Razões de Veto ao Projeto de Lei nº 09/08
OF ATL nº 149/08
Ref.: Ofício SGP-23 nº 2354/2008
Senhor Presidente
Por meio do ofício acima referenciado, ao qual ora me reporto, Vossa Excelência encaminhou à sanção cópia autêntica do Projeto de Lei nº 09/08, de autoria dos Vereadores Francisco Chagas e Dalton Silvano, aprovado por essa Egrégia Câmara na sessão de 14 de maio do corrente ano, que objetiva tornar obrigatória a instalação de portas automáticas eletrônicas de segurança nas agências bancárias e demais estabelecimentos financeiros.
Nesse sentido, prevê a propositura que as aludidas portas, a serem instaladas em todos os acessos destinados ao público das agências, postos de atendimento bancário e dos demais estabelecimentos financeiros oficiais ou privados em operação no Município de São Paulo, nos quais haja guarda de valores ou movimentação de numerário, deverão obedecer, em síntese, às seguintes características técnicas: I - ser equipadas com detector de metais microprocessado que permita o ingresso de usuários portando objetos de uso cotidiano (aparelho de telefone celular, moedas, molho de chaves, relógios, etc.); II - possuir dispositivo de travamento automático acionado apenas por ação do detector de metais, vedada a instalação e uso de dispositivos de travamento por ação manual; III – disponibilizar caixa coletora de objetos que possibilite ao usuário depositar seus pertences metálicos não previstos no item “I”, supra, ou entregá-los ao vigilante, antes de passar pelo mecanismo detector de metais, evitando constrangimentos; e IV – possuir vidros reforçados com película resistente e suficiente para evitar atos de vandalismo.
Além disso, a mensagem contém disposições que contemplam a existência de sistemas eficientes para o atendimento e acesso de pessoas idosas ou portadoras de necessidades especiais, bem assim que impõem o treinamento e a reciclagem dos vigilantes que prestam serviços nos referidos estabelecimentos bancários e financeiros, inclusive com a instrução desses profissionais para orientar os usuários.
Ainda, preconiza o texto aprovado a existência de um “kit” simulador dos pertences pessoais para fins de ajuste das portas automáticas de segurança e de sua fiscalização, assim como condiciona a concessão do “habite-se” aos estabelecimentos em apreço à comprovação do atendimento da nova lei, cominando penalidades (advertência e multa diária) para aqueles que não cumprirem suas disposições.
No entanto, embora reconhecendo o nobre intento que norteou a apresentação da propositura, consistente na proibição da instalação de equipamentos que possam constranger, humilhar ou desrespeitar os munícipes por ocasião do acesso a estabelecimentos bancários e demais instituições financeiras, o fato é que a mensagem aprovada não reúne as condições necessárias à sua conversão em lei, ante sua inconstitucionalidade, ilegalidade e contrariedade ao interesse público, na conformidade das razões a seguir explicitadas, motivo por que sou compelido a apor veto que atinge o seu inteiro teor, fazendo-o com supedâneo no § 1º do artigo 42 da Lei Orgânica do Município.
Por primeiro, cumpre consignar que o Município pode e deve disciplinar as atividades econômicas desenvolvidas no seu território, cabendo-lhe, quanto aos estabelecimentos comerciais, industriais, de serviços e similares, dentre outros, regulamentar a execução e o controle de obras, incluídas as edificações, as construções, reformas, demolições ou reconstruções, os equipamentos, as instalações e os serviços, sempre visando a observância das normas urbanísticas de segurança, higiene e qualidade de vida em defesa do consumidor e do meio ambiente, inclusive fixando e aplicando as respectivas penalidades aos infratores, tudo consoante expressamente previsto no artigo 160, “caput” e incisos IV e VII, da Lei Maior local.
Na esteira dessa assertiva legal, têm o Supremo Tribunal Federal (AgR no AI 506.487-PR, AgR no AI 429.070-3-RS e AgR no RE 433.515-8-RS) e o Superior Tribunal de Justiça (REsp 471.702/RS, REsp 189.254/RS e AgRg no Ag 562.890/RS) reconhecido aos Municípios competência para legislar sobre a instalação, em agências bancárias, de equipamentos destinados a propiciar conforto e segurança aos clientes, como bebedouros, sanitários, tempo de espera em filas e até mesmo portas eletrônicas.
Tome-se, a título de ilustração, o seguinte trecho do voto do Ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, no citado AgR no AI 429.070-3-RS (unanimidade de votos):
“A agravante não conseguiu demonstrar o desacerto da decisão agravada, a qual está fundada na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.
Esta Corte firmou entendimento segundo o qual não é de competência exclusiva da União legislar sobre temas ligados à atividade bancária, entre eles, a instalação de portas eletrônicas. Nesse sentido, os RREE 240.406 e 355.853, 2a. T., Rel. Carlos Velloso, DJ 27.02.04. Nos precedentes supracitados, consignei em meu voto:
“Sr. Presidente, li com atenção os memoriais, inclusive o texto que foi citado do eminente Professor Marco Aurélio Greco. Não estou, de fato, vislumbrando matéria que afete a competência da União para legislar sobre temas ligados ou conexos com a atividade bancária. Como ressaltado pelo eminente Relator, outra é a questão quando se trata de temas como horário de funcionamento das agências bancárias, tendo em vista a repercussão que o tema tem para a atuação da rede bancária como um todo. Daí a necessidade de uma regulação uniforme que inclusive justifica a disciplina do direito federal.
Aqui, o tema da segurança, em sentido geral, das agências bancárias parece envolver, fundamentalmente, a questão das políticas urbanas e, aí, as atividades, talvez, de outros ramos de índole de serviço ou de ramos comerciais. Não consigo, portanto, vislumbrar a lesão à competência legislativa da União, na espécie.”
A seu turno, o Superior Tribunal de Justiça, embora reconhecendo a competência concorrente das três esferas de poder em matéria de funcionamento de instituições financeiras (artigos 24 e 25 da Constituição Federal), no também já citado REsp 471.702/RS, entendeu, contudo, que as normas municipais nessa área não podem extrapolar as disposições contidas na Lei Federal nº 7.102, de 20 de junho de 1983, com as alterações introduzidas pela Lei nº 9.017, de 30 de março de 1995, de modo a modificar os sistemas de segurança nela previstos.
Com efeito, indigitada lei federal condiciona o funcionamento de todo estabelecimento financeiro onde haja guarda de valores ou movimentação de numerário à existência de sistema de segurança com parecer do Ministério da Justiça, favorável à sua aprovação. Esse sistema compreende a presença de profissionais (vigilantes) adequadamente preparados, alarmes e, pelo menos, um dos seguintes dispositivos: equipamentos elétricos, eletrônicos e de filmagens; artefatos que retardem a ação dos criminosos, permitindo sua perseguição, identificação ou captura; ou, ainda, cabina blindada com a permanência de vigilante (artigos 1º e 2º).
Conseqüentemente, o Município não pode alterar a sistemática legal prevista pela União no que concerne à escolha do sistema de segurança pelas instituições bancárias, como na situação que ora se apresenta, em que a propositura impõe a esses estabelecimentos a obrigatoriedade de instalação de portas automáticas eletrônicas de segurança, inclusive com específicas características técnicas.
A propósito, impende destacar que o Ministério da Justiça deve se manifestar sobre o sistema de segurança proposto e fiscalizar os estabelecimentos financeiros quanto ao cumprimento da lei federal em comento, incumbindo, pois, à referida Pasta, e não ao Município, o controle em relação ao tipo de sistema implantado (artigos 1º e 6º). Dessa forma, no caso das agências bancárias e demais instituições financeiras instaladas no Município de São Paulo, o Ministério da Justiça, decerto, já considerou as respectivas portas giratórias e detectores de metais como equipamentos aptos ao atendimento da supracitada Lei Federal nº 7.102, de 1983, ou seja, artefatos que efetivamente retardam a ação dos criminosos, permitindo sua perseguição, identificação ou captura.
Releva notar, outrossim, que a disciplina constante de referido diploma legal federal afigura-se mais consentânea com o interesse público, porquanto sua flexibilidade permite a adoção de sistema de segurança, na hipótese sob exame, de acordo com as peculiaridades de cada região do País. Com efeito, não se pode negar que o Brasil, em decorrência de sua extensão e conseqüente diversidade na distribuição demográfica, abriga diferentes realidades sociais no seu território, fato esse que deve ser considerado na elaboração das leis, porquanto nem sempre é possível, para determinadas situações, a uniformização das imposições legislativas, como é o caso, por exemplo, da prevenção e combate à violência e à prática de crimes. Realmente, até mesmo no âmbito do Município de São Paulo há realidades totalmente diversas no tocante à ocorrência de assaltos a agências bancárias. Em sendo assim, incumbe aos responsáveis por esses estabelecimentos, em atendimento à legislação federal em vigor, instalar o tipo de artefato retardador da ação de criminosos que melhor se adeque à cada situação fática, podendo ser adotado ou não o sistema composto por portas automáticas eletrônicas de segurança.
Por conseguinte, no que respeita ao objeto principal da propositura em questão, qual seja, a obrigatoriedade de instalação de portas automáticas eletrônicas de segurança nas agências bancárias e demais estabelecimentos financeiros, nas condições que especifica, resta patente sua desconformidade com as normas constitucionais e mesmo com o interesse público.
Não se pode deixar de mencionar, neste passo, que, no que se refere ao dispositivo de travamento automático (sem interferência de preposto do estabelecimento) e à disponibilização de caixa coletora dos objetos de metais dos usuários, os sistemas atualmente adotados já contemplam esses requisitos.
De outra parte, no que concerne à justificativa para a apresentação do presente projeto de lei, qual seja, resguardar os usuários desses estabelecimentos de eventuais constrangimentos e humilhações, o Superior Tribunal de Justiça, na análise de pedidos de indenização por dano moral submetidos à sua apreciação, tem se pronunciado no sentido de que a causa do constrangimento ou humilhação não reside propriamente na existência do equipamento de segurança em relevo, como foi a situação retratada no v. Acórdão prolatado nos autos do AgR no AI 524.457/RJ, no qual foi relator o Ministro Castro Filho, do qual ora se transcreve a seguinte parte de sua ementa:
“II - Em princípio, em época em que a violência urbana atinge níveis alarmantes, a existência de porta detectora de metais nas agências bancárias é medida que se impõe para a segurança de todos, a fim de prevenir furtos e roubos no interior desses estabelecimentos de crédito. Nesse sentido, as impositivas disposições da Lei nº 7.102/83. Daí, é normal que ocorram aborrecimentos e até mesmo transtornos causados pelo mau funcionamento do equipamento, que às vezes trava, acusando a presença de não mais que um molho de chaves. E, dissabores dessa natureza, por si só, não ensejam reparação por dano moral.
II - O dano moral poderá advir, não pelo constrangimento acarretado pelo travamento da porta em si, fato que poderá não causar prejuízo a ser reparado a esse título, mas dos desdobramentos que lhe possam suceder, assim consideradas as iniciativas que a instituição bancária ou seus prepostos venham a tomar no momento, as quais poderão minorar os efeitos da ocorrência, fazendo com que ela assuma contornos de uma mera contrariedade, ou, de outro modo, agravá-los, degenerando o que poderia ser um simples contratempo em fonte de vergonha e humilhação, passíveis, estes sim, de reparação.” (em idêntico sentido é o REsp nº 551.840/PR)
De igual modo, não consulta ao interesse público eventual edição de norma municipal que, desconsiderando o princípio da razoabilidade consignado no artigo 81 da Lei Orgânica do Município de São Paulo e também no artigo 111 da Constituição do Estado de São Paulo, venha a impor aos particulares a adoção de artefato de segurança cuja existência no mercado não esteja devidamente comprovada. Efetivamente, pelo conhecimento que se tem, não há no mercado sistema de detecção de metais que, sensível a uma determinada massa metálica, a identifique e a individualize, conforme pretendido no texto aprovado. Logo, uma pessoa que, ao adentrar em um estabelecimento financeiro portando em seus bolsos, mochila, valise, etc, diversos objetos metálicos, como aparelho de telefone celular, moedas, molho de chaves, relógios e outros da espécie (colares, brincos, anéis, metais em bolsas, maletas de mão, etc), terá obstaculizada a sua passagem, pois o equipamento identificará a “soma” das massas metálicas dos objetos por ela portados, que, em muitos casos, será maior do que a de uma arma de pequeno porte. Segundo se sabe, pois, não há mecanismo técnico que, diverso daquele atualmente adotado, possa atender ao desígnio legal em tela.
No tocante à garantia da acessibilidade das pessoas com deficiência e mobilidade reduzida nos estabelecimentos bancários em geral, esse direito já está mais do que assegurado na legislação em vigor, seja ela federal ou mesmo municipal. Aliás, vale ressaltar que, na conformidade da legislação local em vigor, não se concede o auto de conclusão se as normas de acessibilidade não forem devidamente atendidas. Na esfera federal, a Lei nº 10.098, de 19 de dezembro de 2000, e seu regulamento, o Decreto nº 5.296, de 2 de dezembro de 2004, estabelecem normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade dessas pessoas, inclusive quanto ao atendimento prioritário e ao acesso às edificações das instituições financeiras, de acordo com os parâmetros estabelecidos pela Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT, no que não conflitar com as disposições da referida Lei Federal nº 7.102, de 1983, observando-se, ainda, o que consta da Resolução nº 2.878, de 26 de julho de 2001, do Conselho Monetário Nacional. Logo, relativamente a esse aspecto, mostra-se despicienda a previsão contida na mensagem vinda à sanção.
Por derradeiro, tendo-se em conta a impossibilidade de sanção da previsão quanto à obrigatoriedade de instalação de portas automáticas eletrônicas de segurança nas agências e demais instituições financeiras, conforme acima exposto, ficam prejudicadas, em virtude de sua acessoriedade, os comandos contidos nos artigos 3º, 4º, 5º, 6º e 7º da propositura, relativos, respectivamente, à necessidade de existência de “kit” simulador de pertences pessoais destinado ao ajuste do mencionado artefato de segurança, à dispensa desse artefato nos casos que especifica, ao condicionamento da concessão de “habite-se” (atualmente denominado “auto de conclusão”) ao atendimento das disposições da nova lei, à cominação das penalidades que indica e ao prazo de 120 (cento e vinte) dias para a adequação dos estabelecimentos alcançados pela proposta de normatização objeto deste projeto de lei.
Diante de todo o exposto, evidenciadas à saciedade as razões de constitucionalidade, de ilegalidade e de interesse público que me compelem a vetar integralmente a medida aprovada, devolvo o assunto ao reexame dessa Colenda Casa de Leis.
Na oportunidade, renovo a Vossa Excelência meus protestos de apreço e consideração.
GILBERTO KASSAB
Prefeito
Ao
Excelentíssimo Senhor
ANTONIO CARLOS RODRIGUES
Digníssimo Presidente da Câmara Municipal de São Paulo
Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo