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PARECER PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO - PGM Nº 12.007 de 5 de Junho de 2019

EMENTA Nº 12.007
Remanescente de desapropriação. Pedido de retrocessão. Não é passível de retrocessão área residual que, isoladamente inaproveitável, foi incluída em ação de desapropriação no interesse exclusivo do proprietário. Incorporação ao patrimônio público dissociada da finalidade da desapropriação, de que decorre impossibilidade lógica de ocorrência de desvio de finalidade. Inteligência do art. 519 do código civil.

Processo nº 2010-0.140.489-7

INTERESSADO: ROSELI GELMETTI

ASSUNTO: Pedido de retrocessão

Informação nº 0740/2019-PGM.AJC

PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO

COORDENADORIA GERAL DO CONSULTIVO

Senhor Coordenador Geral,

Iniciou-se o presente com pedido de retrocessão formulado por Roseli Gelmetti, herdeira de proprietários de área remanescente de imóvel desapropriado pelo Município para alargamento da Avenida Assis Ribeiro. Considerando que o melhoramento foi efetivamente implantado, o pedido se limita ao remanescente da desapropriação incorporado compulsoriamente ao patrimônio municipal, a pedido dos expropriados, porque sua reduzida dimensão o tornaria inaproveitável1.

Considerando as dúvidas de CGPATRI/SEL a respeito da viabilidade jurídica do pedido, o procedimento, depois de alentada manifestação da Assessoria Jurídica de SMDU, foi para cá encaminhado por SEL para deslinde da matéria.

Não há controvérsia sobre o tema de fundo. É insuscetível de retrocessão o remanescente de área que o expropriante foi compelido a adquirir porque, ao ver do Judiciário, se tornaria inaproveitável pela incorporação isolada do bem originalmente postulado na desapropriação. Nessa hipótese, impossível a ocorrência do desvio de finalidade caracterizador da retrocessão: a alienação da área remanescente se deu no interesse exclusivo do proprietário, e não do Município que, a seu turno, promoveu o alargamento da via pública que orientara a edição do decreto nº 8.660, de 16 de fevereiro de 19702. Haveria espaço para algum debate sobre a viabilidade da retrocessão se o prometido melhoramento não tivesse sido executado pelo Município — incorrendo na hipótese prevista no art. 519 do código civil3 —, e assim mesmo com as diversas condicionantes estabelecidas na Jurisprudência para o improvável êxito da pretensão:

"(...) 5. Conforme preconizado no art. 1.150 do CC/16 (atual art. 519 do CC/2002), não atendido o objetivo descrito no decreto expropriatório, constitui obrigação do Poder Público oferecer ao expropriado o direito de reaver o bem (retrocessão) ou, não sendo isso possível, de reparar os danos daí decorrentes.

6. Entretanto, pretensão desse jaez terá lugar somente quando o bem expropriado, comprovadamente, deixar de atender ao interesse público, em contexto que possa caracterizar a denominada tredestinacão ilícita, esta sim geradora do direito à retrocessão ou, na sua impossibilidade, à correspondente indenização por perdas e danos em prol da parte expropriada. A tal propósito, como explica KIYOSHI HARADA, 'Só a destinação efetiva do bem a uma finalidade que não seja de interesse público é que revela objetivamente o desvio de finalidade ensejador da retrocessão' (Desapropriação. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2015, p. 278).

7. No caso em exame, embora a Municipalidade tenha redirecionado a finalidade da utilização do imóvel expropriado, em nenhum momento deixou de atender ao interesse público na nova destinação que acabou por conferir ao bem. Assim é que, ao criar o Polo Rio de Cine, Vídeo e Comunicação, o Poder Executivo buscou priorizar o interesse público, principalmente o favorável impacto econômico, social, artístico, cultural, tecnológico e turístico que adviria da implantação do polo cultural. Em situações bastante assemelhadas, o STJ já se posicionou pela não configuração da chamada tredestinação ilícita, de que são exemplos os seguintes julgados: REsp 710.065/SP, Rel. Ministro José Delgado, Primeira Turma, DJ 06/06/2005, p. 216; REsp 866.651, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 08/10/2010 e REsp 1.516.000/MG, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJE 26/08/2016." (STJ, REsp 1421618, DJe 20/11/2017, destacamos)

Para o que aqui importa, contudo, basta considerar, como acima dito, que a área remanescente não se presta à retrocessão porque a sua eventual ociosidade é desimportante para aferir a destinação do imóvel conforme previsto nos planos municipais. A conclusão doutrinária não é discrepante:

"Quanto à não destinação parcial, também será caracterizado o direito à retrocessão quando a parte não utilizada for relevante. Havendo sobras de áreas insignificantes, evidentemente não surge o direito à retrocessão.

De outra parte, cabe advertir que a desapropriação por zona, prevista no art. 4º do Decreto-lei nº 3.365/41, que preconiza hipótese de desapropriação de área contígua, necessária ao desenvolvimento da obra, bem como dispõe sobre as zonas que se valorizassem extraordinariamente em razão da obra a que se destina, estabelece a revenda das áreas não indispensáveis à continuidade da obra, parecendo-nos viável e constitucional a hipótese, não caracterizando ipso facto motivo para a retrocessão." (Clóvis Beznos, Aspectos Jurídicos da Indenização na Desapropriação, Editora Fórum, 2ª edição, 2017, página 94, destacamos)

Tendo em vista a inviabilidade da retrocessão da área, cabe à Administração geri-la de acordo com os parâmetros expressamente traçados na Lei nº 16.050/2014 (Plano Diretor Estratégico), ajardinando-a (art. 268, inc. X)4, equipando-a, concedendo-a ou alienando-a (art. 307, parágrafo único incisos V e VI)5, segundo o interesse municipal criteriosamente revelado em procedimento regular — em que se avaliará o eventual mérito da ocupação da área pública pela requerente — , observada a legislação de regência para cada hipótese.

Conforme informado à fl. 283, verso, autuou-se expediente próprio para indenização da área pelo uso pretérito.

Desse modo, esclarecida a controvérsia de caráter jurídico revolvida nestes autos, sugiro a devolução do presente para regular prosseguimento, pela competência.

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São Paulo, 05/06/2019

ANTONIO MIGUEL AITH NETO

Procurador Assessor - AJC

OAB/SP nº 88.619

PGM

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De acordo.

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São Paulo, 11/06/2019

TICIANA NASCIMENTO DE SOUZA SALGADO

Procuradora Assessora Jurídica Chefe - AJC

OAB/SP 175.186

PGM/AJC

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1 Colhe-se na sentença proferida em 1978: "(...) Os réus juntaram memorial, em que pugnam pela expropriação total, mantendo-se o laudo de seu assessor, no valor apontado para a devida indenização. (...) A indenização total chega a Cr$ 67.646,00, pelo imóvel todo, pois, inaproveitável o remanescente, os expropriados optam pela desapropriação. Do exposto, julgo procedente a ação e incorporo o imóvel todo ao patrimônio definitivo do autor, sem mais ônus, pela indenização de Cr$ 67.646 (...)" (fl. 28).

2 Art. 1º Ficam declaradas de utilidade pública, para o fim de serem desapropriadas judicialmente ou adquiridas mediante acordo, as áreas de terrenos de propriedade de quem de direito, situadas na Avenida Assis Ribeiro, no trecho entre a Avenida Gabriela Mistral e Estrada de Cumbica, no 3º subdistrito - Penha de França, necessárias à execução do plano de melhoramento público, integrante do Plano Rodoviário Municipal, aprovado de conformidade com a Lei 6838, de 27 de abril de 1966, e Resolução do Conselho Rodoviário Municipal n§ 339, de 4 de dezembro de 1969.

3 Art. 519. Se a coisa expropriada para fins de necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, não tiver o destino para que se desapropriou, ou não for utilizada em obras ou serviços públicos, caberá ao expropriado o direito de preferência, pelo preço atual da coisa.

4 Art. 268. São diretrizes do Sistema de Áreas Protegidas, Áreas Verdes e Espaços Livres: (...) X - utilizar as áreas remanescentes de desapropriação para ampliação de espaços livres e áreas verdes públicas, quando não for viável seu aproveitamento para projetos de interesse social; (...)

5 Art. 307. A Prefeitura elaborará o plano de gestão das áreas públicas observando os objetivos e diretrizes previstas nos arts. 303 e 304 desta lei, sem prejuízo das possibilidades de alienação, permuta ou alienação de bens imóveis, quando os programas, ações e investimentos previstos não vincularem diretamente determinado imóvel. Parágrafo Único. O plano de gestão das áreas públicas deverá conter, no mínimo: V - propostas para o aproveitamento de remanescentes de imóveis desapropriados; VI - critérios para alienação de remanescentes de imóveis desapropriados quando estes não forem objeto de interesse público; (...)

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Processo nº 2010-0.140.489-7

INTERESSADO: ROSELI GELMETTI

ASSUNTO: Pedido de retrocessão

Informação nº 0740/2019-PGM.AJC

PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO

Sr. Procurador Geral,

Encaminho-lhe o presente nos termos da manifestação retro desta Coordenadoria Geral do Consultivo, que acolho.

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São Paulo, 13/06/2019

TIAGO ROSSI

Coordenador Geral do Consultivo

OAB/SP 195.910

PGM

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Processo nº 2010-0.140.489-7

INTERESSADO: ROSELI GELMETTI

ASSUNTO: Pedido de retrocessão

Informação nº 0740/2019-PGM.AJC

SECRETARIA DE URBANISMO E LICENCIAMENTO

Sr. Secretário,

Encaminho-lhe o presente nos termos da manifestação da Coordenadoria Geral do Consultivo desta Procuradoria Geral do Município, que acolho, no sentido da impossibilidade de se deferir pedido de retrocessão de área remanescente de desapropriação que, no interesse exclusivo do expropriado, foi incorporada ao patrimônio municipal.

Mantidos os acompanhantes (2009-0.289.211-4 e 2012-0.137.519-0).

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São Paulo, 03/07/2019

GUILHERME BUENO DE CAMARGO

PROCURADOR GERAL DO MUNICÍPIO

OAB/SP 188.975

PGM

 

Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo