CASA CIVIL DO GABINETE DO PREFEITO

Acessibilidade

RAZÕES DO VETO AO PROJETO DE LEI Nº 74 de 11 de Dezembro de 2002

Razões de Veto ao Projeto de Lei nº 74/2002

Ofício ATL. nº 746/02

Ref.: Ofício nº 18/Leg.3/0680/2002

Senhor Presidente

Por meio do ofício acima referenciado, ao qual ora me reporto, Vossa Excelência encaminhou à sanção cópia autêntica de lei decretada por essa Egrégia Câmara em sessão do último dia 7 de novembro, relativa ao Projeto de Lei nº 74/2002, de autoria do Vereador William Woo, dispondo sobre a instituição de “pro labore” a ser concedido, pela Prefeitura do Município de São Paulo, aos policiais civis e militares lotados nas unidades que efetuam o policiamento ostensivo e repressivo na Cidade de São Paulo.

Da ementa do texto aprovado já deflui o mérito da intenção de seu autor, induvidosamente louvável. Ainda assim, o veto é de rigor, na conformidade das razões a seguir explicitadas. A primeira delas, de caráter formal, está conectada à evidente inconstitucionalidade que vicia a lei decretada por essa Câmara Municipal.

De fato, ao dispor sobre a concessão de “pro labore”, ou seja, de uma remuneração mensal, a policiais civis e militares, textualmente, em efetivo serviço operacional na Capital, vale dizer, em razão do serviço público que prestam – pelo qual, aliás, já são remunerados pelo ente da Federação ao qual são vinculados —, a medida aprovada, em seu aspecto formal, contraria o estatuído no artigo 37, § 2º, inciso IV, da Lei Orgânica do Município de São Paulo, a teor do qual as leis que disponham sobre organização administrativa, serviços públicos e matéria orçamentária são de iniciativa privativa do Prefeito.

Não sem razão assim dispõe a Lei Maior local, posto que o faz em norma de repetição obrigatória da Constituição Federal.

Efetivamente, o mencionado artigo 37 da Lei Orgânica reproduz, atendendo às peculiaridades do Município, o disposto no artigo 61, § 1º, da Constituição da República, e o faz porque – seguindo princípio já acolhido pelo Supremo Tribunal Federal – a cláusula de reserva pertinente ao poder de instauração do processo legislativo traduz preceito constitucional de observância obrigatória pelos componentes da Federação, ou seja, Estados, Municípios e Distrito Federal.

De resto, na base da referida cláusula de reserva está a melhor visão que o Poder Executivo tem, por força de suas próprias atribuições, a respeito da organização administrativa, serviços públicos e matéria orçamentária.

Em assim sendo, tem-se que, ao contrariar a Lei Orgânica do Município, que, por sua vez, repete norma da Constituição Federal, o texto aprovado é, sem sombra de dúvida, inconstitucional, circunstância que, mesmo única, já me obrigaria ao presente veto.

Mas, como de início aventei, diversas são as razões que me levam à adoção desta medida extrema; não apenas, a apontada inconstitucionalidade do texto em questão. Senão, vejamos.

Ao pretender interferir na prestação dos serviços de segurança pública no Município de São Paulo, a lei decretada por essa Egrégia Câmara constitui-se em evidente afronta à autonomia do Estado de São Paulo.

Efetivamente, não é de competência municipal prover a segurança pública e, bem por isso, não cabe ao Município de São Paulo manter tal serviço, que é de competência estadual. Ou, por outras palavras, e de modo mais abrangente: não cabe ao Município remunerar servidores pertencentes aos quadros de outros entes da Federação, que detêm competências próprias e que já são remunerados para a prestação de seus serviços nesta Municipalidade.

Sendo essa a regra geral, possibilidades outras deverão atender ao disposto no artigo 241 da Constituição Federal, a teor do qual somente por meio de consórcios públicos e de convênios de cooperação entre os entes federados será autorizada a gestão associada de serviços públicos, bem como a transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens.

Ora, do mero cotejo entre as presentes considerações e o teor do texto aprovado resulta a constatação de sua incompatibilidade com o ordenamento jurídico vigente, o que inviabiliza, também sob esse aspecto, a pretendida sanção.

De resto, a tanto não se chegaria nem mesmo na inexeqüível hipótese de se transporem os aspectos nestas razões de veto levantados. É que, além de tudo, o texto aprovado mostra-se contrário ao interesse público da Cidade.

Com efeito, devidamente autorizada pela Lei Maior local, a teor do disposto em seu artigo 88, a Prefeitura do Município de São Paulo mantém a Guarda Civil Metropolitana, destinada, conforme previsão legal, à proteção de bens, serviços e instalações municipais.

Por sua vez, o estabelecimento de diretrizes e a execução de programas de política de segurança urbana no Município estão cometidos à Secretaria Municipal de Segurança Urbana, criada por meio da Lei nº 13.396, de 26 de julho de 2002, com o precípuo objetivo de ampliar a participação do Município no setor em evidência.

A Guarda Civil Metropolitana, que está incluída na estrutura administrativa da referida Secretaria, conta, atualmente, com cerca de 5.000 (cinco mil) integrantes, direcionados à ação comunitária, de caráter local.

Assim sendo, e para o êxito dessa ação, deve o Poder Executivo Municipal envidar todos os esforços, alocando recursos na Guarda Civil Metropolitana, não lhe competindo a remuneração de servidores vinculados aos quadros de outros entes da Federação e que, no exercício das atribuições que lhe são próprias, já são por seus órgãos de origem remunerados.

Em suma, o pagamento, pela Prefeitura, do proposto “pro labore” a todos os policiais civis e militares em serviço operacional na Cidade drenaria recursos que poderiam ser destinados à realização de investimentos tendentes à valorização dos serviços prestados pela Guarda Civil Metropolitana, circunstância que, a toda evidência, contraria o interesse público.

Por fim, ainda outras considerações poderiam ser tecidas, demonstradoras de quão imperioso é o presente veto. Por exemplo, o fato de que o texto aprovado dispõe sobre a concessão, aos policiais em causa, de “pro labore”, que é, na verdade, e de acordo com ilustres administrativistas, espécie de gratificação paga ao servidor público em razão de condições anormais em que realize o serviço.

Ora, na hipótese em apreço, os policiais estão no desempenho de funções habituais, em condições não extraordinárias, subordinados ao órgão de origem e por ele remunerados. Ademais, embora atuando no Município de São Paulo, não estão a serviço da Administração Municipal, propriamente. O que fazem é exercer as atribuições inerentes a seus cargos, com subordinação ao Governo do Estado de São Paulo, ao qual legalmente compete prover a segurança pública.

Tudo isso equivale a dizer que, sancionado o texto em questão, passaria o erário municipal a arcar com uma remuneração extra a ser atribuída aos policiais em causa, ditada pelo fato de estarem eles lotados na Cidade de São Paulo, sem relação com qualquer projeto ou programa a ser desenvolvido em parceria com o Governo do Estado.

Concluindo a abordagem de aspectos gerais, relativamente à lei decretada por essa Egrégia Câmara com base em projeto de Vereador antes nominado, não posso deixar de dar ênfase à evidente afronta à autonomia do Estado de São Paulo, indo o texto em causa ao extremo de estabelecer obrigações para o Comandante Geral da Polícia Militar e para o Delegado Geral de Polícia Civil, o que caracteriza ofensa ao chamado pacto federativo.

Sem mais me alongar e reputando suficientemente explicitados os motivos que me compelem a não sancionar o texto que Vossa Excelência, por meio do ofício referenciado, me encaminhou, delibero por vetá-lo, integralmente, o que ora faço, com fulcro no artigo 42, § 1º, da Lei Orgânica do Município de São Paulo.

Reencaminhando, portanto, a matéria ao sempre criterioso reexame dessa Egrégia Câmara, valho-me da oportunidade para renovar a Vossa Excelência protestos de elevado apreço e da mais distinta consideração.

HÉLIO BICUDO

Prefeito em exercício

Ao Excelentíssimo Senhor

JOSÉ EDUARDO MARTINS CARDOZO

Presidente da Câmara Municipal de São Paulo

 

Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo