Razões de Veto ao Projeto de Lei nº 709/01
Ofício A.T.L. nº 196/02
Senhor Presidente
Tenho a honra de acusar o recebimento do ofício nº 18/Leg 3/0123/2002, com o qual Vossa Excelência encaminhou à sanção cópia autêntica da lei decretada por essa Egrégia Câmara, em sessão de 14 de março de 2002, relativa ao Projeto de Lei nº 709/01.
O projeto aprovado, de autoria do Vereador Carlos Apolinário, ao dispor, conforme sua ementa, sobre as restrições ao uso e à propaganda de produtos fumígeros e bebidas alcoólicas no Município de São Paulo, impõe às empresas responsáveis pela afixação de outdoors a necessidade de cadastrar todos os locais de sua exibição, o pagamento à Prefeitura pela colocação desses anúncios e a aplicação de multa em caso de descumprimento. Prevê, por fim, que os recursos arrecadados serão destinados ao Fundo Municipal de Saúde, com rubrica específica destinada à prevenção e ao tratamento de dependência química.
Não obstante se possa reconhecer os meritórios propósitos que nortearam seu ilustre autor, a medida não reúne condições de ser convertida em lei, pelo que, nos termos do artigo 42, § 1º, da Lei Orgânica do Município de São Paulo, vejo-me na contingência de vetar integralmente o texto aprovado por inconstitucionalidade, ilegalidade e contrariedade ao interesse público, pelas razões a seguir expostas.
Preliminarmente, é de se apontar que o texto apresenta falhas de redação, que comprometem sua objetividade e a própria eficácia da medida pretendida pelo autor.
Com efeito, verifica-se que apenas a ementa indica dispor a propositura sobre as restrições ao uso e à propaganda de produtos fumígeros e bebidas alcoólicas, ao passo que a sua parte normativa — que compreende as normas de conteúdo substantivo relacionadas com a matéria regulada —, não explicita o objeto da lei, uma vez que sequer menciona os produtos que terão sua propaganda restringida, não havendo qualquer disposição relativa ao uso de tais produtos, fato que, evidentemente, compromete a aplicação da medida.
Restaram, assim, desatendidas as disposições contidas nos artigos 3º a 11 da Lei Complementar nº 95, de 26 de fevereiro de 1998, que dispõe sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis.
No que tange à disciplina que pretende introduzir, a propositura estabelece que as empresas responsáveis pela colocação e afixação de outdoors no Município deverão cadastrar todos os locais em que serão exibidas propagandas dos produtos de que trata, assim entendidos os produtos fumígeros e bebidas alcoólicas citados na ementa, devendo, ainda, pagar aos cofres do Município o valor de R$ 500,00 (quinhentos reais) para cada outdoor colocado.
Inferindo-se ter tal pagamento a natureza de uma taxa, sua cobrança não encontra respaldo na Constituição da República.
Com efeito, a Magna Carta, a teor de seu artigo 145, inciso II, define claramente as hipóteses de cobrança de taxas, quais sejam “em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos à sua disposição”.
No caso, a toda evidência, a cobrança que se pretende instituir não se enquadra em nenhuma das hipóteses constitucionalmente previstas.
De outra parte, à vista do comando contido no artigo 220 da Constituição Federal, foi editada a Lei Federal nº 9.294, de 15 de julho de 1996, que dispõe sobre restrições ao uso e à propaganda de produtos fumígeros e bebidas alcoólicas.
Observa-se, pois, que o texto vindo à sanção traz matéria atinente à competência federal, já regulada pela norma supra citada, incorrendo, também neste aspecto, em vício de inconstitucionalidade.
Sobre o assunto e no âmbito da competência municipal, a ordenação de anúncios na paisagem do Município e a fixação de normas para sua veiculação são disciplinadas pela Lei nº 12.115, de 28 de junho de 1996, que o faz exclusivamente no seu aspecto paisagístico, na medida em que dispõe sobre a forma, dimensão dos anúncios e a posição deles em face da edificação ou do terreno que os abrigará.
O texto aprovado, assim, está em descompasso com a citada lei, que, em razão dos critérios adotados pelo legislador, sequer menciona a palavra outdoor, restando a expressão sem definição legal e técnica, fato que praticamente inviabilizaria a aplicação do texto aprovado.
É patente a inocuidade da propositura considerando-se que não haveria impedimento para a veiculação das mensagens em apreço por meio de outros tipos de suporte, como, por exemplo, empenas cegas de edificações, “back lights” e totens, pelos quais as empresas certamente optariam, já que pagariam apenas a Taxa de Fiscalização de Anúncios prevista para seu licenciamento.
Quanto ao conteúdo em si da mensagem publicitária, não é de responsabilidade dos Municípios, sendo regulado exclusivamente pelo Código de Auto-Regulamentação Publicitária. Assim, não obstante possa haver licença concedida pelo Cadastro de Anúncios da Prefeitura - CADAN, nada obsta que o órgão encarregado de fiscalizar a execução da lei federal encontre anúncio de conteúdo proibido e imponha a respectiva sanção.
Outro aspecto que, igualmente, macula o texto aprovado é a determinação de que os recursos arrecadados sejam destinados ao Fundo Municipal de Saúde, com rubrica específica para a prevenção e tratamento de dependência química.
A realização de programas da administração municipal deve se dar dentro da normal execução orçamentária, não sendo adequada a destinação específica de recursos a determinados fins, dissociada das demais ações da Administração. É de se reconhecer que a atividade de prevenção e tratamento de dependência química deve ser custeada por impostos, e não por taxas, vez que se trata de serviço público inespecífico, indivisível e gratuito.
Assim, em não se tratando de recursos vinculados, há que se observar o princípio da não-afetação da receita: todos os recursos são recolhidos ao caixa único e servem para financiar todos os serviços, não podendo ser afetados a nenhum fundo, serviço ou despesa determinada.
Pelas razões expostas, das quais resultam a evidente inconstitucionalidade e ilegalidade da propositura, que se mostra, ademais, contrária ao interesse público, impõe-se seu veto total, com base no artigo 42, § 1º, da Lei Orgânica do Município.
Devolvo, pois, o assunto à nova apreciação dessa Egrégia Câmara Municipal, renovando a Vossa Excelência meus protestos de apreço e consideração.
MARTA SUPLICY
Prefeita
Ao Excelentíssimo Senhor
José Eduardo Martins Cardozo
Presidente da Câmara Municipal de São Paulo
Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo