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RAZÕES DO VETO AO PROJETO DE LEI Nº 658/2008; OFÍCIO DE 22 de Janeiro de 2010

Razões de Veto ao Projeto de Lei nº 658/08

OF ATL nº 24/10

Ref.: OF-SGP23 nº 4458/2009

Senhor Presidente

Reporto-me ao ofício referenciado, por meio do qual Vossa Excelência encaminhou à sanção cópia autêntica do Projeto de Lei nº 658/08, aprovado por essa Egrégia Câmara na sessão de 10 de dezembro de 2009, de autoria do Vereador Atílio Francisco, que visa proibir os motociclistas de adentrarem em estabelecimentos públicos e privados usando qualquer tipo de capacete que dificulte sua identificação.

Não obstante a louvável intenção de seu autor, qual seja, inibir assaltos praticados por ladrões que utilizam o capacete como forma de impedir sua identificação facial, impõe-se veto total ao texto aprovado, por inconstitucionalidade e ilegalidade, com fulcro no artigo 42, § 1º, da Lei Orgânica do Município de São Paulo, pelos motivos a seguir aduzidos.

De início, assinale-se que, muito embora possa o Município, relativamente às atividades econômicas desenvolvidas em seu território, fixar condições para o funcionamento dos estabelecimentos comerciais, industriais, de serviços e similares, conceder e renovar as respectivas licenças, bem como fiscalizar suas atividades, com vistas a garantir que não se tornem prejudiciais ao bem-estar da população, à luz do disposto no artigo 160, incisos I, II e III, da Lei Maior local, não detém o ente municipal competência para evitar ou minimizar a possibilidade de ocorrências criminais nesses estabelecimentos.

Destarte, assegurar a incolumidade das pessoas e do patrimônio privado é assunto inserido no campo da segurança pública, a qual, na conformidade do artigo 144 da Constituição Federal e do artigo 139 da Constituição do Estado de São Paulo, é dever do Estado, na prática exercida pelos órgãos federais ou estaduais, dependendo da matéria.

Assim sendo, as ações voltadas à proteção das pessoas e dos bens particulares não figuram dentre as atribuições do corpo fiscalizatório municipal, que não tem autoridade para compelir o infrator a retirar o capacete ou a apresentar identificação visando o preenchimento do auto de multa. A Guarda Civil Metropolitana, por sua vez, é constituída pelo Município com a finalidade de preservar seus próprios bens, serviços e instalações, nos expressos termos do § 8º do artigo 144 da Carta Magna, não incumbindo a essa Corporação adotar medidas que resguardem os alvitrados estabelecimentos da incidência de assaltos.

De outra parte, assinale-se que ao Município compete, a teor dos incisos I e IV do artigo 179 da Lei Orgânica local e com fundamento nos incisos I e II do artigo 30 da Constituição Federal, fixar regras relativas a organização, controle e fiscalização do trânsito e, ainda, normas concernentes a serviço de transporte de cargas em seu território, apenas com o fim de disciplinar o exercício dessa atividade. Nesse contexto, foi editada a Lei Municipal nº 14.491, de 27 de julho de 2007, regulamentar da atividade de transporte de pequenas cargas por meio de motocicleta, que obriga o motociclista ao uso de capacete tão somente durante a condução da motocicleta, nada dispondo sobre o uso ou não desse equipamento em situações como aquela prevista na propositura, assunto esse que, por óbvio, refoge ao âmbito do interesse local.

A par disso, o Município não pode dispor sobre o ingresso de pessoas em órgãos públicos pertencentes à União e ao Estado, haja vista o disposto nos artigos 18 e 25 da Constituição da República, que estabelecem a autonomia administrativa dos entes que compõem a Federação. Demais disso, a vedação objetivada pelo projeto em comento não comportaria a edição de lei, mas deveria, em cada esfera - federal, estadual ou municipal - merecer singela regulamentação, por meio de portarias ou resoluções relativas aos respectivos próprios que tenham acesso ao público.

Verifica-se, pois, que a exigência estabelecida no texto aprovado conflita com a repartição de competências estipulada nos diversos dispositivos constitucionais e da Lei Maior local, ora apontados, invadindo o âmbito da competência legislativa do Estado e da União, razões que por si só conduzem ao veto integral do projeto, por inconstitucionalidade e ilegalidade.

Não bastasse isso, a proibição em tela, dada a sua generalidade, geraria ocorrências constrangedoras e duvidosas, implicando a necessidade de autuação do motociclista em hipóteses nas quais a retirada do capacete não seria razoável, como, por exemplo, no momento em que adentrasse no estacionamento de um shopping ou no posto de gasolina para abastecer o seu tanque ou, ainda, em estabelecimentos descobertos nos dias de chuva. Essas situações ferem o princípio da razoabilidade, albergado no artigo 111 da Constituição Paulista, e impõem à Administração Municipal tarefas que tangenciam a inexequibilidade.

Outrossim, note-se que o projeto também compele os estabelecimentos à fixação de placa relativa à proibição do uso do capacete, contudo não prevê a penalidade aplicável no caso de descumprimento dessa obrigação, restando, pois, sem a necessária força de coerção.

Finalmente, assinale-se que o texto pretende dispor sobre assunto relacionado à organização administrativa, impondo novas atribuições e consequentes encargos à Administração Municipal, com nítida interferência nas atividades e funções dos órgãos municipais, o que é defeso ao Legislativo, a teor do disposto no artigo 37, § 2º, inciso IV, combinado com os artigos 69, inciso XVI, e 70, inciso XIV, todos da Lei Maior local, em descompasso, portanto, com o princípio constitucional da independência e harmonia entre os Poderes, consagrado no artigo 2º da Carta Magna, igualmente reproduzido no artigo 6º da Lei Orgânica do Município.

Nessas condições, vejo-me na contingência de vetar integralmente o projeto aprovado, devolvendo o assunto ao reexame dessa Egrégia Câmara.

Na oportunidade, renovo a Vossa Excelência meus protestos de apreço e consideração.

GILBERTO KASSAB

Prefeito

Ao

Excelentíssimo Senhor

ANTONIO CARLOS RODRIGUES

Digníssimo Presidente da Câmara Municipal de São Paulo

 

Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo