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RAZÕES DO VETO AO PROJETO DE LEI Nº 700/2007; OFÍCIO DE 8 de Fevereiro de 2008

Razões de Veto ao Projeto de Lei nº 700/07

Ofício ATL nº 43/08

Ref.: Ofício SGP 23 nº 0057/2008

Senhor Presidente

Nos termos do ofício referenciado, Vossa Excelência encaminhou a esta Chefia do Executivo cópia autêntica da lei decretada por essa Egrégia Câmara, relativa ao Projeto de Lei nº 700/07, de autoria da Vereadora Lenice Lemos, que dispõe sobre a coleta e destinação de resíduos variados contaminados com óleos.

O projeto aprovado estabelece que os resíduos sólidos, produzidos na troca de óleo e contaminados com óleo, deverão ser recolhidos e ter destinação final na conformidade das regras que especifica. Para tanto, indica definições de termos relativos a agentes intervenientes, respectivas atividades e documentos relacionados (coletor, coleta, certificados de coleta e de recebimento, gerador, reciclagem, recolhimento, reciclador, revendedor, co-processamento e processador de filtros). Fixa, ainda, responsabilidades pelo recolhimento dos filtros de óleo lubrificante ou combustível, atribuídas em limites diversos aos vários agentes envolvidos (revendedor final, produtor, importador, distribuidor de filtros novos, gerador do filtro usado contaminado, revendedor do filtro). Tais agentes deverão, alternativamente, contratar empresa coletora autorizada pelo órgão regulador da indústria do petróleo ou habilitar-se como empresa coletora, não se eximindo, porém, da sobredita responsabilidade, inclusive quanto a ações e omissões dos coletores que contratarem. Atribui, ainda, à Secretaria do Verde e do Meio Ambiente diversas incumbências, em termos de controle e fiscalização, bem como de prestação de informações estatísticas e a manutenção de grupo de monitoramento permanente. Proíbe o descarte dos filtros em diversos locais, inclusive no mar territorial.

Em seção específica, estipula as obrigações dos diversos agentes envolvidos: a) revendedor (receber embalagens e filtros usados, emitir e arquivar documentos, prestar informações, manter controles e armazenamentos adequados, dentre outras); b) produtor (divulgar em embalagens e informes técnicos as informações que especifica); c) gerador (adotar medidas para evitar o descarte inadequado, alienar os filtros usados ao coletor autorizado); d) coletor (firmar contrato com empresas de processamento, disponibilizar contratos e prestar informações ao órgão ambiental, emitir documentos, garantir as condições de segurança das atividades relacionadas aos filtros); f) processadores dos filtros (receber filtros, manter cadastros e emitir documentos, destinar o material a recicladores); g) recicladores (receber embalagens, emitir documentos, manter cadastros, prestar informações e realizar atividades diversas).

Finalmente, comina aos infratores da lei as sanções previstas na Lei Federal nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998 (Lei dos Crimes Ambientais), regulamentada pelo Decreto nº 3.179, de 22 de setembro de 1999, atribuindo a fiscalização e aplicação das sanções ao órgão estadual e municipal do meio ambiente.

O projeto de lei ora encaminhado à sanção dispõe de maneira extremamente detalhada sobre os resíduos contaminados com óleos lubrificantes e aditivos, bem como filtros de óleos lubrificantes e combustíveis, matéria situada no âmbito de competência da União Federal e do Estado de São Paulo. Desse modo, sem embargo dos meritórios propósitos que nortearam sua autora, vejo-me compelido a apor veto total ao projeto ora em comento, ante sua inconstitucionalidade e ilegalidade, nos termos do § 1º do artigo 42 da Lei Orgânica do Município de São Paulo.

Observo, de início, que o município possui competência legislativa para tratar da matéria ambiental. Afora a expressa competência material comum estabelecida no artigo 23 da Constituição Federal, a leitura sistemática dos artigos 24 e 30 enseja a inequívoca conclusão de que ao município também foi dada a competência legislativa para tratar do assunto, obviamente limitada ao âmbito local.

Poder legislar em matéria ambiental, todavia, não implica a possibilidade de invadir competência alheia ou mesmo de imiscuir-se em seara que não é propriamente local, como aponta Francisco Van Acker, esclarecendo que “o município, em matéria ambiental, exerce competência administrativa em comum com a União e/ou o Estado, e tem competência legislativa concorrente, ou seja, suplementar. Conseqüentemente, suas normas devem conformar-se com as da União e do Estado, não podendo ignorá-las ou dispor contrariamente a elas” (O Município e o Meio Ambiente na Constituição de 1988, Revista de Direito Ambiental, São Paulo, RT, nº 1, pág. 98, 1996).

Nesse sentido, confira-se acórdão freqüentemente citado em decisões do Supremo Tribunal Federal sobre o assunto:

“Com efeito, a Constituição Federal, em seu artigo 24, VI, conferiu competência concorrente apenas à União, aos Estados e ao Distrito Federal – deixou de fora os Municípios – para legislar sobre proteção do meio ambiente, cabendo àquela estabelecer normas gerais não excludentes da competência suplementar dos Estados. Nessa competência – e não se alega sequer que, no caso, haja conflito com a norma geral estabelecida pela União – se insere, nesse primeiro exame, a competência para exigência como a estabelecida no artigo 264 da Constituição do Ceará na redação que lhe foi dada pela Emenda Constitucional nº. 22/95. Note-se que essa competência específica, que é legislativa, não entra em choque, nem muito menos é excluída, pela competência comum – que não é legislativa, mas de atuação – dada à União, aos Estados, ao Distrito Federal e também aos Municípios de ‘proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas’, ou pela competência atribuída aos Municípios, pelo artigo 30, I, da Carta Magna de ‘legislar sobre assuntos de interesse local’, até porque não só aquela competência específica afastaria essa competência genérica, mas também porque a proteção ao meio ambiente transcende do interesse puramente local.” (ADIN nº 2.142-7, rel. min. Moreira Alves, j. em 09/11/00).

O conteúdo abrangido pelo projeto aprovado encontra-se no âmbito de outras esferas normativas, em especial do CONAMA – Conselho Nacional do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (que exerce competências conferidas pela Lei Federal nº 6.938, de 31 de agosto de 1981), do Estado de São Paulo (o qual disciplina a matéria nos termos da Lei Estadual nº 12.300, de 16 de março de 2006, que institui a Política Estadual de Resíduos Sólidos), bem como da Agência Nacional do Petróleo – ANP (órgão regulador da indústria do petróleo).

Importa salientar, desde logo, que a questão das embalagens vazias de óleos lubrificantes e aditivos, bem como os filtros e todo o universo de objetos de que trata a propositura, por se ligarem intrinsecamente ao produto, tanto em sua fase de transporte, quanto após sua utilização e passagem por processos de filtragem, rege-se por regras emanadas dos referidos entes públicos, em seus múltiplos e variados aspectos, que abrangem desde embalagens apropriadas, em termos de segurança e adequação à legislação de produção e consumo, chegando até a destinação final e reciclagem dos produtos, na conformidade de leis e atos normativos pertinentes.

No aspecto abordado pela propositura, considerando que a Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT, em sua norma NBR-10.004 – Resíduos Sólidos, classifica o óleo lubrificante usado como resíduo perigoso por apresentar toxicidade e que o seu descarte inadequado no solo ou cursos de água gera graves danos ambientais, dentre outras conseqüências nocivas, a Resolução CONAMA nº 362, de 23 de junho de 2005, dispôs amplamente sobre a matéria. Reconheceu que a categoria de processos tecnológico-industriais, denominada rerrefino, corresponde ao método ambientalmente mais seguro para a reciclagem e, portanto, a melhor alternativa de gestão ambiental desse tipo de resíduo.

A referida resolução estabelece a cadeia de responsabilidade de todos os agentes e define, em seu artigo 7º, as obrigações dos produtores e importadores – de coletar todo óleo disponível ou garantir o custeio de toda a coleta de óleo lubrificante usado ou contaminado efetivamente realizada, na proporção do óleo que colocarem no mercado e a dar a destinação final, através de contratos firmados com coletores e interveniência de um ou mais rerrefinadores, e diversas outras disposições correlatas ao tratamento desse tipo de resíduo, cabendo ao órgão normativo federal o estabelecimento de disposições relativas às embalagens, filtros e outros dispositivos que se relacionam com o descarte dos produtos mencionados no projeto aprovado.

Cabe mencionar, ainda, que o artigo 8º dispõe que o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, o órgão regulador da indústria do petróleo e o órgão estadual do meio ambiente, este, quando solicitado, são responsáveis pelo controle e verificação dos percentuais de coleta de óleo usado fixados pelos Ministérios do Meio Ambiente e de Minas e Energia.

No âmbito do Estado de São Paulo foi editada a Lei nº 12.300, de 16 de março de 2006, que institui a Política Estadual de Resíduos Sólidos e define princípios e diretrizes, objetivos e instrumentos para a gestão integrada e compartilhada de resíduos sólidos, com vistas à prevenção e ao controle da poluição, à proteção e à recuperação da qualidade do meio ambiente, dentre outras disposições. Trata-se da articulação entre o Poder Público, a iniciativa privada e demais segmentos da sociedade civil, consagrando princípios ambientais como o do poluidor-pagador e a responsabilidade dos produtores ou importadores de matérias-primas, de produtos intermediários ou acabados, transportadoras, distribuidores, comerciantes, consumidores, catadores, coletores, administradores proprietários de áreas e operadores de resíduos sólidos em qualquer das fases de seu gerenciamento.

No artigo 32 da citada Lei 12.300, de 2006, é fixada a responsabilidade dos geradores de resíduos industriais pelo seu gerenciamento, desde a sua geração até a sua disposição final, abrangendo todos os aspectos do referido ciclo, a saber: separação e coleta interna dos resíduos, de acordo com suas classes e características; acondicionamento, identificação e transporte interno, quando for o caso; manutenção de áreas para sua operação e armazenagem, apresentação dos resíduos à coleta externa, transporte, tratamento e destinação dos resíduos.

Como se vê, as atribuições dos fabricantes e importadores devem seguir as resoluções do CONAMA e as demais normas federais e estaduais, mediante a definição da logística reversa em consonância com a política de responsabilidade pós-consumo, adotada pelo Ministério do Meio Ambiente, englobando uma cadeia de responsabilidades que perpassa pelo usuário (entrega do produto pós-consumo no estabelecimento comercial), bem como pelos distribuidores/revendedores (recebimento e armazenamento para repasse), fabricantes e importadores (coleta, transporte e destinação final adequada).

Tratando-se, destarte, de exigências federais e estaduais dirigidas aos agentes intervenientes na atividade, ao Município resta, tão somente, a competência suplementar de exigir algumas particularidades necessárias ao perfeito cumprimento da legislação federal e estadual. Nesse sentido sobreveio a Lei nº 14.040, de 27 de julho de 2005, que dispõe sobre proteção ao meio ambiente através de controle de destino de óleos lubrificantes servidos, regulamentada pelo Decreto nº 47.040, de 27 de julho de 2005. Trata-se de uma lei que regula unicamente aspectos locais, em termos dos estabelecimentos que comercializam os produtos, sem adentrar o campo reservado a normas federais e estaduais, inclusive quanto a definições de termos técnicos e operacionalidades sujeitas a mudanças em face de aperfeiçoamentos supervenientes, cuja disciplina deve ter alcance nacional.

É relevante mencionar que, no âmbito local, a questão da proibição do descarte, como lixo comum, dos resíduos dos produtos mencionados na propositura, por se tratarem de resíduos perigosos, já recebe tratamento sistemático na Lei nº 13.478, de 30 de dezembro de 2002, que, ao dispor sobre a organização do Sistema de Limpeza Urbana do Município de São Paulo, prevê, em seu artigo 119, a contratação de serviço privado de coleta, transporte, tratamento e destinação final de resíduos sólidos devidamente especificados, dentre os quais se enquadram os da propositura. Como se verifica, a norma municipal está em perfeita sintonia com as regras emanadas pelos entes federal e estadual, na medida em que tais serviços privados de coleta devem se organizar de acordo com a regulamentação da Agência Nacional do Petróleo.

É imperioso observar, ainda, que, a par do texto aprovado achar-se em descompasso com a normatização federal, incorre também em equívoco quanto às sanções, ao reportar-se à Lei de Crimes Ambientais, olvidando a existência da lei específica, ou seja, a Lei Federal nº 9.847, de 1999, que estabelece sanções administrativas e já define, em seus artigos 3º a 11, as infrações e penalidades correspondentes, às quais, aliás, se reporta o artigo 6º da Portaria ANP nº 127, de 1999.

De outra parte, observo que alguns dispositivos do projeto aprovado referem-se a propaganda comercial, cuja competência é privativa da União, nos termos do artigo 22, inciso XXIX, da Constituição Federal.

Com efeito, não pode ser estabelecido em lei municipal a determinação de inserção de mensagens em embalagens dos produtos, contida no artigo 13 do texto aprovado, no sentido de que são obrigações do produtor divulgar em todas as embalagens de filtros, bem como em informes técnicos, a destinação e a forma de retorno dos filtros usados contaminados, ou mesmo a de fazer constar da propaganda, publicidade e informes técnicos os danos que podem ser causados à população e ao ambiente pela disposição inadequada dos filtros usados contaminados. Veja-se que, no artigo 16, incisos V e VI, da citada Resolução CONAMA nº 362/2005, constam os competentes comandos normativos, que definem como obrigações do produtor e do importador “divulgar, em todas as embalagens de óleos lubrificantes acabados, bem como em informes técnicos, a destinação e a forma de retorno dos óleos lubrificantes usados ou contaminados” e também divulgar “na propaganda, publicidade e em informes técnicos, os danos que podem ser causados à população e ao ambiente pela disposição inadequada do óleo usado ou contaminado”.

Finalmente, assinalo que a propositura dispõe sobre matéria atinente a organização administrativa, incorrendo em clara ingerência nas atividades e atribuições de órgãos municipais relacionados à área ambiental, vez que lhes impõe encargos e procedimentos, com evidente interferência em assunto de competência privativa das autoridades municipais dessa área. As leis que tratam de organização administrativa são de iniciativa privativa do Prefeito, “ex vi” do disposto no inciso IV do § 2 do artigo 37 da Lei Orgânica do Município de São Paulo, razão pela qual a mensagem extrapola as atribuições do Legislativo e invade a esfera de competências do Executivo, infringindo o princípio constitucional da independência e harmonia entre os Poderes.

Destarte, pelas razões ora expendidas, vejo-me compelido a não acolher o texto aprovado, vetando-o na íntegra, com fulcro no artigo 42, § 1º, da Lei Orgânica do Município de São Paulo, ante os incontornáveis vícios de inconstitucionalidade e ilegalidade que o maculam.

Assim sendo, devolvo o assunto à apreciação dessa Egrégia Câmara que, com seu elevado critério, se dignará a reexaminá-lo, renovando, na oportunidade, a Vossa Excelência meus protestos de apreço e consideração.

GILBERTO KASSAB

Prefeito

Ao

Excelentíssimo Senhor

ANTONIO CARLOS RODRIGUES

Digníssimo Presidente da Câmara Municipal de São Paulo

 

Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo