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PARECER PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO - PGM Nº 1.001 de 10 de Julho de 2014

Informação nº 1.001/2014-PGM.AJC

Comissão especial de avaliação de estudos técnicos e modelagem de projetos de Parceria Público-Privada relativa a rede de iluminação pública de São Paulo. Consulta.

PA 2013-0.270.788-0

INTERESSADO: SECRETARIA MUNICIPAL DE SERVIÇOS

ASSUNTOComissão especial de avaliação de estudos técnicos e modelagem de projetos de Parceria Público-Privada relativa a rede de iluminação pública de São Paulo. Consulta.

Informação 1.001/2014–PGM.AJC

PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO

Assessoria Jurídico-Consultiva

Senhor Procurador Assessor Chefe

 A Comissão Especial de Avaliação dos estudos apresentados para modelagem de Parceria Público-Privada para a iluminação pública de São Paulo formula consulta a esta Procuradoria Geral, por meio de SES, questionando algumas conclusões alcançadas em reunião do Secretariado Municipal, quais sejam: (1) a desnecessidade de lei específica para o prosseguimento do projeto e publicação do edital de licitação; (2) a desnecessidade de previsão, no contrato de PPP, de receitas alternativas à COSIP; (3) a utilização, na licitação, do critério da menor contraprestação pelo Poder Público; (4) a não previsão, no contrato, da obrigação do parceiro privado de enterrar a fiação elétrica já instalada (fls. 9.871/9.879).

Segundo a comissão consulente, a continuidade dos trabalhos de análise dos estudos de modelagem depende de tais definições. Os argumentos utilizados pelo colegiado quanto a cada uma das questões aventadas serão citados juntamente com a nossa análise sobre eles, nos itens abaixo.

 É o relato.

 1.SOBRE A NECESSIDADE DE AUTORIZAÇÃO LEGISLATIVA ESPECÍFICA PARA A CONCESSÃO ADMINISTRATIVA EM QUESTÃO

 A Comissão Especial de Avaliação pondera acerca da necessidade de lei específica previamente à concessão, em razão da exigência expressa no art. 13, VII, da Lei Orgânica municipal, nos termos do qual:

Art. 13 - Cabe à Câmara, com sanção do Prefeito, não exigida esta para o especificado no artigo 14, dispor sobre as matérias de competência do Município, especialmente:

(...)

VII - autorizar a concessão de serviços públicos;

 Para a Comissão, ainda que existam normas que genericamente autorizem esta modalidade de contratação (PPP), pareceria demais supor que uma lei pudesse transferir de modo geral à Administração uma competência outorgada à Edilidade. Também para a Comissão, a concessão administrativa seria uma modalidade concessória, enquadrando-se no dispositivo da L.O.M..

 Com a devida vênia, discordamos da posição da Comissão. E por duas razões independentes uma da outra – que, portanto, por si só conduziriam a entendimento diverso do proposto pela consulente. Tais razões serão apontadas nos itens 1.2 e 1.3 infra. Antes, abordaremos uma discussão já antiga na doutrina – e nunca totalmente pacificada na jurisprudência – acerca da necessidade de autorização legal para a concessão de serviços públicos.

 1.1. A “velha” discussão sobre a necessidade de autorização legal para a concessão de serviços públicos

 A questão da necessidade ou não de prévia autorização legislativa para a concessão de serviços públicos é velha conhecida da doutrina administrativista brasileira. Os argumentos quanto à necessidade de lei foram bem resumidos por Marcos Juruena Villela Souto, nos seguintes termos:

Quanto à exigência de autorização legislativa para a delegação por concessão, parte da doutrina entende que seja inafastável, pois, se o serviço incumbe ao corpo central, Administração Centralizada, quando se descentraliza o serviço, conferindo-o a um prolongamento seu, ou a entidade criada para este fim, deverá fazê-lo por intermédio de lei, nada mais acertado que, considerando o princípio da legalidade, ao transferir o exercício para o particular, que tem menos vínculos com a Administração do que uma entidade da Administração indireta, na concessão, deverá delegar também com prévia autorização legislativa. Ademais, sustenta tal corrente doutrinária que se, para a encampação, necessidade de lei, na delegação feita no início da concessão também deve haver, que seria de muito maior importância.”1

 Podemos, ainda, adicionar a posição de Celso Antonio Bandeira de Mello2, para quem o Executivo não poderia, sem lei autorizativa, transferir a terceiro um serviço que, a princípio, deveria ser prestado pelo Estado, na medida em que este seria um dever seu3.

 Quanto aos primeiros argumentos, supratranscritos, o próprio Marcos Juruena Villela Souto se encarregou de afastá-los:

 Por outro lado, em que pesem os louváveis argumentos apresentados, tal posição não pode prevalecer. A delegação de serviço público mediante concessão configura ato de gestão que, na sistemática constitucional da separação de poderes, cabe, principiologicamente, ao Poder Executivo. Desta forma, não deve o Poder Legislativo interferir em atribuição de outro Poder, que, não obstante os controles constitucionais recíprocos, são ambos independentes e autônomos no exercício das suas funções.

 No mesmo sentido, se a previsão, na legislação, de obrigatoriedade de autorização legislativa para as concessões se configura delicada pelo argumento supracitado, com muito mais razão -lo-ia a interferência de uma Lei federal na administração municipal ou estadual no que concerne à sua forma de administrar. A conclusão que se impõe é que, não se tratando de norma geral, não poderia a Lei federal descer à minúcias que interfiram na autonomia municipal ou estadual.

 Nesse passo, cumpre ressaltar que a Lei 9.074/95, no seu artigo 2º, estabelece a vedação para os entes da federação executarem obras e serviços públicos por meio de concessão, sem lei que lhe autorize e fixe os termos. No entanto, este mesmo dispositivo, trazendo hipóteses de exceção a esta regraque, frise-se, é descabidaressalva que a Constituição Federal e a Lei Orgânica Municipal poderão trazer tal autorização, que será, assim, genérica.”4

 Quanto ao segundo argumento, acreditamos, com a devida vênia ao e. professor Bandeira de Mello, que não é correto, pois parte da equivocada premissa de que o serviço público, por ser dever do Estado, deveria ser, em regra, prestado pelo próprio Estado. Esta suposta obrigação de prestação direta não encontra amparo na Constituição da República, na medida em que ela própria, no caput do art. 1755, contempla a possibilidade de delegação, ao lado da possibilidade de prestação direta. O dever do Estado, em matéria de serviços públicos, é assegurar que seja prestado, por quem quer que seja. A prestação direta ou indireta não constitui regra ou exceção, mas formas distintas de gestão da coisa pública.

 Maria Sylvia Zanella Di Pietro deixa clara a sua opinião contrária à exigência de autorização legislativa ao comentar o caput do art. 2º da Lei federal nº 9.074/95, tido pela autora como inconstitucional “ao exigir autorização legislativa para outorga da concessão”. A própria autora explica: “a autorização legislativa para que o Estado pratique atos ou celebre contratos que se inserem dentro das funções tipicamente administrativas constitui ato de controle (prévio) de um Poder sobre o outro e, por isso mesmo, exceção ao princípio da separação de poderes, somente cabível nos casos expressos na Constituição Federal, na estadual ou na lei orgânica municipal; note-se que a Constituição Federal elenca, nos arts. 49, 51 e 52 os atos que devem ser autorizados pelo Congresso Nacional, Câmara dos Deputados e Senado Federal, entre eles não se incluindo a autorização para concessão ou permissão de serviço público, mesmo porque o art. 175 já diz expressamente que a execução de serviços públicos pode ser feita diretamente ou mediante concessão ou permissão6.

 O Supremo Tribunal Federal já encampou a corrente pela desnecessidade de autorização legislativa – a qual também nos filiamos – no julgamento da ADI nº 462/BA, quando reconheceu, por unanimidade, a inconstitucionalidade de dispositivo da Constituição baiana que previa a necessidade de autorização da Assembléia Legislativa para concessões e permissões de serviço público:

 Ação direta de inconstitucionalidade. Incisos XIII, XXIX e XXX do artigo 071 e § 001º do artigo 015 , todos da Constituição  do  Estado da Bahia, promulgada em 05 de outubro de 1989 .

   - Os incisos XIII e XIX do artigo 071 da Constituição  do  Estado da Bahia são ofensivos ao princípio da independência  e  harmonia  dos Poderes (artigo 002º da Constituição Federal) ao darem  à  Assembléia Legislativa competência privativa para a  autorização  de  convênios, convenções ou acordos a ser celebrados pelo Governo  do  Estado  ou  a aprovação dos efetivados sem autorização por motivo de urgência ou  de interesse público , bem como para deliberar sobre censura a Secretaria de Estado.

      - Violam o mesmo dispositivo constitucional federal o inciso  XXX do artigo 71 (competência privativa  à  Assembléia  Legislativa  para aprovar previamente contratos a ser firmados pelo  Poder  Executivo  e destinados  a  concessão  e  permissão  para  exploração  de  serviços públicos) e a expressão "dependerá de prévia  autorização  legislativa e" do  § 1 º do  artigo  25  (relativa  à  concessão  de  serviços públicos), ambos da Constituição do Estado da Bahia.

      Ação   julgada   procedente   em   parte ,   para   declarar    a inconstitucionalidade dos incisos XIII , XXIX e XXX do artigo 71 e  a expressão "dependerá de prévia autorização legislativa edo  § 1º do artigo 25, todos da Constituição do Estado da Bahiapromulgada em 5 de outubro de 1989.”

Inobstante a controvérsia jurídica, a Lei Orgânica do Município de São Paulo, assim como a Constituição baiana – e ao contrário de outras Leis Orgânicas e Constituições Estaduais que previram, genericamente, a possibilidade de delegação do serviço a particulares, mediante licitação, repetindo a fórmula prevista na Constituição da República – instituiu a necessidade de autorização legislativa para a concessão de serviços públicos, no art. 13, inc. VII7. Apesar de ser de duvidosa constitucionalidade, o fato é que o Executivo tem observado o dispositivo ao longo dos anos. No presente caso, seguindo esta linha, nosso entendimento pela desnecessidade de lei para a concessão não parte da antijuridicidade da disposição da L.O.M., e sim da interpretação deste e de outros dispositivos legais – inclusive interpretações já feitas por esta Procuradoria Geral em precedentes, como será abordado no ponto seguinte.

 1.2. O conceito de “serviço público”: o precedente da Ementa 11.512 – PGM.

A primeira razão decorre não do conceito de concessão – pois, como bem colocado pela Comissão, a concessão administrativa é uma modalidade concessória – mas sim do conceito de serviço público.

Existem diversos conceitos de serviço público na doutrina, alguns mais restritos, outros mais amplos. Como já tivemos a oportunidade de nos manifestarmos em outra ocasião (Informação nº 1.312/2012 – PGM.AJC):

Sabe-se que o conceito de serviço público é fluido. Estivéssemos na França no início do século XX, quando criava raízes aÉcole du Service Publique’, talvez a atividade em questão pudesse ser qualificada como tal, que, na época, empregava-se o termoserviço públicopara abranger todas as atividades estatais. Com o tempo percebendo-se a insuficiência do conceito, ele foi sendo restringido, tanto como aqui. No direito europeu, por exemplo, a noção de serviço público chegou a ser substituída pelo conceito de atividades de interesse geral.

Atualmente, no Brasil, prevalece, na jurisprudência dos Tribunais Superiores, o entendimento de que serviço público é a atividade de interesse público cuja titularidade foi, legalmente, outorgada ao Estado, muito embora boa parte da doutrina restrinja um pouco mais o conceito, para abarcar apenas serviços uti singuli de natureza econômica, consistente no fornecimento de bens economicamente mensuráveis à população8; bem como para limitar as atividades que poderiam ser publicizadas pela Lei, considerando o princípio constitucional da livre iniciativa, o da subsidiariedade, e o da dignidade das pessoas.”

 Esta Procuradoria Geral, no parecer ementado sob o nº 11.512 - PGM, de lavra do i. Procurador Luiz Paulo Zerbini Pereira, já afirmou a (des)necessidade de lei autorizativa para concessão administrativa do serviço de arrecadação centralizada das tarifas públicas dos sistemas estadual e municipal de transportes coletivos, adotando, um conceito estrito de “serviço público” para os fins do art. 13, VII, da L.O.M.. Nos termos do referido parecer: “os ‘serviços públicos’ a que se refere o inciso VII são aqueles prestados diretamente pela concessionária ao usuário, mediante cobrança de tarifa — os assim chamados ‘serviços públicos em sentido estrito’, regidos pela Lei Federal 8.987/95 (art. 175 da Constituição Federal)”.

Portanto, este órgão de consultoria jurídica já vem reconhecendo há alguns anos que só seria necessária autorização legislativa para os serviços públicos estritamente considerados como tal. As razões são óbvias: como a necessidade de autorização legislativa (independentemente da análise da sua constitucionalidade) importa no controle de um Poder sobre o outro, o dispositivo deve ser interpretado restritivamente. Se adotarmos um conceito amplo de serviço público, o Executivo teria que pedir autorização para o Legislativo para repassar a terceiro a gestão de qualquer atividade, pois tudo poderia ser considerado “serviço público” – o que vulneraria o princípio da separação de poderes e a primazia do Executivo para a gestão concreta dos negócios públicos, o que inclui a decisão sobre a melhor forma de execução de tais atividades.

 Assim, para os efeitos de necessidade de autorização legislativa, e inobstante as dificuldades de conceituação do termo “serviços públicos”, o precedente desta Procuradoria Geral conduz à adoção da interpretação mais restrita do termo, como aquelas atividades cuja titularidade foi legalmente atribuída ao Estado, e que correspondam a prestações economicamente quantificáveis e passíveis de prestação uti singuli9.

Ora, muito embora a execução da iluminação pública consista em dever do Estado, não se cuida de serviço uti singuli, passível de prestação individualizada. Tanto assim que, anteriormente à previsão constitucional da contribuição de iluminação pública (COSIP), o STF vinha rechaçando leis municipais que previam taxas de iluminação pública, ao exato fundamento de que inexistia serviço divisível. O Tribunal chegou a sumular o entendimento no enunciado nº 670: “O SERVIÇO DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA NÃO PODE SER REMUNERADO MEDIANTE TAXA”.

 1.3. A autorização para utilização de Parcerias Público-Privadas como meio para concessão de serviços públicos prevista na Lei municipal 14.517/07.

 Ainda que admitíssemos a constitucionalidade da disposição do art. 13, VII, da L.O.M.; e ainda que admitíssemos que o conceito de serviço público ali previsto abarcaria o serviço universal de iluminação pública; ainda assim daí não se extrairia a necessidade de lei autorizativa específica, uma vez que o suposto requisito de especificidade não se encontra em lugar algum da lei orgânica.

 As Parcerias Público-Privadas, embora consistam em modalidades concessórias, são regulamentadas especificamente na Lei municipal nº 14.517/07. Nos termos do art. 3º do diploma legal:

Art. 3º. Poderão ser objeto do Programa Municipal de Parcerias Público-Privadas:

I - a implantação, ampliação, melhoramento, reforma, manutenção ou gestão de infra-estrutura pública;

II - a prestação de serviço público;

III - a exploração de bem público;

IV - a execução de obra para alienação, locação ou arrendamento à Administração Pública Municipal;

V - a construção, ampliação, manutenção, reforma e gestão de bens de uso público em geral, incluídos os recebidos em delegação do Estado ou da União.”

 O art. 3º, inc. II, da Lei municipal 14.517/07, autoriza, portanto, a celebração de PPPs para a prestação de serviços públicos, de modo que previsão legal para a celebração de contrato de PPP versando sobre serviços públicos – esta, ao menos, é a única interpretação que conseguimos depreender do dispositivo supratranscrito.

 Tanto é assim que em nenhum dos projetos anteriores de Parcerias Público-Privadas foi suscitada a necessidade de outra lei autorizativa, nem mesmo pelo TCM, que acompanhou de perto os projetos pretéritos (para a arrecadação das tarifas de transporte, para a construção de creches, e para a construção de hospitais) e fez, quanto a eles, inúmeras observações.

 O único momento em que a Lei municipal nº 14.517/07 fala em lei específica é no §2º do art. 3º, quando dispõe que “as concessões patrocinadas em que mais de 70% (setenta por cento) da remuneração do parceiro privado for paga pela Administração Pública dependerão de autorização legislativa específica”. O dispositivo municipal, em verdade, repete os termos da lei federal de PPPs10. No caso em questão, vale relembrar, tratamos de concessão administrativa, e não patrocinada.

 Não concordamos com a afirmação da comissão de que “parece demais supor que uma lei possa transferir de modo geral à Administração uma competência outorgada à Edilidade”. A uma porque, conforme já sustentamos, a competência originaria para gerir os serviços públicos é do Executivo, segundo os parâmetros e diretrizes legais. A duas porque a Edilidade exerceu, efetivamente, a competência que lhe foi prevista pela L.O.M., dispondo sobre o que poderia e o que não poderia ser objeto de PPP. Ao dispor, portanto, na Lei municipal 14.517/07 que serviços públicos podem ser executados por meio de PPPs, a Câmara não declinou ou delegou a sua competência – ao revés, exerceu-a. Em terceiro, o STF tem aceito autorizações legais gerais para uma série de atos do Executivo, como a alienação de imóveis públicos11 e a desestatização de empresas estatais12.

 O fato de entendermos pela desnecessidade de lei específica para a concessão que se pretende não significa, obviamente, que inexistirão entendimentos divergentes. Interpretações jurídicas são sempre passíveis de dissenso – a própria manifestação da Comissão Especial bem denota isso. Contudo, acreditamos que existem bons argumentos para rebater o entendimento segundo o qual seria necessária autorização específica da Câmara na hipótese em análise. Caberá à Superior Administração decidir a respeito, considerado o acima exposto.

 2.SOBRE A NECESSIDADE DO CONTRATO DE CONCESSÃO ADMINISTRATIVA PREVER RECEITAS ALTERNATIVAS À COSIP, CONSIDERANDO A FINALIDADE ESPECÍFICA DA CONTRIBUIÇÃO

 A Comissão Especial questiona a utilização da receita da COSIP para pagamento de despesas financeiras, que decorrem inexoravelmente da utilização do instrumento de PPP, considerando que a destinação da contribuição é afeta, nos termos do parágrafo único do art. 1º da Lei municipal nº 13.479/02, à “iluminação de vias, logradouros e demais bens públicos, e a instalação, manutenção, melhoramento e expansão da rede de iluminação pública, além de outras atividades a estas correlatas”.

Ao que parece, as despesas financeiras a que a consulente se refere seria o custo do financiamento a que a concessionária terá que se socorrer para o cumprimento das obrigações pactuadas, além outras despesas eventuais para com instituições financeiras (garantias, por exemplo).

Realmente, a COSIP constitui receita afetada a uma finalidade, qual seja, o custeio e ampliação da iluminação pública e da sua infraestrutura. Há um debate constitucional em torno do que poderia ser enquadrado como iluminação pública, considerando o disposto no art. 149-A da Constituição da República13 – debate este que chegou ao STF, o qual reconheceu a repercussão geral da questão atinente à “validade da destinação de recursos advindos da contribuição para o custeio do serviço de iluminação pública também ao melhoramento e à expansão da rede” (tema nº 696 do índice de repercussão geral do STF), discutida no RE 666.404/SP. Enquanto a questão não é solucionada pelo Supremo Tribunal, adotamos a finalidade legal, prevista na Lei municipal nº 13.479/02, que contempla expressamente o melhoramento e a expansão da rede de iluminação.

O fato da COSIP ter destinação específica significa que seu dispêndio só poderá ter como objetivo aqueles enunciados no art. 1º, parágrafo único, da lei municipal citada. Obviamente, a lei não esmiuçou as despesas diretas necessárias para o atingimento do objetivo – é um tanto óbvio que, para a consecução das finalidades previstas, torna-se necessária a contratação de serviços e equipamentos da iniciativa privada, com todos os ônus e bônus que isso pode acarretar. A Prefeitura municipal não dispõe de fábrica de lâmpadas, de equipamentos elétricos, ou de postes de iluminação. A Prefeitura não detém expertise para todas as manutenções necessárias em tais equipamentos. Tudo isso tem, hoje, que ser adquirido da iniciativa privada, que, como não poderia deixar de ser, orça seus custos de modo a cobrir o seu lucro e as suas despesas diretas e indiretas, incluindo despesas com impostos, com empregados (salário, FGTS, contribuição previdenciária), etc..

O mesmo ocorre com as despesas financeiras. Assim como o lucro das empresas envolvidas na cadeia produtiva e das despesas com tributos, as despesas financeiras (de tais empresas para com instituições financeiras) tampouco estão especificamente contempladas na disposição legal, mas nela enquadrar-se-ão caso as obrigações financeiras tenham sido contraídas para a finalidade de “iluminação de vias, logradouros e demais bens públicos, e a instalação, manutenção, melhoramento e expansão da rede de iluminação pública, além de outras atividades a estas correlatas”. Temos que diferenciar, portanto, o objetivo previsto em lei das despesas específicas necessárias para atingimento de tal objetivo. O objetivo é previsto em lei; as despesas específicas, não.

Segundo informado, o que a Administração Pública pretende fazer é a contratação de uma gama de serviços, via concessão administrativa, dentro do objetivo legal de instalação, manutenção, melhoramento e expansão da rede de iluminação pública.  O Poder Concedente, possivelmente, irá pagar ao concessionário em função do resultado da prestação do serviço. Se o concessionário precisar ir ao sistema financeiro alavancar recursos para execução da atividade contratada – como sói ocorrer em operações desse porte –, trata-se de decisão interna corporis. Quando o parceiro privado faz um investimento, e para tanto se socorre de financiamentos para colocar o serviço em operação e produzir o resultado desejado, isso não altera a natureza ou a finalidade da despesa pela Administração Pública: esta efetuará, de todo modo, uma despesa pública cuja natureza é a de pagamento por um serviço contínuo, de custeio da atividade de iluminação.

No caso em análise, pretende-se utilizar a COSIP para fins de pagamento ao concessionário ou, dito de outro modo, como contraprestação pelo serviço prestado. O objeto do contrato de concessão, portanto, deve contemplar serviços incluídos na finalidade legal. Se o ajuste contemplar atividades não previstas em tal finalidade, como a execução de melhoramentos viários, por exemplo, tais atividades não poderão ser custeadas com a COSIP. Mas, se o contrato apenas contempla atividades inseridas na previsão legal de destinação da contribuição, nada impediria que a COSIP fosse empregada para o pagamento integral ao concessionário. Uma vez paga a contraprestação com recursos da COSIP, ela deixa de ter a natureza de receita pública afetada para assumir a natureza de receita privada, do concessionário, que organiza a sua atividade produtiva da forma como entender mais conveniente – o que interessa para a Administração Pública, vale repetir, não é o modo como ele irá utilizar a sua receita, mas a execução adequada do serviço contratado.

Ainda que assim não fosse, a despesa com juros e encargos financeiros de dívida contraída para execução ou manutenção de um serviço é classificada como despesa corrente (custeio) pela Lei federal nº 4.320/64, o que outrossim elidiria o argumento ventilado. Juros é acessório, e todo acessório segue o principal, com idêntica natureza.

Por fim, no que toca à questão das receitas alternativas, complementares ou acessórias, não conseguimos compreender exatamente a dúvida da consulente. As receitas acessórias, derivadas da execução do projeto, podem ou não ser previstas no contrato. Quando puderem ser vislumbradas desde o início, poderão ser expressamente contempladas no contrato, e comporão a modelagem econômica do projeto. Quando não puderem ser devidamente antecipadas com algum grau de segurança, é comum que se insira nos contratos uma cláusula genérica no sentido de que quaisquer novas fontes de receita não previstas, derivadas da execução do projeto, deverão ser autorizadas pelo concedente e com ele compartilhadas. Nesta hipótese, se um licitante contempla, na sua proposta de negócio, alguma(s) receita(s) acessória(s), faz isso por sua conta e risco. Enfim, para resumir, se certa fonte de receita é previsível e o seu sucesso é quase certo, costuma ser mais eficiente a sua previsão na modelagem econômica do projeto. Se a fonte de receita alternativa não pode ser antecipadamente prevista, ou se o risco de insucesso é razoável, tende a ser mais eficiente a sua previsão de forma genérica, sem inclusão na modelagem econômica pelo Poder Público, pois, caso contrário, isso significaria admitir a entrada de um risco no projeto não controlável pela Administração Pública e, caso a receita não se concretizasse, a concessionária teria direito ao reequilíbrio contratual.

Nesse particular, relevante destacar que o art. 4º, VII, da Lei Geral de PPPs (Lei 11.079) estabelece como diretriz elementar para a contratação da parceria público-privada a “sustentabilidade financeira” do projeto de parceria. Logo, a verificação da previsibilidade e segurança da fonte de custeio adotada e a capacidade de a Administração cumprir, no médio e longo prazos, as obrigações previstas no contrato é pressuposto lógico e obrigação indeclinável de toda e qualquer PPP. Um ajuste de PPP financeiramente débil estará suscetível a renegociações indesejadas ou mesmo á extinção prematura da parceria, o que, em se tratando de projeto estruturante de elevada dimensão econômica-financeira, poderá acarretar prejuízos ainda maiores à Administração Pública, com imediata repercussão negativa nos usuários finais.

 3.SOBRE O CRITÉRIO DE JULGAMENTO DA LICITAÇÃO E O ENTERRAMENTO DE REDE ELÉTRICA

 Não vislumbramos dúvida jurídica nas duas últimas questões, relativas ao critério de julgamento na licitação e a previsão ou não de enterramento da rede elétrica aérea. Especificamente com relação a esta última questão, o Decreto nº 47.817/06, que regulamenta a Lei municipal nº 14.023/05, dispõe que o enterramento deve ser efetuado nos termos do Programa de Enterramento da Rede Aérea – PERA, o qual deve ser seguido por todas as empresas que se valem de cabeamento aéreo. De nada adiantaria apenas a concessionária de iluminação enterrar o seu cabo se todos os demais (eletricidade, telefonia, etc.) permanecerem suspensos. Os custos, nesta hipótese, seriam imensos e os benefícios insignificantes. Daí porque o enterramento depende de uma ação coordenada, como propõe o Decreto municipal.

Poderiam, em tese, ser enumerados diversos argumentos favoráveis e contrários com relação às alternativas aventadas na manifestação. Cuidam-se de pontos técnicos que devem ser resolvidos pelos órgãos técnicos envolvidos – e, em última análise, pelo Conselho Gestor do Programa de Parcerias Público-Privadas - CGP, a quem compete aprovar os projetos de PPP, os estudos técnicos de viabilidade, e as minutas de edital e contrato, nos termos do art. 3º do Decreto nº 49.128/08.14

São as nossas considerações, sub censura.

 

São Paulo, 10/07/2014.

RODRIGO BRACET MIRAGAYA

Procurador AssessorAJC

OAB/SP nº 227.775

PGM

 

De acordo.

São Paulo, 10/07/2014  

TIAGO ROSSI

Procurador Assessor Chefe - AJC

OAB/SP 195.910

PGM

 

1 Direito Administrativo das Concessões. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2004, p. 47 e ss. 

2 Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 708.

É também esta a posição de Marçal Justen Filho, para quem o art. 175 da Constituição exige a disciplina legal das concessões e permissões, e, assim, o caput do art. 2º da Lei federal nº 9.074/95 apenas explicitaria o comando constitucional (Teoria Geral das Concessões de Serviço Público. São Paulo: Dialética, 2003, p. 173).

4 Direito Administrativo das Concessões. Ob. cit., p. 48.

"Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.”

Parcerias na Administração Pública. São Paulo: Atlas, 2008, p. 71.

7Art. 13 – Cabe à Câmara, com sanção do Prefeito, não exigida esta para o especificado no art. 14, dispor sobre as matérias de competência do Município, especialmente:

            (...)

            VII – autorizar a concessão de serviços públicos;”

8 Este, aliás, foi o entendimento desta Procuradoria Geral no parecer ementado sob o nº 11.512-PGM, de lavra do i. Procurador Luiz Paulo Zerbini Pereira. Na referida manifestação, dentre as questões propostas, foi analisada a (des)necessidade de lei autorizativa para concessão administrativa dos serviços do sistema de arrecadação centralizada das tarifas públicas do sistema estadual de transportes coletivos. Entendeu-se que os serviços públicos referidos pela L.O.M. seriam os chamados “serviços públicos em sentido estrito”, abrangendo apenas aqueles prestados aos usuários mediante cobrança de tarifas e, portanto, uti singuli.

Se o serviço não corresponde a prestações ou utilidades economicamente quantificáveis ou não é divisível (passível de ser prestado individualmente para cada usuário), não há possibilidade de cobrança de tarifas, tida como requisito no Parecer ementado sob o nº 11.512-PGM, suprareferido.

10 V. art. 10, §3º, da Lei federal nº 11.079/04, verbis: “§ 3o As concessões patrocinadas em que mais de 70% (setenta por cento) da remuneração do parceiro privado for paga pela Administração Pública dependerão de autorização legislativa específica”.

11 Uma série de leis federais prevêem autorizações genéricas para alienação de imóveis públicos federais.

12 ADI 3.578-MC/DF (Pleno, j. em 14/09/05). Confira trecho da ementa do julgamento: II. Desestatização de empresas públicas e sociedades de economia mista: alegação de exigência constitucional de autorização legislativa específica, que - contra o voto do relator - o Supremo Tribunal tem rejeitado; caso concreto, ademais, no qual a transferência do controle da instituição financeira, do Estado-membro para a União, foi autorizada por lei estadual (conforme exigência do art. 4º, I, a, da MPr 2.192-70/01 - PROES) e a subseqüente privatização pela União constitui a finalidade legal específica de toda a operação; indeferimento da medida cautelar com relação ao art. 3º, I, da MPr 2.192-70/01, e ao art. 2º, I, II e IV, da L. 9.491/97.” 

  13 Art. 149-A Os Municípios e o Distrito Federal poderão instituir contribuição, na forma das respectivas leis, para o custeio do serviço de iluminação pública, observado o disposto no art. 150, I e III(Incluído pela Emenda Constitucional nº 39, de 2002)

            Parágrafo único. É facultada a cobrança da contribuição a que se refere o caput, na fatura de consumo de energia elétrica(Incluído pela Emenda Constitucional nº 39, de 2002)

 14 “Art. 3º. São atribuições do CGP:

            I - gerir o Programa Municipal de Parceiras Público-Privadas e definir as prioridades quanto à implantação, expansão, melhoria, gestão ou exploração de bens, serviços, atividades, infra-estruturas, estabelecimentos ou empreendimentos públicos;

            II - aprovar os projetos de parceria público-privada, observadas as disposições do art. 4º da Lei 14.517, de 16 de outubro de 2007;

            III - autorizar a abertura de procedimento licitatório e aprovar os instrumentos convocatórios e de contratos;

            (...)

            VII - aprovar os resultados de estudos técnicos de viabilidade dos projetos de parceria público-privada;”

 

  

PA 2013-0.270.788-0

INTERESSADO: SECRETARIA MUNICIPAL DE SERVIÇOS

ASSUNTO: Comissão especial de avaliação de estudos técnicos e modelagem de projetos de Parceria Público-Privada relativa a rede de iluminação pública de São Paulo. Consulta.

Cont. da Informação 1.001/2014–PGM.AJC

SECRETARIA DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS

Senhor Secretário

 Encaminho o presente à Vossa Excelência, com a manifestação da Assessoria Jurídico-Consultiva desta Procuradoria Geral, que acompanho, no sentido (1) da desnecessidade de autorização legislativa para a concessão em análise; (2) da desnecessidade de previsão contratual de receitas extras à COSIP, desde que as obrigações contratuais do concessionário insiram-se nas finalidades previstas no parágrafo único do art. 1º da Lei municipal nº 13.479/02, sendo indiferente, para tal fim, os compromissos financeiros assumidos pelo concessionário para a execução de tais obrigações; (3) da inexistência de dúvida jurídica posta com relação ao enterramento da fiação aérea e ao critério de julgamento da licitação.

 

São Paulo,      /2014.

ROBINSON SAKIYAMA BARREIRINHAS

PROCURADOR GERAL DO MUNICÍPIO SUBSTITUTO

OAB/SP 173.527

PGM

 

 

PA 2013-0.270.788-0

INTERESSADO: SECRETARIA MUNICIPAL DE SERVIÇOS

ASSUNTO: Comissão especial de avaliação, estudos técnicos e modelagem de projetos de Parceria Público-Privada relativa à rede de iluminação pública de São Paulo. Questionamentos sobre a necessidade de lei específica autorizativa da concessão, fontes de receita alternativas à COSIP, critério de julgamento e enterramento da rede elétrica.

Informação n.° 1965/2014-SNJ.G.

SNJ/G

Senhor Secretário

Trata-se de processo administrativo por meio do qual são efetuados os estudos preliminares necessários para a definição de uma parceria público-privada - PPP - relativa à rede de iluminação pública de São Paulo.

A Comissão Especial de Avaliação instituída pela Portaria n° 103/SES/2013 solicitou o encaminhamento de algumas dúvidas à PGM referentes à necessidade de lei autorizativa específica para a concessão, fontes de receita alternativas à COSIP, critério de julgamento a ser adotado na licitação e enterramento da rede elétrica.

PGM/AJC abordou os pontos suscitados na percuciente manifestação de fls. 9881/9895, tendo concluído que não é necessária lei autorizativa específica, eis que, ainda que se conclua pela constitucionalidade da previsão legal constante no art. 13, VII da Lei Orgânica Municipal, e ainda que se enquadre o serviço de iluminação pública como serviço público - o que também é discutível, a Lei Municipal 14.517/07 já autoriza, em seu art. 3º, II, a prestação de serviço público por meio de PPP's.

De outra banda, concluiu a PGM que o modelo econômico a ser adotado pode ou não conter a previsão de receitas alternativas, de acordo com a previsibilidade das mesmas, sendo certo que o objeto do contrato de concessão deve contemplar os serviços previstos na Lei Municipal 13.479/02, requisito que uma vez preenchido permite a utilização dos recursos da COSIP.

Quanto às demais questões - critério de julgamento a ser adotado na licitação e enterramento da rede elétrica, ponderou a PGM que se tratam de questões técnicas, a serem resolvidas pelos órgãos técnicos competentes.

De nossa parte, concordamos "in totum" com as conclusões da PGM quanto aos questionamentos apresentados, sendo desnecessário repetir a argumentação já extensamente exposta naquele parecer.

Cumpre lembrar, apenas, que a análise das questões técnicas restantes a ser feita pelos órgãos técnicos competentes deve - como de resto, todas as decisões administrativas em geral - ser feita motivada e justificadamente, para regular instrução do processo administrativo de licitação.

São as nossas considerações, que se alinham totalmente à conclusões da PGM.

 

São Paulo, 18 de julho de 2014.

LUDMILA A.A. SANTOS

Procurador do Município

OAB/SP 190.450

SNJ.G.

 

De acordo.

São Paulo, 18/07/2014

VINICÍUS GOMES DOS SANTOS

Procurador do Município

Chefe da Assessoria Técnica e Jurídica

OAB/SP 221.793

SNJ.G

 

 

PA 2013-0.270.788-0

INTERESSADO: SECRETARIA MUNICIPAL DE SERVIÇOS

ASSUNTO: Comissão especial de avaliação, estudos técnicos e modelagem de projetos de Parceria Público-Privada relativa à rede de iluminação pública de São Paulo. Questionamentos sobre a necessidade de lei específica autorizativa da concessão, fontes de receita alternativas à COSIP, critério de julgamento e enterramento da rede elétrica.

Informação n.° 1965a/2014-SNJ.G.

SES/G

Senhor Secretário

Encaminho o presente nos termos da manifestação da Assessoria Jurídico-Consultiva da PGM e da Assessoria Jurídica desta Pasta, que acolho, para ciência e demais medidas em prosseguimento, observando-se que as questões quanto ao critério de julgamento da licitação e enterramento da rede elétrica são questões técnicas a serem resolvidas pelos órgãos técnicos envolvidos e, em última análise, pelo Conselho Gestor do Programa de Parcerias Público-Privadas -CGP.

  

São Paulo, 18/07/2014

LUÍS FERNANDO MASSONETTO

Secretário Municipal dos Negócios Jurídicos

SNJ.G

 

Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo