Processo nº 6065.2020/0000194-5
Interessada: SECRETARIA MUNICIPAL DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA
Assunto: Minuta de Decreto que dispõe sobre a Política Municipal para o Paradesporto, matéria afeta às Pastas Municipais da Pessoa com Deficiência e de Esporte e Lazer.
Informação n° 719/2021-PGM.CGC
PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO
ASSESSORIA JURÍDICO-CONSULTIVA
Senhor Procurador Assessor Chefe,
Inaugura o presente minuta de decreto visando dispor sobre a Política Municipal para o Paradesporto, matéria afeta às Pastas Municipais da Pessoa com Deficiência (SMPED) e de Esporte e Lazer (SEME). No entanto, instaurou-se uma divergência jurídica sobre o instrumento apropriado para o regramento de referida política pública.
De um lado, a Assessoria Jurídica da SEME pronunciou-se no doc. SEI 028082712, no sentido de que "a proposta de minuta de decreto na forma apresentada, como um regulamento autônomo, está atuando fora da base constitucional e legal, e se editado na maneira posta, extrapolará as competências do prefeito, balizadas do ordenamento jurídico pátrio. Salvo se houver legislação municipal disciplinando o assunto, não exposta na referida minuta." Vislumbra, portanto, ofensa ao princípio da reserva legal.
De outro, a Assessoria Jurídica da SMPED entendeu de modo contrário, propugnando inexistir "excesso de competência na medida em que a minuta de decreto, nos termos expostos, não cria restrições a direitos de particulares nem institui órgãos públicos com o aumento de despesas, limitando-se a dispor sobre as normas de organização e funcionamento da Administração Pública Municipal ao fixar orientações gerais e distribuir atribuições aos órgãos públicos de acordo com a sua área temática." (doc. SEI 029000882). Além disso, a AJ aponta que o regulamento visa tornar viável, no âmbito municipal, o cumprimento do que dispõe o art. 30 da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência da ONU, aprovada pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo 186/2008 e promulgada pelo Decreto n° 6.949/2009. Igualmente faz menção à Lei federal 13.146/2015, que institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, entre outras normas.
Instaurada a divergência entre as Pastas, suscitou-se consulta a esta Procuradoria Geral do Município.
É o relatório.
A matéria objeto da consulta já foi analisada por esta Procuradoria Geral do Município, conforme será exposto a seguir. Preliminarmente, convém tecer breves considerações sobre o regramento geral envolvendo a tutela dos portadores de deficiência.
A Convenção Internacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência foi aprovada pela Organizações das Nações Unidas (ONU) e assinada em Nova Iorque na data de 30 de março de 2007, em reunião da Assembleia-Geral para celebrar o Dia Internacional dos Direitos Humanos. A sua internalização no direito brasileiro deu-se pelo Decreto presidencial 6.949/2009, após aprovação parlamentar pelo Decreto legislativo 186/2008. Trata-se de "uma das poucas normas internacionais que ocupam posição equivalente às emendas constitucionais, confirmando o intenso diálogo existente entre direito interno e direito internacional"[1].
O artigo 30 dessa convenção disciplina a "participação na vida cultura e em recreação, lazer e esporte", estabelecendo em seu item 5 a participação das pessoas com deficiência, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, nas atividades recreativas, esportivas e de lazer[2].
Para além disso, convém destacar que a Constituição Federal estabelece a competência concorrente para legislar sobre a "proteção e integração social das pessoas portadoras de deficiência" (art. 24, inc. XIV), o que legitima a expedição de normas gerais pela União. Esse o caráter da Lei 13.146/2015, o Estatuto da Pessoa com Deficiência, que dispõe, entre outros aspectos, sobre a garantia de acesso a jogos e a atividades recreativas, esportivas e de lazer (art. 28, inc. XV; arts. 42 e 43).
Esse arcabouço normativo - de estatura constitucional e infraconstitucional, ambos vinculantes para o Município de São Paulo - permite extrair a existência de fundamento para o exercício da prerrogativa regulamentar pela Chefia do Executiva, conforme pretende a Secretaria Municipal da Pessoa com Deficiência, cujo entendimento merece prevalecer.
A propósito, como afirmado acima, esta Coordenadoria Geral do Consultivo já se pronunciou sobre o tema, ao analisar, no âmbito do DOC 2018-9.003.211-1, minuta de decreto versando sobre a Política Municipal para a Pessoa com Deficiência[3].
Na ocasião, analisou-se a adequação jurídica do tratamento da matéria por meio de decreto - ato normativo geral da Chefia do Executivo - e não por lei municipal[4]. Reproduzam-se as considerações tecidas (Informação 185/2018-PGM.AJC):
"Poder-se-ia considerar necessária uma intermediação legislativa (formal) municipal na hipótese de o poder político local pretender instituir uma política municipal para a pessoa com deficiência. No entanto, à luz da competência legislativa concorrente em tal seara (artigo 24, inciso XV, da Constituição Federal[5]), conjugada com a competência material comum (artigo 23, inciso II[6]), dessume-se ser juridicamente admitida a expedição de regulamento municipal disciplinando uma política local para a pessoa com deficiência, desde que compatível com a respectiva norma nacional veiculadora da norma geral[7].
Assim, qualquer preceito regulamentador municipal que extrapole ou contrarie a norma geral representa flagrante violação jurídica. Caso o Município deseje uma suplementação da lei federal geral, indispensável uma lei local disciplinando o assunto.
Tais premissas são fundamentais para a análise da juridicidade dos preceitos que compõem a minuta do decreto.
Observe-se recente precedente apreciado pelo Judiciário paulista envolvendo questão similar: a constitucionalidade de decreto municipal à luz de norma federal correspondente. Trata-se do Decreto n.° 56.981/16, do Município de São Paulo, cuja constitucionalidade foi questionada em sede de controle concentrado (ADI 2227163-78.2016.8.26.0000)[8]. A tese defendia pelo Município, e sufragada pelo Tribunal, foi a de que tal regulamento não alterou o ordenamento vigente, mas apenas o complementou para dar concretude e execução dos dispositivos legais existentes. Assim, na existência de diretrizes gerais não há que se falar em necessidade de elaboração de nova lei em sentido estrito pela Municipalidade.
Mutatis mutandis, verifica-se uma semelhança na questão jurídica de fundo, o que permite extrair a juridicidade da minuta, no que diz respeito ao tratamento da matéria por decreto, desde que observadas as condições acima referidas."
A mesma razão ora se aplica, motivo pelo qual se pode concluir que o regramento pretendido - instituição de uma política municipal para o paradesporto, visando a assegurar a participação da pessoa com deficiência nas atividades esportivas realizadas nos equipamentos públicos municipais - pode ser disciplinado por decreto, dispensando-se, para tanto, a prévia edição de lei municipal.
Além disso, não se identificou nas minutas do decreto (doc. SEI 027703798 e 029135517) qualquer infringência aos ditames estabelecidos pela Constituição Federal, pela Convenção Internacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência e pela Lei federal 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência).
À consideração superior.
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São Paulo, 15/06/2021
RODRIGO BORDALO RODRIGUES
Procurador Assessor - AJC
OAB/SP 183.508
PGM
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De acordo.
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São Paulo, 15/06/2021
RODRIGO BRACET MIRAGAYA
Procurador Chefe da Assessoria Jurídico Consultiva Substituto
OAB/SP 227.775
CGC/PGM
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[1] PEREIRA, Flávio de Leão Bastos. Compliance em direitos humanos, diversidade e ambiental, 2021, São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 249.
[2] Assim, os Estados Partes devem tomar medidas apropriadas para: "a) Incentivar e promover a maior participação possível das pessoas com deficiência nas atividades esportivas comuns em todos os níveis; b) Assegurar que as pessoas com deficiência tenham a oportunidade de organizar, desenvolver e participar em atividades esportivas e recreativas específicas às deficiências e, para tanto, incentivar a provisão de instrução, treinamento e recursos adequados, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas; c) Assegurar que as pessoas com deficiência tenham acesso a locais de eventos esportivos, recreativos e turísticos; d) Assegurar que as crianças com deficiência possam, em igualdade de condições com as demais crianças, participar de jogos e atividades recreativas, esportivas e de lazer, inclusive no sistema escolar; e) Assegurar que as pessoas com deficiência tenham acesso aos serviços prestados por pessoas ou entidades envolvidas na organização de atividades recreativas, turísticas, esportivas e de lazer."
[3] A minuta era composta por 11 capítulos, contendo um regramento muito semelhante à Lei federal 13.146/2015. Consigne-se que não se identificou a expedição de tal decreto.
[4] Conforme constava da ementa da minuta, o ato normativo "institui a Política Municipal para a Pessoa com Deficiência e regulamenta a aplicação da Lei Federal n.° 13.146, de 6 de julho de 2015, em âmbito municipal".
[5] "Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: (...) XIV - proteção e integração social das pessoas portadoras de deficiência."
[6] "Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: (...) II-cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência."
[7] Com assento na compostura de tal competência, verifica-se que, previamente à Lei federal n.° 13.146/15, seria indispensável a um Município editar lei própria disciplinando uma política destinada a pessoas com deficiência. No entanto, com a edição da norma geral, que irradia efeitos e alcança todas as entidades federativas, já existe diploma normativo passível de regulamentação pelo Executivo municipal.
[8] O Decreto municipal n.° 56.981/16 dispõe sobre o uso intensivo do viário urbano municipal para a exploração de atividade econômica privada de transporte individual remunerado de passageiros de utilidade pública, o serviço de carona solidária e o compartilhamento de veículos sem condutor.
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Processo nº 6065.2020/0000194-5
Interessada: SECRETARIA MUNICIPAL DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA
Assunto: Minuta de Decreto que dispõe sobre a Política Municipal para o Paradesporto, matéria afeta às Pastas Municipais da Pessoa com Deficiência e de Esporte e Lazer.
Cont. da Informação n° 719/2021-PGM.CGC
PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO
Senhora Procuradora Geral
Encaminho o presente com a manifestação da Assessoria Jurídico-Consultiva desta Coordenadoria Geral do Consultivo, que acompanho integralmente.
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São Paulo, 15/06/2021
CAYO CÉSAR CARLUCCI COELHO
Coordenador Geral do Consultivo
OAB/SP n° 168.127
PGM
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Processo nº 6065.2020/0000194-5
Interessada: SECRETARIA MUNICIPAL DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA
Assunto: Minuta de Decreto que dispõe sobre a Política Municipal para o Paradesporto, matéria afeta às Pastas Municipais da Pessoa com Deficiência e de Esporte e Lazer.
Cont. da Informação n° 719/2021-PGM.CGC
SECRETARIA MUNICIPAL DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA
Senhor Secretário
Em atendimento à consulta formulada por essa Pasta, restituo o presente com o entendimento da Coordenadoria Geral do Consultivo, que acolho na íntegra.
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São Paulo, 16/06/2021
MARINA MAGRO BERINGHS MARTINEZ
PROCURADORA GERAL DO MUNICÍPIO
OAB/SP 169.314
PGM/SP
Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo