofensa ao princípio da isonomia.
Em razão de tais considerações, conclui-se que a alteração do traçado da Avenida Sapopemba, tal qual pretendida pela empresa interessada, não prescinde de autorização legislativa.
Com essas considerações, sugerimos submeter o presente à Secretaria dos Negócios Jurídicos, para deliberação conclusiva.
São Paulo, 28 de novembro de 2014.
RODRIGO BORDALO RODRIGUES
PROCURADOR DO MUNICÍPIO ASSESSOR - AJC
OAB/SP 183.508
PGM
De acordo,
São Paulo, 16/12/2014
TICIANA NASCIMENTO DE SOUZA SALGADO
PROCURADORA ASSESSORA CHEFE SUBSTITUTA
OAB/SP 175.186
PGM
1 Muito embora o PDE de 2014 não tenha mantido tal definição, ela se encontra implicitamente incorporada no âmbito da previsão legal das vias estruturais e das respectivas categorias (cf. art. 238, §1°).
2 Embora a Lei n° 13.430/2002 (PDE) tenha sido revogada pelo novo PDE, a prescrição de seu art. 110 decorre logicamente da necessária relação entre vias estruturais e rede estrutural de transporte.
3 Este parecer da Assessoria Jurídico-Consultiva foi objeto de aprovação parcial pela Procuradoria Geral do Município e pela Secretaria dos Negócios Jurídicos (cf. Informação n.° 2.966/13-SNJ.G). Convém ressaltar, contudo, que a parte sobre a qual não pairou consenso não detém relação com o tema objeto do presente parecer.
4 José Afonso da Silva, Direito Urbanístico Brasileiro, 4.ed., 2006, p. 308.
5 Idem, p. 212.
6 Idem, p. 212.
7 Trata-se de ON sem numeração, tratada nos pareceres desta PGM-AJC como "Orientação Normativa traçada no P.A. n.° 10-011.574-83*30".
8 Despacho da Sra. Prefeita, Luisa Erundina de Sousa, datado de 11 de setembro de 1991 (PA n.° 10.011.574.84*30).
9 Parecer inserido no expediente inaugurado pelo Ofício n.° 562/94-SJ.G.
10 Evidentemente, a realização de obras visando à alteração do alinhamento urbano deve plena obediência à legislação urbanística, nomeadamente o Plano Diretor, ex vi do art. 124 e 156 da LOMSP. O mesmo se extrai do art. 174, "caput" e parágrafos, da Lei Orgânica.
2013-0.377.944-3
INTERESSADO: Ecourbis Ambiental S/A
ASSUNTO: Central de Tratamento de Resíduos Leste
Cont da Informação nº 1.682/2014-PGM.AJC
SECRETARIA DOS NEGOCIOS JURÍDICOS
Senhor Secretário
Encaminho à Vossa Excelência a manifestação da Assessoria Jurídico-Consultiva desta Procuradoria Geral, que acolho, no sentido de que a alteração do traçado da Avenida Sapopemba, tal qual pretendida pela empresa interessada, não prescinde de autorização legislativa.
São Paulo, 2014
ROBINSON SAKIYAMA BARREIRINHAS
PROCURADOR GERAL DO MUNICÍPIO
OAB/SP 173.527
PGM
Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo