CASA CIVIL DO GABINETE DO PREFEITO

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RAZÕES DO VETO AO PROJETO DE LEI Nº 715/2002; OFÍCIO DE 13 de Janeiro de 2004

Razões de Veto ao Projeto de Lei nº 715/02

Ofício ATL nº 058/04

Ref.: Ofício 18 – LEG. 3 nº 0772/2003

Senhor Presidente

Por meio do ofício referenciado, ao qual ora me reporto, Vossa Excelência encaminhou à sanção desta Chefia do Executivo cópia autêntica da lei decretada por essa Egrégia Câmara em sessão de 27 de novembro de 2003, relativa ao Projeto de Lei nº 715/02, de autoria do Vereador Gilberto Natalini, que dispõe sobre a instituição, no âmbito do Município de São Paulo, do Índice de Responsabilidade Socioambiental.

Sem embargo dos elevados propósitos que certamente nortearam o Parlamentar autor da propositura, impõe-se veto total ao texto aprovado, com fulcro no § 1º do artigo 42 da Lei Orgânica do Município de São Paulo, por inconstitucionalidade, ilegalidade e contrariedade ao interesse público, como a seguir se demonstrará.

Para bem explicitar a questão faz-se necessário aduzir, preliminarmente, que o Índice de Responsabilidade Socioambiental, sobre cuja instituição dispõe a mensagem aprovada, teria os objetivos de orientar e aferir as políticas públicas desenvolvidas pelo Poder Público Municipal, e contemplaria, em cada distrito do Município, diversos indicadores, hábeis a medir, em larga escala, a qualidade de vida na Cidade. A propositura estabelece, ainda, que o índice em questão seria apurado por intermédio de metodologia similar àquela desenvolvida pela Organização das Nações Unidas (ONU) para a elaboração do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e do Índice de Pobreza Humana (IPH).

Isto posto, impende assinalar, de pronto, que o Município já conta com legislação relativa ao tema, que vem sendo contemplado, pela Administração Municipal, de forma mais ampla do que aquela proposta pelo texto trazido à sanção.

Efetivamente, a Lei nº 13.430, de 13 de setembro de 2002, que institui o Plano Diretor Estratégico e o Sistema de Planejamento e Gestão do Desenvolvimento Urbano do Município de São Paulo, define, em seu artigo 2º, o mencionado Plano Diretor como instrumento global e estratégico da política de desenvolvimento urbano, determinante para todos os agentes públicos e privados que atuam no Município. Por seu turno, o parágrafo único do artigo 4º estabelece que o Sistema de Planejamento e Gestão, a ser conduzido pelo setor público, deverá garantir a necessária transparência e a participação dos cidadãos e de entidades representativas.

Ao tratar, em seu Título IV, da gestão democrática do sistema de planejamento urbano, a referida Lei nº 13.430/2002 cria, a teor do disposto em seu artigo 264, o Sistema Municipal de Informações, cuja atualização deverá ser permanente, abrangendo informes sociais, culturais, econômicos, financeiros, patrimoniais, administrativos, físico-territoriais, inclusive cartográficos e geológicos, ambientais, imobiliários e outros de relevante interesse para o Município. Em seus parágrafos, o mesmo artigo 264 a que venho me referindo determina ampla e periódica divulgação dos dados constantes do Sistema Municipal de Informações, bem como estabelece que o sistema em pauta deverá oferecer indicadores de qualidade dos serviços públicos, da infra-estrutura instalada e de demais temas pertinentes a serem anualmente aferidos, tudo com o evidente escopo de traçar, de forma abrangente, a realidade do Município, que deverá ser de conhecimento público e que servirá de parâmetro para a eficaz atuação do Poder Municipal.

Como deflui do exposto, já vem a Administração Municipal dispensando ao tema objeto da mensagem aprovada a atenção e o cuidado por ele demandados, até porque são os indicadores em comento que balizam a atuação do Município, constituindo-se em instrumentos valiosos de gestão e planejamento estratégico, bem como em meio hábeis a direcionar a aplicação de políticas e recursos públicos, de modo a, progressivamente, elevar a qualidade de vida dos moradores da Cidade.

A este passo cabe observar que, gerenciando os elementos alusivos ao Sistema Municipal de Informações, a Secretaria Municipal de Planejamento Urbano mantém, em portal na internet, um Guia de Informações Estatísticas sobre o Município de São Paulo intitulado “São Paulo em Números”, que disponibiliza aos cidadãos uma gama enorme de informações municipais e distritais sobre os mais variados temas. Também a Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente e a Secretaria Municipal da Saúde, assim como outras Pastas, têm páginas eletrônicas no “site” em questão, todas contemplando informações de que a mensagem aprovada cogita. Em assim sendo, transformá-la em lei equivaleria a conferir o aval do Executivo a medidas sobre as quais já se registra a devida disciplina legal, bem como sua efetiva implementação. Demais disso, e considerando, como exposto, a atuação da Prefeitura do Município de São Paulo na área em tela, tem-se que a sanção pretendida redundaria em duplicação de esforços e em desperdício de recursos técnicos, além de onerar desnecessariamente os cofres públicos, inclusive com a eventual contratação de serviços externos correlatos aos já efetuados no âmbito da Administração Municipal. De conseguinte, não há como negar que o texto aprovado incide em evidente contrariedade ao interesse público, além de configurar hipótese francamente em desacordo com a Lei Complementar Federal nº 101, de 4 de maio de 2000, em seus artigos 15 e 16: é que o inegável aumento de despesas que decorreria da sanção do texto não conta, todavia, com a correspondente e necessária indicação de recursos.

No mais, cumpre enfatizar o aspecto relativo à imposição de obrigações e ônus para a Prefeitura do Município de São Paulo, imposição essa que o texto aprovado traz subjacente, e que acaba por interferir nas atribuições dos órgãos municipais aos quais compete tratar da questão em apreço, a afrontar o salutar princípio constitucional de independência e harmonia entre os Poderes, consagrado no artigo 2º da Constituição Federal e reproduzido no artigo 5º da Carta Estadual e no artigo 6º da Lei Maior local.

Efetivamente, de acordo com o que estabelece o artigo 69, inciso XVI, da Lei Orgânica do Município de São Paulo, compete privativamente ao Prefeito propor à Câmara projetos de lei que disponham sobre criação e alteração das Secretarias Municipais, inclusive sobre suas estruturas e atribuições.

De outra parte, e a par da perpetrada invasão de competência a que aludi, é de se registrar outra impropriedade que macula a mensagem, impropriedade essa atinente ao seu próprio mérito. Senão vejamos.

Ao propor a instituição, no Município de São Paulo, do Índice de Responsabilidade Socioambiental, o texto em pauta discrimina seus objetivos, a saber, o de orientar e aferir as políticas públicas desenvolvidas pelo Poder Público Municipal, bem como o de avaliar a eficácia da atuação governamental deste Executivo.

Ora, ocorre que, da leitura dos itens relacionados no parágrafo único do artigo 2º do texto cuja sanção se busca, é forçoso reconhecer que o cogitado índice não se prestaria, com precisão, aos objetivos a que se propôs, na medida em que estaria impactado por indicadores relativos a questões que extrapolam as competências legais da Prefeitura do Município de São Paulo.

É o que acontece, por exemplo, com o indicador que abre a relação constante do parágrafo único do artigo 2º do texto aprovado, ou seja, aquele relativo à renda familiar média, que, bem de ver, configura item sobre o qual o Poder Executivo Municipal tem limitada atuação. De fato, a renda familiar média está correlacionada a fatores que desbordam das competências estritas do Município, uma vez que estão conectados aos níveis de empregabilidade e às condições que para tanto no momento vigoram.

Então, acerca de tal aspecto, o que o índice proposto apurasse, ainda que refletisse a realidade do Município no particular, não poderia se destinar a aferir a eficiência da atuação governamental deste Executivo, o qual não tem, dentre suas atribuições legais, a matéria que envolve, diretamente, as políticas maiores de equacionamento da empregabilidade da população.

Outro exemplo de indicador correlacionado a questão estranha às competências do Poder Executivo Municipal está cristalizado no inciso III do citado parágrafo único do artigo 2º do texto aprovado. Trata-se do índice de mortalidade por causas externas, obviamente correlacionado à matéria referente à segurança pública, a respeito da qual é vedado ao Município legislar e dispor, cabendo ao Estado fazê-lo. Conseqüentemente, e com o uso de tal índice, mais uma vez o que viesse a se aferir não reflitiria a atuação do Poder Público Municipal.

Como cristalinamente deflui do exposto, o texto aprovado não tem condições de prosperar e de vir a ser convertido em lei, impondo-se seu veto total, seja, resumidamente, por contemplar medidas de que a Administração Municipal, fundada em adequada legislação, já se vale, mesmo porque, para governar no nível local, é fundamental o conhecimento da realidade do Município, para definição e aplicação das políticas públicas; seja pela inegável invasão na esfera de atribuições dos órgãos municipais competentes, pela mensagem cometida ao impor ônus e obrigações ao Poder Executivo Municipal; seja, por fim, pela impropriedade de alguns dos indicadores propostos para composição do índice cogitado, indicadores esses que, por versarem sobre questões estranhas à esfera de atribuições do Poder Público Municipal, não poderiam aferir a eficácia de suas políticas.

Em assim sendo, por inconstitucionalidade, ilegalidade e contrariedade ao interesse público, e com fulcro, portanto, no § 1º do artigo 42 da Lei Orgânica do Município de São Paulo, aponho, ao texto em questão, o presente veto total, reencaminhando o assunto à sempre criteriosa apreciação dessa Egrégia Câmara.

Ante a oportunidade, renovo protestos de elevado apreço e da mais distinta consideração.

MARTA SUPLICY

Prefeita

Ilustríssimo Senhor

ARSELINO TATTO

Presidente da Câmara Municipal de São Paulo

 

Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo