CASA CIVIL DO GABINETE DO PREFEITO

Acessibilidade

RAZÕES DO VETO AO PROJETO DE LEI Nº 77/2003; OFÍCIO DE 8 de Janeiro de 2004

Razões de Veto ao Projeto de Lei nº 77/03

OF ATL nº 029/04

Senhor Presidente

Tenho a honra de acusar o recebimento do Ofício nº 18/Leg.3/737/2003, com o qual Vossa Excelência encaminhou à sanção cópia autêntica da lei decretada por essa Egrégia Câmara, em sessão de 27 de novembro de 2003, relativa ao Projeto de Lei nº 77/03, de autoria do Vereador Toninho Paiva, o qual dispõe sobre a criação de Serviço de Verificação de Óbito Regional nos hospitais das Autarquias Hospitalares Municipais Regionais.

Não obstante os meritórios propósitos que nortearam seu autor, a medida não reúne condições de ser convertida em lei, impondo-se seu veto total, com fulcro no § 1º do artigo 42 da Lei Orgânica do Município de São Paulo, por inconstitucionalidade, ilegalidade e contrariedade ao interesse público, nos termos das considerações a seguir aduzidas.

A propositura, além de criar o Serviço de Verificação de Óbitos Regional nos hospitais integrantes das Autarquias Hospitalares Municipais Regionais, estabelece competências e atribuições do referido órgão e institui normas e procedimentos referentes aos trabalhos de necrópsia, embalsamento e comunicações pertinentes.

Resta evidente, pois, que a mensagem aprovada dispõe sobre assunto inserido no campo da proteção e defesa da saúde, incidindo em inconstitucionalidade, por exceder os limites da competência do Município para disciplinar a matéria.

Como se sabe, a competência para legislar sobre questões relacionadas à proteção e defesa da saúde cabe concorrentemente à União e aos Estados, tendo a Constituição da República outorgado aos Municípios competência para disciplinar a matéria apenas em caráter suplementar, vale dizer, adaptando seu ordenamento local às legislações federal e estadual, no que couber, por força do disposto em seus artigos 24, inciso XII, e 30, inciso II.

A questão também não constitui assunto de interesse local, previsto no artigo 30, inciso I, do texto constitucional, caracterizado pela predominância do interesse do Município em relação ao do Estado e da União.

Por outro lado, a doutrina, ao tratar da competência do Município para disciplinar o serviço funerário, conclui por sua limitação às atividades relacionadas a confecção de caixões, organização do velório, transporte de cadáveres e administração de cemitérios, não abrangendo, porém, as questões atinentes à realização de necrópsias.

Assim ensina o Professor Diógenes Gasparini:

“Apesar deste largo poder de regulamentação, não cabe ao Município dispor de forma ampla sobre o serviço funerário. Com efeito, a regulamentação e execução do transporte funerário, uma de suas partes componentes, ora lhe compete, ora não, dado que podem ser da competência da União ou do Estado-Membro. Tampouco lhe cabe intervir em alguns de seus aspectos particulares, a exemplo da saúde pública, ou expedir normas sobre autópsia, exumação e inumação de cadáveres. Tais atribuições são, em princípio, da responsabilidade do Estado-Membro.” (in RDP 82/216)

Destarte, com fundamento em suas atribuições constitucionais, o Estado de São Paulo editou a Lei nº 5.452, de 22 de dezembro de 1986, que reorganiza os Serviços de Verificação de Óbitos em seu território, cujas competências coincidem com aquelas conferidas pelo artigo 2º do texto aprovado.

A propósito, destaca-se que os artigos 8º, 9º, 11 e 12 da lei estadual supracitada dispõem sobre o Serviço de Verificação de Óbitos da Capital – SVOC, órgão anexado ao Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, nos termos da Lei Estadual nº 10.095, de 3 de maio de 1968, e do Decreto Estadual nº 10.139, de 18 de abril de 1939.

Cabe assinalar que, de acordo com tais disposições, incumbe ao SVOC, dentre outras atribuições, realizar as necrópsias de pessoas falecidas de morte natural sem assistência médica ou com atestado de óbito de moléstia mal definida, fornecendo os respectivos atestados de óbito, desde que a morte tenha ocorrido no Município de São Paulo. Para tanto, o Serviço de Verificação de Óbitos da Capital poderá, inclusive, credenciar instituições públicas ou privadas que satisfaçam as condições por ele estabelecidas para a realização de necrópsias.

Verifica-se, portanto, que o assunto está amplamente regulamentado pela legislação estadual, competindo ao órgão estadual acima referido, e não ao Município, a instituição, a prestação, a regulação e a fiscalização do serviço, razão pela qual a propositura reveste-se de inequívoca ilegalidade.

Ademais, ao instituir novo tipo de serviço na estrutura administrativa municipal, resta patente que a mensagem aprovada dispõe sobre matéria relativa a organização administrativa, serviços públicos e matéria orçamentária, impondo novas atribuições e encargos para os órgãos municipais, com interferência em suas atividades e funções, o que é defeso ao Legislativo, por expressa disposição legal.

Ressalte-se, ainda, que a medida implica a existência de verbas, envolvendo, pois, matéria orçamentária.

Com efeito, as leis que tratam de organização administrativa, serviços públicos e matéria orçamentária, são de iniciativa privativa do Prefeito, “ex vi” do disposto no inciso IV do § 2º do artigo 37, combinado com o artigo 69, inciso XVI, ambos da Lei Maior Local.

Indiscutivelmente, a propositura extrapola o âmbito do Legislativo e invade a esfera de competências específicas do Executivo, ferindo o princípio constitucional da independência e harmonia entre os Poderes, consagrado no artigo 2º da Constituição Federal e reproduzido no artigo 6º da Lei Orgânica do Município de São Paulo.

Ao mesmo tempo, a instituição do mencionado serviço nas autarquias hospitalares regionais municipais, que compreendem cerca de 12 (doze) hospitais e 18 (dezoito) pronto-socorros, acaba por onerar seriamente os cofres municipais, importando evidente aumento de despesas, sem contar, todavia, com a correspondente indicação de recursos, achando-se francamente em desacordo com a Lei Complementar Federal nº 101, de 4 de maio de 2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal), em seus artigos 15 e 16.

É forçoso destacar que o dispêndio de tais recursos far-se-á sem benefício da população, vez que o serviço já é prestado adequadamente pelo órgão estadual acima mencionado, impondo injustificado ônus ao Município, o que não se coaduna com o interesse público.

Por conseguinte, em que pese seu nobre intuito, o texto aprovado, além de eivado de incontornáveis vícios de inconstitucionalidade e ilegalidade, desatende ao interesse público, razões pelas quais vejo-me compelida a apor-lhe veto integral, com fulcro no § 1º do artigo 42 da Lei Maior Local.

Assim sendo, devolvo o assunto, pois, à apreciação dessa Egrégia Câmara que, com seu elevado critério, se dignará a reexaminá-lo, renovando a Vossa Excelência, na oportunidade, protestos do mais alto apreço e consideração.

MARTA SUPLICY

Prefeita

Ao

Excelentíssimo Senhor

ARSELINO TATTO

Presidente da Câmara Municipal de São Paulo

 

Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo