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PARECER PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO - PGM Nº 12.152 de 24 de Julho de 2020

EMENTA N° 12.152
Patrimônio imobiliário. Rio Tamanduateí. Faixas reservadas. Domínio público. Precedentes jurisprudenciais.

processo n° 2004-1.003.125-5

 

INTERESSADO: Coats Corrente Ltda.

ASSUNTO: Regularização de edificação.

Informação n° 794/2020-PGM.AJC

PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO

COORDENADORIA GERAL DO CONSULTIVO

Senhor Procurador Coordenador

Constatada, no curso do presente processo de regularização de edificação, interferência do imóvel com faixa reservada do antigo leito do rio Tamanduateí (fls. 513), SEL consultou o DEMAP a respeito do assunto (fls. 539).

O referido departamento confirmou o domínio municipal sobre as faixas reservadas do antigo leito do mencionado curso d'água, apontando, inclusive, o precedente da Apelação Cível n° 900.10.117040-0 (fls. 593/597 e 658), conclusão que foi acolhida pela PGM (fls. 659/661 e 668/669).

Assim, foram extraídos elementos para a instrução de processo administrativo voltado ao ajuizamento de ação reivindicatória com o objetivo de excluir as áreas públicas da matrícula n° 16.674/6° CRI (fls. 677).

A interessada, porém, apresentou cópias dos autos da ação de desapropriação que envolveu o local (fls. 684/1.076), bem como o parecer de fls. 1.096/1.137, pretendendo, assim, nova análise da questão.

A Assistência Técnica do Gabinete do DEMAP confirmou as conclusões técnicas a respeito do assunto, acrescentando que foi constatada também nova interferência com área desapropriada para a abertura da avenida do Estado (fls. 1.141).

No mais, o DEMAP reiterou a sua manifestação anterior acerca do caráter público das faixas reservadas do antigo leito do Rio Tamanduateí, submetendo o assunto à apreciação da PGM.CGC (fls. 1.148/1.159 e 1.173/1.175).

Feito o breve relatório acima, passo a opinar.

Consta dos autos que o Rio Tamanduateí foi retificado e canalizado entre as pistas da Avenida do Estado, nos termos do Decreto n° 1.723/1952 e da Lei n° 4.881/1956, remanescendo, assim, a área correspondente ao antigo leito do curso d'água, além das respectivas faixas reservadas, cujo domínio público tem sido defendido pela Municipalidade em ações de usucapião e de retificação de registro imobiliário. No caso em exame, foi apontada interferência com trechos da faixa reservada do antigo leito do rio, que integram o título particular (fls. 513).

Ocorre que, conforme já ressaltado pela PGM (Ementa n° 11.259), são públicos os terrenos reservados nas margens das correntes públicas, nos termos do artigo 11 do Decreto n° 24.643/34 (Código de Águas), exceto quando, por algum título legítimo, pertencerem ao domínio particular.

A matéria, diga-se de passagem, encontra-se pacificada, existindo inclusive súmula do STF a respeito do assunto. 1

Por outro lado, conforme reiteradamente tem decidido o Superior Tribunal de Justiça, o título que legitima a propriedade particular deve provir do Poder Público. A propósito, o seguinte trecho do voto do Ministro Luiz Fux no Recurso Especial 679.076:

"Assim, é regra que os terrenos reservados nas margens dos rios navegáveis são bens públicos. É exceção, se por titulo estiverem no domínio dos particulares.

Em se tratando de bens públicos às margens dos rios navegáveis, o titulo que legitima a propriedade particular deve provir do poder competente, no caso, o Poder Público. Isto significa que os terrenos marginais presumem-se de domínio público, podendo, excepcionalmente, integrar o domínio de particulares, desde que objeto de concessão legítima, expressamente emanada de autoridade competente."

No mesmo sentido: REsp 617822, REsp 637726 e REsp. 84.867, além do REsp n° 1.184.624, mencionado às fls. 595.

Aliás, no precedente da Apelação Cível n° 900.10.117040-0, acima mencionado (fls. 579/592), a questão foi bem examinada pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, conforme ementa a seguir transcrita:

REIVINDICATÓRIA. Área de terras do antigo leito do Rio Tamanduateí. Faixas reservadas. Domínio público, exceto ocupação por particulares por meio de concessão do Poder Público. Artigo 11 do Código de Águas - Decreto n. 24.643/34. Súmula n. 476 do STF. A navegabilidade do citado Rio Tamanduateí existiu e as condições atuais são irrelevantes. O novo traçado do leito do Rio Tamanduateí foi custeado pela Municipalidade de São Paulo, advindo a área em questão, indicada na perícia - Área A (faixa reservada) e Área C. Sentença parcialmente procedente mantida, inclusive em relação à condenação da parte vencida em indenização correspondente ao valor da locação conforme for apurado oportunamente. APELAÇÕES NÃO PROVIDAS.

A propósito, no Recurso Especial interposto contra o julgado, a recorrente, do mesmo modo que no caso em exame, alegou violação ao direito de propriedade por ter sido negada a validade do seu título, sustentando, ademais, a existência de uma mera servidão administrativa envolvendo as margens do rio.

O Superior Tribunal de Justiça, no entanto, ao não conhecer do recurso, reconheceu que a interpretação conferida pelas instâncias ordinárias ao Código de Águas está de acordo com a jurisprudência firmada pela Corte no sentido de que o título legítimo em favor do particular capaz de afastar o domínio público seria somente o decorrente de enfiteuse ou concessão, conforme precedentes a respeito da matéria (Aglnt no AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL N° 408.100 - SP). Portanto, não prevalece o entendimento da requerente a respeito do assunto.

Por outro lado, cabe enfatizar que a faixa reservada do antigo leito do Rio Tamanduateí foi utilizada em sua maior parte para a implantação do viário no trecho em estudo, conforme planta de fls. 1.140, onde também pode ser observada a área desapropriada para tanto, e justamente por se tratar de bem público a faixa em questão não foi indenizada, nos termos expostos por DEMAP 11 (fls. 1.156). Seja como for, em razão do princípio da indisponibilidade do patrimônio público, o desfecho da ação expropriatória não implicou o reconhecimento do domínio particular sobre trechos da antiga faixa reservada.

Além do mais, ainda que posteriormente, em decorrência de nova retificação, as áreas contestadas tenham ficado fora da antiga faixa reservada, conforme afirmado às fls. 1.124, tal circunstância não seria suficiente para afastar o domínio público consolidado.

Cabe ressaltar, ainda, que no caso dos autos não foi apresentado título legítimo, tampouco o então DGPI localizou qualquer informação a respeito do assunto (fls. 666), não podendo assim a aquisição realizada pela requerente em 1908 (fls. 1.099), ou seja, antes da retificação do rio, produzir efeitos em relação à área pública.

Nesse sentido, a decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, ao examinar situação semelhante envolvendo faixas reservadas do antigo leito do Rio Tietê, na Apelação Cível n° 0191663-63.2008.8.26.0000, j. 25/07/2017, rel. Des. Alvaro Passos.

O Tribunal de Justiça também já considerou irrelevante a eventual existência de lançamento tributário em situação semelhante (Apelação n° 0187131-46.2008.8.26.0000, j. 20.10/2016, rei. des. Natan Zelinschi de Arruda).

Por fim, cabe lembrar que o Decreto n° 48.832/07, ao disciplinar o procedimento para a defesa da posse de bens imóveis municipais, estabelece que, de acordo com as peculiaridades do caso, a critério da Administração, poderão ser utilizados, de forma fundamentada e observados os procedimentos e requisitos legais próprios, certos instrumentos jurídicos para a cessação da ocupação ou da utilização ilícita de bem imóvel municipal, tais como a alienação e a permissão de uso (art. 5o). Portanto, a empresa que ocupa as áreas públicas, caso tenha interesse, poderá requerer o que julgar conveniente, devendo eventual pretensão ser examinada por SEL/CGPATRI.

Diante do exposto, entendo que o presente poderá ser devolvido ao DEMAP para ciência, conforme solicitado às fls. 1.175, e oportuna devolução a SEL.

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São Paulo, 24/07/2020.

RICARDO GAUCHE DE MATOS

PROCURADOR ASSESSOR - AJC

OAB/SP 89.438

PGM

 1 Súmula n" 479. As margens dos rios navegáveis são domínio público, insuscetíveis de expropriação e. por isso mesmo, excluídas de indenização.

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processo n°2004-1.003.125-5

INTERESSADO: Coats Corrente Ltda.

ASSUNTO: Regularização de edificação.

Cont. da Informação n° 794/2020-PGM.AJC

DEMAP.G

Senhor Diretor

Considerando que a conclusão no sentido da natureza pública das faixas reservadas do antigo leito do Rio Tamanduateí encontra-se de acordo com a orientação da PGM a respeito da matéria, nos termos da manifestação da Assessoria Jurídico-Consultiva, restituo estes autos para prosseguimento.

Acompanham: três volumes e uma caixa de plantas.

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São Paulo, 28/08/2020.

TIAGO ROSSI

PROCURADOR DO MUNICÍPIO

COORDENADOR GERAL DO CONSULTIVO

OAB/SP 195.910

PGM

Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo