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PARECER PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO - PGM Nº 11.574 de 18 de Agosto de 2011

EMENTA Nº 11.574
Projeto de Lei nº 294/05, de autoria do Vereador Carlos Apolinário, que institui o "Dia Municipal do Orgulho Heterossexual". Lei que, embora desprovida de conteúdo normativo e coercitividade, afigura-se contrária ao interesse público. Pelo veto.

Memorando n° 371/2011 - ATL III (TID 7961846)

INTERESSADA: ASSESSORIA TÉCNICO-LEGISLATIVA DA SECRETARIA DO GOVERNO MUNICIPAL

ASSUNTO: Projeto de Lei nº 294/05, de autoria do Legislativo, que institui o Dia Municipal do Orgulho Heterossexual.

Informação nº 1.377/2011-PGM.AJC

PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO

ASSESSORIA JURÍDICO-CONSULTIVA

Senhora Procuradora Assessora Chefe

1 - A Assessoria Técnico-Legislativa da Secretaria do Governo Municipal solicitou urgente pronunciamento desta Procuradoria a respeito do Projeto de Lei nº 294/05, de autoria do Vereador Carlos Apolinário, aprovado nos termos do texto de fls. 02.

Inicialmente, cabe informar que a imprensa noticiou recentemente a acertada decisão do Prefeito de vetar a lei aprovada pela Câmara Municipal em sessão de 02 de agosto de 20111, lei essa que repercutiu negativamente em todo o Brasil2 (sua aprovação virou notícia até na imprensa internacional; "Forbes", "Newsday" e "Advocate" destacaram a inusitada criação do "Straight Pride Day" em seus sites), chegando a constranger a maioria dos Vereadores, que rapidamente se articularam para "desaprová-la" antes mesmo do veto do Executivo3.

Outra não poderia ser a decisão do Prefeito.

2 - Inicialmente, cabe observar que, do ponto de vista jurídico, as leis que meramente acrescentam datas comemorativas ao calendário oficial da cidade (disciplinado pela Lei nº 14.485/07 e suas alterações subsequentes) em nada se assemelham à concepção kelseniana de "norma jurídica", na medida em que elas não estabelecem condutas nem sanções para o seu descumprimento. São, por assim dizer, leis desprovidas de conteúdo normativo e de coercitividade, o que impossibilita até mesmo o seu descumprimento.

Mas o projeto em questão, cujo artigo 1º parece tão somente acrescentar mais uma data comemorativa ao calendário oficial da cidade - o que seria aparentemente legítimo -, na realidade não se reveste da simplicidade que aparenta ter, o que explica a sua enorme repercussão.

Poder-se-ia argumentar, a princípio, que, se a cidade de São Paulo comemora, como tantas outras cidades do mundo, o "Dia do Orgulho Gay" (Homossexual), então seria legítimo que ela comemorasse também o "Dia do Orgulho Heterossexual", pois desta forma todas as preferências, orientações ou tendências sexuais estariam igualmente contempladas pelo legislador no calendário oficial, confirmando a vocação democrática e pluralista desta terra.

Mas não é essa isonomia de tratamento que o art. 2º do projeto em questão parece querer pôr em evidência, na medida em que ali está prescrito que o Poder Executivo Municipal deverá "envidar esforços no sentido de divulgar a data instituída por esta lei, objetivando conscientizar e estimular a população a resguardar a moral e os bons costumes". O art. 2º deixa claro que o "Dia do Orgulho Heterossexual", a ser comemorado na semana do Natal, seria o dia associado ao resguardo da moral e dos bons costumes. Não é preciso fazer grande esforço interpretativo para ler, nas entrelinhas do texto legal, que apenas a heterossexualidade deve ser associada à moral e aos bons costumes, indicando que a homossexualidade, ao revés, seria avessa a essa moral e aos bons costumes.

Disso decorre que, sob a aparência de promover a comemoração do orgulho da heterossexualidade - e aqui se deve observar que não faz sentido algum ter ou comemorar o orgulho de se pertencer a uma maioria que não sofre qualquer tipo de discriminação -, o projeto em questão mal disfarça o preconceito contra a homossexualidade, associada (por inferência) à falta de moral e aos maus costumes. Assim, ao invés de promover o entendimento das diferenças, função maior da Política, o projeto estaria nitidamente a serviço do confronto e do preconceito, o que, por si, é suficiente para que ele seja vetado por falta de interesse público.

3 - Não foi por acaso que Projeto em questão, apresentado em outra legislatura, no longínquo ano de 2005, só tenha sido levado a votação em 2011, poucas semanas depois de o Supremo Tribunal Federal ter reconhecido, em histórico julgamento, a união estável entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar, com igualdade de direitos e proteção do Estado (ADI 4277 e ADPF 132, Rel. Min. Ayres Britto, julg. 05/05/2011). Bastou o Judiciário dar interpretação conforme à Constituição "para excluir qualquer significado do artigo 1.723 do Código Civil que impeça o reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar", para que setores mais retrógrados da sociedade tentassem distinguir a família dita "tradicional", composta por heterossexuais - aquela que "resguarda a moral e os bons costumes" -, da entidade familiar recém-reconhecida pelo Judiciário, formada pela união estável entre homossexuais.

Assim, é fácil perceber que o Projeto de Lei em questão caminha em sentido diametralmente oposto ao da Constituição, segundo a interpretação ditada pela mais alta Corte do país, de forma que a sua aprovação, como dito acima, só serviria para acirrar divergências que o Supremo Tribunal Federal já decidiu harmonizar.

4 - Demais disso, é preciso considerar o fato histórico de que o moderno movimento do "Gay Pride" (Orgulho Gay) começou após a Rebelião de Stonewall em 1969, quando homossexuais em bares de Nova Iorque enfrentaram a polícia local durante um violento conflito. Apesar de ter sido uma situação violenta, a rebelião deu à comunidade até então "underground" o primeiro sentido de orgulho comum num incidente que ganhou muito destaque. A partir da parada anual que comemorava o aniversário da Rebelião de Stonewall, nasceu um movimento popular nacional, e atualmente muitos países em todo o mundo celebram o orgulho LGBT. O movimento vem promovendo a causa dos direitos LGBT pressionando políticos, registrando votantes e aumentando a visibilidade para educar sobre questões importantes para a comunidade LGBT.

A celebração do "Orgulho Gay" (Homossexual), que tem em São Paulo uma das manifestações mais expressivas do mundo, reunindo anualmente mais de 3 milhões de pessoas nas ruas, é a expressão maior desse movimento histórico de uma minoria que sofre, no seu dia-a-dia, todo tipo de violência, discriminação e preconceito. Examinada a questão por este prisma, a celebração do "Orgulho Heterossexual" não faria sentido algum, considerando que se trata de uma maioria que, justamente por ser maioria, jamais sofreu qualquer tipo de discriminação, perseguição ou preconceito. Assim, incluir no calendário oficial da cidade a comemoração do "Orgulho Heterossexual" serviria apenas para confrontar, em lados opostos, homossexuais e heterossexuais, acirrando conflitos que a sociedade e o Estado há tempos buscam harmonizar.

Como disse o próprio Prefeito Gilberto Kassab, em entrevista concedida dias atrás ao jornal "Agora São Paulo": "O heterossexual é maioria, não é vítima de violência, não sofre discriminação, preconceito, ameaças ou constrangimentos. Não precisa de dia para se afirmar". Nessa linha de raciocínio, criar o Dia do Orgulho Heterossexual é tão nonsense quanto criar, por exemplo, o Dia da Consciência Branca, em contraponto ao Dia da Consciência Negra.

5 - Diante do exposto, ainda que o Projeto de Lei em questão não padeça de vícios de inconstitucionalidade ou ilegalidade, e mesmo que ele juridicamente seja desprovido de conteúdo normativo e coercitividade, recomenda-se seja confirmado o veto total já divulgado pelo Prefeito, por ser flagrantemente contrário ao interesse público.

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São Paulo, 18/08/2011.

LUIZ PAULO ZERBINI PEREIRA

Procurador Assessor - AJC

OAB/SP 113.583

PGM

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De acordo.

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São Paulo, 19/08/2011.

LILIANA DE ALMEIDA F. DA SILVA MARÇAL

Procuradora Assessora Chefe - AJC

OAB/SP nº 94.147

PGM

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1 "Kassab confirma veto a projeto do Dia do Orgulho Hétero", Folha.com, 14/08/11, disponível em http://wwwl.folha.uol.com.br/cotidiano/959503-kassab-confirma-veto-a-projeto-do-dia-do-orgulho-hetero.shtml .

2 "Dia do Orgulho Hétero é desnecessário, diz presidente da CNBB", Folha.com, 11/08/11, disponível em http://wwwl.folha.uol.com.br/cotidiano/958228-dia-do-orgulho-hetero-e-desnecessario-diz-presidente-da-cnbb.shtml

"Gays pedem para Kassab vetar Dia do Orgulho Hétero", Folha.com, 04/08/11, disponível em http://wwwl.folha.uol.com.br/cotidiano/954387-gays-pedem-para.-kassab-vetar-dia-do-orgulho-hetero.shtml

3 "Vereadores agora querem 'desaprovar' dia do hétero em São Paulo", Folha.com, 09/08/11, disponível em http://vwwl.folha.uol.com.br/cotidiano/956728-vereadores-agora-querem-desaprovar-dia-do-hetero-em-sao-paulo.shtml.

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Memorando n° 371/2011 - ATL III (TID 7961846)

INTERESSADA: ASSESSORIA TÉCNICO-LEGISLATIVA DA SECRETARIA DO GOVERNO MUNICIPAL

ASSUNTO: Projeto de Lei nº 294/05, de autoria do Legislativo, que institui o Dia Municipal do Orgulho Heterossexual.

Cont. da informação nº 1.377/2011-PGM.AJC

SECRETARIA DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS

Senhor Secretário

Encaminho o presente a Vossa Excelência com a manifestação da Assessoria Jurídico-Consultiva, que acolho, opinando pelo veto total ao Projeto de Lei nº 294/05, de autoria do Vereador Carlos Apolinário, que institui o "Dia Municipal do Orgulho Heterossexual".

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São Paulo, 22/08/2011.

CELSO AUGUSTO COCCARO FILHO

Procurador Geral do Município

OAB/SP 98.071

PGM

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Memorando n° 371/2011 - ATL III (TID 7961846)

INTERESSADA: Secretaria do Governo Municipal/Assessoria Técnico-Legislativa

ASSUNTO: Projeto de Lei nº 294/05. Institui o Dia Municipal do Orgulho Heterossexual.

Informação n ° 2117 /2011-SNJ.G.

SGM/ATL

Senhora Assessora Especial

Retorno o presente, com a manifestação da Procuradoria Geral do Município, que concluiu que, ainda que o Projeto de Lei em questão não padeça de vícios de inconstitucionalidade ou ilegalidade, e mesmo que seja ele juridicamente desprovido de conteúdo normativo e coercitividade, deve ser confirmado o seu veto total, já divulgado pelo Senhor Prefeito, por ser flagrantemente contrário ao interesse público.

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São Paulo, 22/08/2011

CLAUDIO LEMBO

Secretário Municipal dos Negócios Jurídicos

SNJ.G. 

Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo