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RAZÕES DO VETO AO PROJETO DE LEI Nº 683/2001; OFÍCIO DE 9 de Janeiro de 2004

Razões de Veto ao Projeto de Lei nº 683/01

OF. ATL nº 032/04

Senhor Presidente

Tenho a honra de acusar o recebimento do Ofício nº 18/Leg.3/754/2003, com o qual Vossa Excelência encaminhou à sanção cópia autêntica da lei decretada por essa Egrégia Câmara, em sessão de 27 de novembro de 2003, relativa ao Projeto de Lei nº 683/01.

De autoria do Vereador Eliseu Gabriel, o projeto dispõe sobre o controle e a fiscalização de atividades comerciais que gerem impacto de vizinhança.

Sem embargo dos meritórios propósitos que nortearam seu autor, a medida não reúne condições de ser convertida em lei, impondo-se seu veto total, com fulcro no § 1º do artigo 42 da Lei Orgânica do Município de São Paulo, por inconstitucionalidade, ilegalidade e contrariedade ao interesse público, nos termos das considerações a seguir aduzidas.

A medida estabelece, em resumo, que o licenciamento de obras novas, reformas ou mudança de uso para empreendimentos comerciais com área de venda de mercadoria superior a 2.000 (dois mil) metros quadrados, no âmbito do Município, dependerá de apresentação, pelos interessados, de Estudo Prévio de Impacto de Vizinhança – EIVI e Relatório de Impacto de Vizinhança – RIVI, determinando também os itens que tais documentos deverão contemplar. Prevê, ainda, que o novo empreendimento não poderá comercializar pão ou produtos hortifrutigranjeiros se estiver a distâncias especificadas de padarias e feiras-livres. Impõe, por fim, a aplicação de sanções em caso de desobediência às suas normas.

Patente, pois, que a mensagem dispõe sobre licenciamento, controle e fiscalização de atividades comerciais que gerem impacto de vizinhança, legislando, portanto, sobre matéria relacionada a organização administrativa e serviços públicos, visto que estabelece normas e procedimentos específicos a serem observados pelos órgãos públicos municipais, com nítido cunho administrativo e evidente interferência nas respectivas atividades e competências próprias.

Com efeito, as leis que tratam de organização administrativa, serviços públicos e atribuições de órgãos municipais são de iniciativa privativa do Prefeito, “ex vi” do disposto no inciso IV do § 2º do artigo 37 e no inciso XVI do artigo 69, ambos da Lei Orgânica do Município de São Paulo.

Indiscutivelmente, a propositura, ao estipular regras a serem cumpridas pela Administração Municipal, extrapola as atribuições do Legislativo e invade a esfera de competências específicas do Executivo, configurando infringência ao princípio constitucional da independência e harmonia entre os Poderes, consagrado no artigo 2º da Constituição Federal e reproduzido no artigo 6º da Lei Maior Local.

A par do vício de iniciativa que a inquina de inconstitucionalidade, a medida reveste-se, ainda, de ilegalidade e de contrariedade ao interesse público.

Primeiramente, atente-se para a impropriedade de redação técnico-legislativa que permeia o texto aprovado, visto que, não obstante sua ementa refira-se ao controle e fiscalização das atividades comerciais que gerem impacto de vizinhança, suas disposições destinam-se, na verdade, apenas aos empreendimentos comerciais com área de venda de mercadoria superior a 2.000 (dois mil) metros quadrados, desatendida, assim, as determinações contidas nos artigos 5º e 7º, “caput”, da Lei Complementar Federal nº 95, de 26 de fevereiro de 1998, que dispõe sobre a elaboração, redação, alteração e consolidação das leis.

Além disso, a propositura acha-se em desconformidade com o comando inserido no artigo 36 da Lei Federal nº 10.257, de 10 de julho de 2001 (Estatuto da Cidade), também estampado no § 1º do artigo 257 da Lei Municipal nº 13.430, de 13 de setembro de 2002 (Plano Diretor Estratégico), segundo o qual lei municipal específica definirá os empreendimentos e atividades privados ou públicos em área urbana que dependerão de Estudo Prévio de Impacto de Vizinhança (EIV) para obter licenças ou autorizações de construção, ampliação ou funcionamento, bem como os parâmetros e os procedimentos a serem observados para sua avaliação, conforme disposto no artigo 159 da Lei Maior Local, que exige o Relatório de Impacto de Vizinhança para projetos com significativa repercussão ambiental ou na infra-estrutura urbana.

Verifica-se, pois, que a mensagem aprovada padece de ilegalidade, vez que disciplina exclusivamente os empreendimentos comerciais com mais de 2.000 m2 de área de venda de mercadoria, desatendendo a exigência de normatização sistemática do assunto que contempla, evidentemente, todos os tipos de atividades (não só as comerciais) e os demais elementos acima transcritos.

Nesse sentido, a medida acaba por conferir tratamento diferenciado a tais empreendimentos, sem qualquer justificativa plausível, o que fere o princípio constitucional da isonomia, insculpido no “caput” do artigo 5º da Carta Magna. Ao mesmo tempo, ao tratar de um só aspecto da matéria, de forma fragmentada, acha-se em desconformidade coma as diretrizes traçadas pelo Plano Diretor Estratégico, que preconizam o encadeamento lógico de ações, não se subsumindo às hipóteses previstas em seus artigos 256 e 257.

Ademais, cumpre salientar que, no âmbito municipal, a matéria versada no texto aprovado já se acha suficientemente disciplinada pela legislação vigente, que prevê os procedimentos administrativos e fiscalizatórios instituidos com o objetivo de garantir o controle e a segurança de uso e funcionamento dessas edificações.

Atualmente, vigoram, até o advento da lei a que se referem o Estatuto da Cidade e o Plano Diretor Estratégico, as disposições contidas nos Decretos n°s 34.713, de 30 de novembro de 1994, e 36.613, de 6 de dezembro de 1996, editados com fundamento no Código de Obras e Edificações, aprovado pela Lei n° 11.228, de 25 de junho de 1992, o qual estabelece em seu Anexo I, Capítulo 4, Seção 4.4, que poderão ser objeto de regulamentação, por ato do Executivo, os procedimentos e prazos diferenciados para exame de processos relativos ao licenciamento de edificações geradoras de tráfego ou de impacto ambiental.

Os decretos acima citados, que dispõem sobre o Relatório de Impacto de Vizinhança (RIVI), definem os empreendimentos destinados ao comércio como de significativo impacto ambiental ou de infra-estrutura somente quando apresentarem área de construção computável igual ou superior a 60.000 (sessenta mil) metros quadrados, hipótese em que os respectivos pedidos de aprovação de projetos deverão ser acompanhados de Relatório de Impacto de Vizinhança.

Contrapondo-se a esse parâmetro, a propositura prevê a exigência de EIVI e RIVI para os empreendimentos comerciais com “área de venda de mercadoria superior a 2.000 m2”, alcançando, assim, empreendimentos de pequeno ou médio porte.

Como se vê, a medida introduz, para o licenciamento, critério novo e de difíceis conceituação e cálculo, em descompasso com a Legislação de Uso e Ocupação do Solo, que adota sempre como critério a área construída do imóvel.

D´outra parte, impende considerar que o projeto aprovado determina que o Estudo Prévio e o Relatório de Impacto de Vizinhança examinem, além dos pontos de análise próprios desses documentos, tais como aqueles relativos ao uso e ocupação do solo, à infra-estrutura urbana, à demanda por transporte público e à geração de tráfego, outros pontos, de grande amplitude, que não se inserem no objetivo de sua elaboração.

De fato, a teor dos incisos do artigo 2º do texto, deverão ser analisadas questões atinentes à previsão do acréscimo de oferta de emprego e da influência na qualidade de vida da comunidade e da região; aos impactos sobre as micro e pequenas empresas da região; às atividades concorrentes já disponíveis na área circunvizinha; às características da população atingida, bem como aos aspectos facilitadores e prejudiciais da implantação do empreendimento.

Dessa forma, visa, na realidade, transformar a análise urbanística em instrumento de controle da atividade econômica, a desbordar conseqüentemente da competência legislativa municipal, o mesmo ocorrendo com as restrições impostas à comercialização de produtos, constantes do § 2° do mesmo artigo 2°, por dizer respeito a produção e consumo, matérias da órbita da União Federal e dos Estados.

Não se vislumbra, portanto, qualquer fundamento de ordem técnica ou legal a justificar a imposição do encargo instituído pela propositura, o qual resultará em encarecimento do custo do projeto da obra e na necessidade de maior tempo para exame do projeto pelos órgãos competentes, bem como no aumento do valor do produto decorrente do custo da obra. Tornará, pois, dispendioso e moroso o processo de aprovação desses projetos, onerando não só a atividade privada como também a administrativa, além de comprometer os objetivos de direcionamento dos trabalhos de análise aos impactos ambientais gerados pela implantação de grandes empreendimentos, contrariando, sem dúvida, o interesse púbico.

Note-se que, pelo porte dos estabelecimentos envolvidos, muitos não terão condições de atender a essa obrigação, sendo forçoso inferir que a medida aprovada acaba por representar um entrave à competitividade, à atividade econômica desse setor e à ampliação dos pequenos negócios em desenvolvimento, o que colide com as metas do plano de desenvolvimento da Cidade de São Paulo e de nosso país, consistentes no estímulo ao crescimento, ao emprego, à distribuição e à descentralização de bens de consumo a preços reduzidos, especialmente dos gêneros alimentícios.

A par disso, impende assinalar que o Projeto de lei nº 522/03, que trata da nova legislação de uso e ocupação do solo, inclui a definição de parâmetros de incomodidade, destinados a controlar o funcionamento de atividades, inclusive daquelas previstas no projeto aprovado. A referida propositura, em trâmite nessa Egrégia Câmara, prevê que atividades de pequeno porte terão seu uso aprovado por licença de funcionamento, sem a necessidade de estudos complementares, exigindo-se o Estudo de Impacto de Vizinhança exclusivamente das atividades de porte significativo, assim como dos pólos geradores de tráfego.

Conclui-se, portanto, que sob os aspectos apresentados o projeto aprovado revela-se inconstitucional, ilegal e contrário ao interesse público, pelo que vejo-me na contingência de vetá-lo integralmente, nos termos do artigo 42, § 1º, da Lei Orgânica Municipal.

Assim, devolvo o assunto à apreciação dessa Egrégia Câmara, que, com seu elevado critério, se dignará a reexaminá-lo, renovando a Vossa Excelência, na oportunidade, protestos de elevado apreço e distinta consideração.

MARTA SUPLICY

Prefeita

Ao

Excelentíssimo Senhor

ARSELINO TATTO

Presidente da Câmara Municipal de São Paulo

 

 

 

Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo