Razões de Veto ao Projeto de Lei nº 862/97
Ofício ATL nº 124/03
Senhor Presidente
Nos termos do Ofício nº 18/Leg.3/0069/2003, Vossa Excelência encaminhou à sanção cópia autêntica da lei decretada por essa Egrégia Câmara, relativa ao Projeto de Lei nº 862/97, proposto pelo Vereador Wadih Mutran, que dispõe sobre a obrigatoriedade de apresentação da Carteira de Vacinação em dia como requisito para a realização da matrícula em creches e escolas municipais, e dá outras providências.
Não obstante os meritórios propósitos de que se imbuiu seu ilustre autor, impõe-se o veto total ao texto aprovado, por inconstitucionalidade, ilegalidade e contrariedade ao interesse público, nos termos das razões a seguir aduzidas.
A propositura, em resumo, ao dispor sobre requisito para a realização da matrícula em creches e escolas municipais, estabelece vedação de ingresso a um serviço público municipal a quem não detiver a mencionada carteira de vacinação em dia.
Patente que a medida, ao legislar sobre serviço municipal invade seara alheia, pois as leis que tratam de organização administrativa, serviços públicos e atribuições de órgãos municipais são de iniciativa privativa do Chefe do Executivo, por força do disposto, respectivamente, no inciso IV do § 2° do artigo 37 e no inciso XVI do artigo 69, ambos da Lei Orgânica do Município de São Paulo.
Assim sendo, a propositura extrapola de forma cristalina as atribuições da Câmara e invade a esfera de competências específicas do Executivo, configurando infringência ao princípio constitucional da independência e harmonia entre os Poderes, consagrado no artigo 2º da Constituição Federal e reproduzido no artigo 6º da Lei Orgânica do Município de São Paulo.
De outra parte, o projeto aprovado incorre em descumprimento a outras normas constitucionais e legais, considerando que a matéria concernente aos direitos da criança e do adolescente, notadamente à educação, está disciplinada em diversos dispositivos da Constituição Federal, do Estatuto da Criança e do Adolescente e da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que estabelecem ser irrestrito o direito de acesso à educação.
Com efeito, a Constituição Federal, em seus artigos 205 e 206, inciso I, estabelece o seguinte:
“Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
I. Igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;”
Por sua vez, a Lei Federal n° 8.069, de 13 de julho de 1990, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, reza:
“Art. 3° A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.
Art. 4° É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte e ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.
Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende:
....................................................................................
b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública;
....................................................................................
Art. 5° Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.
Art. 53. A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho, assegurando-se-lhes:
I. Igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
...................................................................................”
Finalmente, a Lei Federal n° 9.394, de 20 de dezembro de 1996 — Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, dispõe:
“Art. 2° A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.”
Diante dos dispositivos legais mencionados, nota-se a impossibilidade de a legislação municipal criar embaraços para o ingresso aos equipamentos municipais mencionados na propositura, mediante a exigência de documento para matrícula que não está previsto nas normas legais próprias.
Por outra linha de considerações, há que se constatar que a matéria concernente à exigência de vacinação infantil para evitar as enfermidades que atingem tal faixa etária também tem sua previsão no Estatuto da Criança e do Adolescente. É o que se lê de seu artigo 14, verbis:
“Art. 14. O Sistema Único de Saúde promoverá programas de assistência médica e odontológica para a prevenção das enfermidades que ordinariamente afetam a população infantil, e campanhas de educação sanitária para pais, educadores e alunos.
Parágrafo único. É obrigatória a vacinação das crianças nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias.”
Ocorre que a fiscalização dessa determinação legal não pode ser efetuada mediante a instituição de um obstáculo ao ingresso nos serviços públicos. Já existe previsão legal de órgão competente para averiguar se todos os direitos das crianças e adolescentes estão sendo implementados, que é o Conselho Tutelar criado pelo artigo 131 do ECA, que o define como “órgão permanente e autônomo, não jurisdicional, encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente, definidos nesta Lei”.
Pelo exposto, estou impedida de acolher o texto vindo à sanção, o que me compele a vetá-lo inteiramente, por inconstitucionalidade, ilegalidade e contrariedade ao interesse público, com fulcro no artigo 42, § 1º, da Lei Orgânica do Município de São Paulo.
Devolvo o assunto, pois, à apreciação dessa Egrégia Câmara que, com seu elevado critério, se dignará a reexaminá-lo.
Na oportunidade, renovo a Vossa Excelência protestos de elevado apreço e distinta consideração.
MARTA SUPLICY
Prefeita
Ao
Excelentíssimo Senhor
ARSELINO TATTO
Presidente da Câmara Municipal de São Paulo
Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo