Razões de Veto ao Projeto de Lei nº 676/08
OF. ATL nº 40/09
Ref.: Ofício SGP-23 nº 00120/2009
Senhor Presidente
Por meio do ofício em epígrafe, Vossa Excelência encaminhou à sanção cópia autêntica da lei decretada por essa Egrégia Câmara, em sessão de 18 de dezembro de 2008, relativa ao Projeto de Lei nº 676/08, de autoria do Vereador Gilson Barreto, que institui o Programa Educação Perto e Para Todos, de suplementação de vagas para o acesso pleno a creches e escolas de educação infantil e de ensino fundamental no âmbito do Município de São Paulo.
Em que pese o meritório propósito que norteou seu autor, a medida não reúne condições de ser convertida em lei, impondo-se seu veto total, na conformidade das razões que passo a expor.
O projeto de lei aprovado cria programa sob a responsabilidade da Secretaria Municipal de Educação, tendo por objetivo garantir o direito de matrícula em creches e escolas de educação infantil e de ensino fundamental a todas as crianças e jovens residentes no Município de São Paulo, de acordo com a respectiva faixa etária, que não tenham conseguido vaga em creches e escolas públicas localizadas no raio de 2 quilômetros de distância de suas residências, nem sejam atendidos por programas públicos gratuitos de transporte escolar. Para tanto, cabe ao Poder Público Municipal providenciar a respectiva matrícula na instituição particular que disponha de vaga e esteja situada dentro do mesmo raio de distância, bem como arcar com as despesas correspondentes, manter acompanhamento pedagógico sistemático e fiscalizar tais estabelecimentos. Indica, ainda, ao Executivo que, ao regulamentar o Programa, estabeleça os procedimentos relativos à identificação das crianças e dos jovens sem vagas, os requisitos exigíveis para a participação de creches e escolas particulares, a seleção, contratação e credenciamento desses estabelecimentos e o processo de encaminhamento da criança ou jovem à escola participante do Programa, que terá natureza provisória e emergencial, subsistindo apenas enquanto persistir a carência de vagas.
Resta patente que, ao determinar ao Executivo a efetivação do referido programa, bem como as ações e providências que deverá adotar, criando novas incumbências e encargos para as unidades educacionais e a Secretaria Municipal de Educação, a propositura legisla sobre matéria inerente à organização administrativa, incorrendo em clara ingerência nas atividades e atribuições dos órgãos municipais competentes, com evidente interferência em assunto de competência privativa do Executivo Municipal. Impõe, ademais, aumento de despesas, relativas aos novos custos a serem suportados pelos cofres públicos, gerados pelo ingresso de estudantes em instituições particulares, sem contar, todavia, com a correspondente indicação de recursos, o que, além de envolver questão de natureza orçamentária, desatende a Lei Complementar Federal nº 101, de 4 de maio de 2000.
Indiscutivelmente, as leis que tratam de organização administrativa e matéria orçamentária são de iniciativa privativa do Prefeito, “ex vi” do disposto no inciso IV do § 2º do artigo 37 da Lei Orgânica do Município de São Paulo, razão pela qual a propositura extrapola as atribuições do Legislativo e invade a esfera de competências do Executivo, malferindo o princípio constitucional da independência e harmonia entre os Poderes, consagrado no artigo 2º da Carta Magna e reproduzido no artigo 5º da Constituição do Estado de São Paulo e no artigo 6º da Lei Maior Local.
A par disso, o texto vindo à sanção apresenta-se também em desacordo com a regra estabelecida no § 6º do artigo 201 da Lei Orgânica do Município de São Paulo e com os princípios e diretrizes adotados pela Administração Municipal na área da educação, conflitando com a sistemática em vigor.
A Lei Federal nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as bases e diretrizes da educação nacional – LDB, insere, em seu artigo 11, dentre as incumbências dos Municípios, a de oferecer a educação infantil em creches e pré-escolas e, com prioridade, o ensino fundamental, considerando somente este obrigatório para os alunos.
No âmbito federal, a Lei nº 10.172, de 9 de janeiro de 2001, que aprova o Plano Nacional de Educação, define as prioridades para o ensino, em consonância com o mandamento constitucional e as necessidades sociais, estipulando, dentre os objetivos e metas referentes à educação infantil, “ampliar a oferta da educação infantil de forma a atender, em cinco anos, a 30% da população de até 3 anos de idade e 60% da população de 4 a 6 anos (ou 4 e 5 anos) e, até o final da década, alcançar a meta de 50% das crianças de 0 a 3 anos e 80% das de 4 e 5 anos”.
Demais disso, o § 6º do artigo 201 da Lei Orgânica do Município dispõe ser “dever do Município, através de rede própria, com a cooperação do Estado, o provimento em todo o território municipal de vagas, em número suficiente para atender a demanda quantitativa e qualitativa do ensino fundamental obrigatório e progressivamente à da educação infantil”.
Com base na legislação federal que rege a educação nacional e na Lei Maior Local, a Secretaria Municipal de Educação vem ampliando, ano a ano, a oferta de vagas tanto para a educação infantil quanto para o ensino fundamental.
Para a educação infantil, o registro da demanda é realizado por meio de cadastramento prévio, com posterior acomodação das crianças nas unidades educacionais mais próximas de suas residências, seja nos Centros de Educação Infantil – CEIs e nas Escolas Municipais de Educação Infantil – EMEIs, seja nas creches da rede indireta e particular conveniada.
Para o ensino fundamental, a acomodação da demanda vem sendo realizada em parceria com a Secretaria de Estado da Educação, por meio de cadastramento prévio denominado “Programa de Matrícula Antecipada”, no qual são registrados no Sistema de Cadastro de Alunos do Estado todos os alunos interessados em matricular-se em escola pública de ensino fundamental.
Encerrada essa fase, procede-se à compatibilização das matrículas efetuadas nas escolas municipais e estaduais, assegurando-se aos alunos a acomodação em uma escola pública na região indicada pelo pai ou responsável.
A garantia do atendimento a toda a demanda obedece ao seguinte conjunto de critérios comuns: a região pretendida pelo pai ou responsável, a localização da residência do aluno e das escolas estaduais e municipais do respectivo setor e a análise criteriosa de situações específicas das crianças e jovens, buscando a melhor solução para o aluno. Considera, ainda, o conjunto das características e necessidades da população local, na perspectiva da garantia do direito à proteção, priorizando os casos de situação de risco pessoal e social do aluno e a inclusão de crianças com deficiência e/ou necessidades educacionais especiais.
Na impossibilidade de acomodação dos alunos em escolas próximas de suas residências, os alunos são atendidos em outra unidade educacional e incluídos no Programa de Transporte Escolar Municipal Gratuito - Vai e Volta, instituído pela Lei nº 13.697, de 22 de dezembro de 2003, que assegura aos alunos matriculados o acesso às escolas municipais de educação infantil e de ensino fundamental, fornecendo-lhes transporte gratuito de suas residências até os estabelecimentos de ensino e vice-versa, inexistindo, portanto, qualquer prejuízo para os estudantes.
Desse modo, verifica-se que a Administração, em cumprimento à regra inscrita no § 6º do artigo 201 da Lei Orgânica do Município de São Paulo, tem envidado todos os esforços com vistas ao atendimento dos alunos da educação infantil e do ensino fundamental, provendo plenamente a demanda da educação fundamental e suprindo progressivamente a demanda da educação infantil, questão que constitui uma das prioridades da atual gestão, cabendo ressaltar que o trabalho já empreendido supera os percentuais fixados pelo Plano Nacional de Educação, a serem alcançados até o final desta década.
De todo o exposto, deflui que o projeto em apreço confere ao assunto tratamento que não se coaduna com a normatização traçada pela Lei Maior Local e com a orientação adotada pela Administração, a qual visa ampliar e fortalecer a rede pública de ensino municipal, diferentemente das ações voltadas à rede privada preconizadas pelo texto aprovado que, a par de incidir em ilegalidade, desatende ao interesse público.
Resta assinalar que a celebração de contratos, convênios e parcerias pelo Poder Público Municipal, autorizada nos termos do parágrafo único do artigo 4º da propositura, constitui ato típico de administração, na esteira de pacífico entendimento jurisprudencial emanado do Colendo Supremo Tribunal Federal, não cabendo ao Legislativo determinar sua realização ou mesmo autorizar o Executivo a celebrar tais ajustes, pelo que, também sob esse aspecto, a medida configura indevida ingerência de um Poder na seara privativa de outro, violando o princípio constitucional já apontado acima.
Destarte, à vista das razões ora explicitadas, que demonstram os óbices que impedem a sanção do texto aprovado, por sua inconstitucionalidade, ilegalidade e contrariedade ao interesse público, vejo-me na contingência de vetá-lo na íntegra, com fundamento no § 1º do artigo 42 da Lei Orgânica do Município de São Paulo.
Assim sendo, devolvo o assunto à apreciação dessa Egrégia Câmara, renovando, na oportunidade, a Vossa Excelência meus protestos de apreço e consideração.
GILBERTO KASSAB
Prefeito
Ao
Excelentíssimo Senhor
ANTONIO CARLOS RODRIGUES
Digníssimo Presidente da Câmara Municipal de São Paulo
Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo