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RAZÕES DO VETO AO PROJETO DE LEI Nº 62/2004; OFÍCIO DE 21 de Dezembro de 2005

Razões de Veto ao Projeto de Lei nº 062/04

Ofício ATL nº 245/05

Ref. Ofício SGP 23 nº 5493/2005

Senhor Presidente

Por meio do ofício referenciado, ao qual ora me reporto, Vossa Excelência encaminhou à sanção desta Chefia do Executivo cópia autêntica da lei decretada por essa Egrégia Câmara, relativa ao Projeto de Lei nº 062/04, de autoria do Vereador Antonio Carlos Rodrigues, que dispõe sobre o cancelamento de multas que especifica e dá outras providências.

Em que pesem os bons propósitos que possam informar a iniciativa em apreço, revela-se imperioso o seu veto, porquanto constatável de plano a sua inconstitucionalidade, ademais da flagrante contrariedade ao interesse público.

Deveras, trata-se de regra mediante a qual serão canceladas de um só golpe as multas aplicadas em decorrência da infringência do disposto no inciso III do artigo 34 da Lei n.º 10.315, de 30 de abril de 1987, quando relacionadas à veiculação de propaganda eleitoral, desde que obedecidos os critérios contidos na lei eleitoral vigente.

O efeito pretendido é aquele de invalidar todos os autos de multa lavrados, cuja motivação potencialmente possa estar em consonância com a Lei Federal n.º 9.504, de 30 de setembro de 1997, que estabelece normas para as eleições.

E a abrangência além de apriorística é inestimável, eis que o parágrafo único do artigo 1º da propositura inclui o cancelamento de valores em qualquer fase de cobrança. A medida virá, portanto, deitar por terra a condição de liquidez e certeza de que se revestem os débitos inscritos na dívida ativa.

É fato que o denominado Código Eleitoral determina as condições e o rol de proibições para a propaganda eleitoral, dispondo minudentemente, como sói acontecer, sobre a forma de veiculá-la, hipóteses de necessidade ou não de licença municipal, de autorização da Justiça Eleitoral e de comunicação à autoridade policial, dentre outras providências a serem adotadas pelos candidatos e partidos políticos.

Sobreleva anotar que o artigo 41 do aludido diploma legal dispõe não poder ser multada, nem cerceada, sob alegação de exercício do poder de polícia, a propaganda que for exercida nos termos da legislação eleitoral.

Ora, estando a matéria regrada pelo ente político que detém a competência exclusiva para fazê-lo, nos termos do inciso I do artigo 22 da Constituição Federal, não há justificativa para buscar efeitos, por meio de lei municipal, que já são produzidos pelos comandos cogentes em vigor, editados pela União.

Em última análise, seria uma lei que determinaria o cumprimento de outra lei, que, por sua vez, possui eficácia plena.

As sanções administrativas de que trata a espécie constituem providências gravosas, da alçada da Administração, previstas para o caso de alguém incorrer em uma infração administrativa constante da Lei nº 10.315/87, que dispõe sobre a limpeza pública do Município de São Paulo.

Sendo absolutamente estranho à natureza da sanção administrativa o proveito econômico, a multa, quando aplicada, tem o intuito de induzir o administrado infrator, assim como todos os demais, a não praticarem os comportamentos proibidos e a atuarem na conformidade da regra, cumprindo, assim, uma função exemplar para a sociedade, embora possa vir a ressarcir a Administração de prejuízo que lhe foi causado.

Para serem válidas, as infrações administrativas devem atender a determinados princípios básicos, dentre eles o da legalidade, basilar do Estado de Direito, significante da subordinação da Administração à lei, conferindo garantia aos administrados contra o eventual uso desatatado do poder. De ordinário conhecimento, a juridicidade da instituição de infrações e correspondentes sanções por intermédio de lei, repousa nos artigos 5º, inciso II, 37, caput, e 84, inciso IV, da Constituição Federal.

A procedência da aplicação da multa requer, outro tanto, a estipulação legal anterior da exata tipicidade, sendo requisito essencial a suficiente caracterização do comportamento reprovável e a sanção cabível por essa conduta. Seria inválido qualificar o administrado como incurso em infração quando inexistisse a possibilidade de prévia ciência e de eleição, in concreto, do comportamento que o livraria da incidência da infração. O vício que se lhe increparia é o de que a identificação da sanção não teria atendido ao mínimo necessário para sua validade.

Impende registrar também que, tão logo identificada a ocorrência considerada desconforme, a autoridade deve aplicar a sanção, não existindo a alternativa discricionária.

Acresce a tudo não poder ser suprimido – como findaria por ocorrer, caso vingasse a iniciativa aprovada – o princípio do devido processo legal, consagrado no artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal, que assegura aos litigantes, inclusive em processo administrativo, o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a eles inerentes. É de todo plausível estarem em curso um sem número de lides cujo mérito se funda no debate de alegações relativas à matéria da propositura, em que a Administração entende legítimo o seu proceder, dele, todavia, discordando a parte autuada.

Por sua vez, sendo pressupostos do auto de multa a precedência da norma considerada infringida e a pertinência do exercício da função administrativa, sua validade afirma-se ato contínuo, desde que tenha sido expedida por autoridade competente e observado os requisitos do procedimento e da formalização específica.

A partir daí, o ato da autoridade passa a revestir-se de presunção de legitimidade, de imperatividade, de exigibilidade e de executoriedade.

Com efeito, desde a lavratura do auto de multa, constitui presunção ter havido a concretização do motivo tipificado como infração e a situação prevista em lei, em decorrência do que se torna inescusável ao agente deixar de praticar o ato.

Dessa forma, a análise da legalidade de um auto de multa demanda a constatação de sua materialidade, assim como a verificação da correspondência da situação objetiva real com o tipo previsto em lei, de acordo com a teoria dos motivos determinantes.

O fundamento do ato invalidador é o dever de obediência à legalidade, devendo a autoridade decidir nesse sentido, a título de conclusão do procedimento instaurado, no momento em que restar comprovada a ofensa ao direito.

Caso não efetivada a invalidação do ato pela Administração, inclusive por julgá-lo procedente, ao interessado restará sempre valer-se da via judicial.

Cabe, neste passo, consignar que a doutrina administrativista é assente quanto à indispensabilidade de permear, entre a constatação do vício e a invalidação do ato, o devido processo legal. A manifestação do Estado não pode se constituir em ato único – one shot – em virtude também da presunção de legitimidade de que gozam os atos administrativos, devendo ser a resultante de procedimento no qual se garanta a todos os atingidos a oportunidade de sustentar as razões que motivaram sua atuação.

Nem poderia ser de outra forma como pretendido na propositura em pauta, havendo risco de a Administração perder o direito a indenizações por serviços de limpeza que executou, tendo essa despesa como causa propagandas não conformes com a legislação, comprometendo-se, desse modo, de maneira açodada, o princípio da indisponibilidade do interesse público.

Ressalta, portanto, a patente ingerência do Poder Legislativo em matéria de competência exclusiva do Poder Executivo, qual seja, a de dispor sobre o regular funcionamento de seus serviços administrativos, a organização administrativa, os atos vinculados e despesas, com o consequente desrespeito ao artigo 70, inciso XIV, e ao inciso IV do § 2º do artigo 37 da Lei Orgânica do Município de São Paulo.

Emerge das razões ora expendidas, que o texto aprovado não reúne condições de vir a ser convertido em lei, sendo inafastável a necessidade de seu veto total, o que ora faço, seja porque a matéria regulada pelo ente político incumbido constitucionalmente de tal mister possui eficácia plena, seja porque administrativamente eventuais providências que porventura venham a se apresentar cabíveis, com base na Lei n.º 10.315/87, deverão ser adotadas em procedimento próprio, seja, finalmente, porque contraria a ordem constitucional da separação dos Poderes, expressa no artigo 2º da Constituição Federal.

Em vista do exposto, reencaminho o assunto à sempre criteriosa apreciação dessa Egrégia Câmara, renovando a Vossa Excelência, nesta ocasião, protestos de apreço e consideração.

JOSÉ SERRA

Prefeito

Ao

Excelentíssimo Senhor

ROBERTO TRIPOLI

Digníssimo Presidente da Câmara Municipal de São Paulo

 

Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo