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RAZÕES DO VETO AO PROJETO DE LEI Nº 617/2006; OFÍCIO DE 28 de Abril de 2008

Razões de veto ao Projeto de Lei nº 617/06.

RAZÕES DE VETO Projeto de Lei nº 617/06
 

Ofício A.T.L. nº 95/08

Ref.: Ofício SGP-23 nº 1315/2008

Senhor Presidente

Por meio do ofício em epígrafe, Vossa Excelência encaminhou à sanção cópia autêntica do Projeto de Lei nº 617/06, aprovado por essa Egrégia Câmara em sessão de 26 de março de 2008, o qual dispõe sobre a publicação de informações sobre funcionários, empregados e servidores, vinculados ao Poder Público Municipal, no endereço eletrônico do órgão em que se encontram em exercício.

De autoria dos Vereadores Abou Anni, Cláudio Prado, Farhat, Goulart, Jorge Tadeu, Ricardo Montoro e Soninha, a propositura determina a todos os órgãos integrantes da Administração Pública direta, indireta, fundacional e autárquica, bem como ao Poder Legislativo e ao Tribunal de Contas do Município, que incluam, nos respectivos sítios na Internet, relação contendo nome completo, cargo exercido, unidade em que exerce o cargo e endereço de correio eletrônico de seus funcionários, servidores e empregados, devendo atualizar essa lista a cada 30 dias e adotar as medidas necessárias no sentido de dotar, progressivamente, todos os servidores de endereço de correio eletrônico individualizado.

Segundo a justificativa apresentada por seus autores, a propositura objetiva criar mais um mecanismo que confira maior força aos princípios constitucionais da publicidade e da transparência, por considerar que é por meio da visibilidade inibidora de eventuais atos nefastos ao interesse público que os demais preceitos são, afinal, assegurados, sobretudo o da moralidade.

Acolhendo o texto aprovado, por seu meritório propósito, sou compelido, todavia, a apor-lhe veto parcial, atingindo o inteiro teor do inciso IV do “caput” de seu artigo 1º, bem como de seu § 2º, por inconstitucionalidade, ilegalidade e contrariedade ao interesse público, nos termos das considerações a seguir aduzidas.

De início, observa-se que os dispositivos supracitados —que estabelecem, respectivamente, a veiculação do endereço eletrônico do servidor ou empregado público na Internet e o comando para que todos os servidores sejam dotados, gradativamente, de “e-mail” individualizado — priorizam o endereço eletrônico individual Intranet, em contraposição ao institucional, utilizado pela Administração como instrumento de trabalho que possibilita o contato mais direto dos cidadãos com seus órgãos e entes. Para tanto, foi criado o Portal da Prefeitura do Município de São Paulo na Internet, provido de sistema próprio, à disposição da população, cujas solicitações, consultas, queixas, dúvidas e sugestões formuladas são direcionadas aos setores competentes, por meio de “e-mail” institucional do tipo “fale conosco” ou “fale com a Prefeitura”, dispondo, ainda, de 1361 pastas públicas de correio eletrônico que promovem e facilitam o compartilhamento centralizado de informações.

E assim se procede porque, em respeito ao princípio constitucional da impessoalidade, estampado no “caput” do artigo 37 da Carta Magna, “os atos e provimentos administrativos são imputáveis não ao funcionário que os pratica mas ao órgão ou entidade administrativa em nome do qual age o funcionário”, o qual, como mero agente da Administração, não é o autor institucional do ato, como ensina o eminente Prof. José Afonso da Silva, ressalvando que “a personalização, ou seja, a individualização do funcionário, pode ser recomendável quando atue não como expressão da vontade do Estado, mas como expressão de veleidade, capricho ou arbitrariedade pessoal.” (cf. Curso de Direito Constitucional Positivo, 21ª edição, Malheiros Editores, págs. 647/648).

No âmbito municipal, foi editada a Lei nº 14.141, de 27 de março de 2006, alterada pela Lei nº 14.614, de 7 de dezembro de 2007, que dispõe sobre o processo administrativo na Administração Pública Municipal, cujo artigo 2º preconiza a observância ao princípio da impessoalidade, dentre outros, prescrevendo ao agente público a obediência às formalidades essenciais, com a adoção de formas simples, suficientes para propiciar adequado grau de certeza, segurança e respeito aos direitos dos interessados. Note-se que seu artigo 49 admite o uso de meio eletrônico para a formação, instrução e decisão de processos administrativos, assim como para a publicação de atos e comunicações, geração de documentos públicos e registro de informações e documentos de processos encerrados, desde que assegurados os níveis de acesso às informações, a segurança de dados e registros, o sigilo de dados pessoais, a identificação do usuário, seja na consulta, seja na alteração de dados, o armazenamento do histórico das transações eletrônicas e a utilização de sistema único para planejar e gerenciar os processos administrativos.

Os dispositivos ora vetados, porém, permitem o contato direto entre os administrados e os servidores e empregados públicos, por meio da divulgação de seu endereço eletrônico na Internet. Facultam, dessa forma, a veiculação de informações não avalizadas pelas autoridades competentes e, até mesmo, sem o seu conhecimento, ao arrepio dos procedimentos e normas legais que disciplinam a matéria, contrariando o princípio constitucional da impessoalidade, além de colocarem em risco tanto os administrados quanto a Administração, em inegável desacordo com o interesse público.

Por outro lado, há procedimentos administrativos que devem seguir tramitação específica antes de serem submetidos à decisão da autoridade competente e apenas determinados servidores estão qualificados para prestar informações adequadas sobre seu teor, do que deflui que a disponibilização dos endereços eletrônicos na Internet para acesso livre e indiscriminado tão-somente acabaria por tumultuar o andamento processual e as atividades dos órgãos e entes municipais, produzindo efeito certamente oposto ao pretendido pelo projeto de lei.

A questão é ainda mais preocupante quando se tem em mente os procedimentos de caráter confidencial, envolvendo averiguações preliminares, processos disciplinares e sindicâncias, nos quais é imperativa a garantia da privacidade e da segurança dos servidores que neles atuam, situação que demanda justificada restrição de consultas a seus cargos e endereços, a fim de evitar que sofram ameaças ou constrangimentos, visando ao bom desempenho de suas funções.

Outra razão relevante, a corroborar a inviabilidade de acolhimento da propositura, reside no fato de que os equipamentos municipais não são providos de mecanismos ou dispositivos aptos a bloquear o recebimento de mensagens eletrônicas com o objetivo de divulgar produtos, marcas, serviços, empresas ou endereços eletrônicos, mais conhecidas por “spam”.

De fato, não se pode negar que, uma vez disponibilizados os endereços eletrônicos dos servidores e empregados públicos na Internet, não haverá como impedir o envio desse tipo incômodo de propaganda comercial, mesmo porque o Brasil não dispõe, até o momento, de legislação que regule ou puna essa prática.

Afora o tempo despendido para abri-las, lê-las e descartá-las, tais mensagens costumam abarrotar as caixas postais eletrônicas de seus destinatários. Com isso, impossibilitam o recebimento e o fluxo das mensagens de interesse profissional, gerando desperdício de recursos humanos e materiais e prejuízos aos
trabalhos administrativos de grandes proporções, especialmente se se considerar que a Prefeitura conta com aproximadamente 145.870 servidores e empregados públicos em atividade, o que, sem dúvida, configura afronta ao princípio constitucional da eficiência e ao próprio interesse público.

Demais disso, grande parte do pessoal é composto por indivíduos que exercem cargos ou ocupam empregos de natureza operacional ou de apoio, cujas atividades não envolvem a utilização de computadores, pelo que se afigura descabida a disposição contida no § 2º do artigo 1º da propositura, consistente em dotar todos os servidores de endereço eletrônico individualizado.

Impende destacar, por derradeiro, que os princípios da publicidade e da transparência, norteadores da atuação da Administração Municipal, são rigorosamente observados pelos órgãos e entes públicos, mediante a publicação dos atos e decisões administrativas, na forma estabelecida pela legislação pertinente.

Por conseguinte, à vista das razões ora expendidas, demonstrando os óbices que impedem a sanção dos dispositivos em comento, seja por contrariarem os princípios constitucionais e as normas legais acima apontados, seja por seu descompasso com o interesse público, vejo-me na contingência de vetar o inteiro teor do inciso IV do “caput’ do artigo 1º e de seu § 2º, com fundamento no artigo 42, § 1º, da Lei Orgânica do Município de São Paulo.

Assim sendo, devolvo o assunto à apreciação dessa Egrégia Câmara que, com seu elevado critério, se dignará a reexaminá-lo, renovando, na oportunidade, a Vossa Excelência protestos de apreço e consideração

GILBERTO KASSAB Prefeito

Ao

Excelentíssimo Senhor

ANTONIO CARLOS RODRIGUES

Digníssimo Presidente da Câmara Municipal de São Paulo

Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo