CASA CIVIL DO GABINETE DO PREFEITO

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RAZÕES DO VETO AO PROJETO DE LEI Nº 604/2002; OFÍCIO DE 9 de Janeiro de 2004

Razões de Veto ao Projeto de Lei nº 604/02

OF. ATL nº 039/04

Senhor Presidente

No termos do Ofício nº 18/LEG.3/0768/2003, Vossa Excelência encaminhou à sanção cópia autêntica da lei decretada por essa Egrégia Câmara, relativa ao Projeto de Lei nº 604/02, proposto pelo Vereador William Woo, o qual regulamenta a atividade de empresas de locação de máquinas e jogos de computador, também conhecidos como “cyber cafés” ou “lan houses”, na Cidade de São Paulo.

Embora reconhecendo os meritórios propósitos que nortearam o seu nobre proponente, que objetiva garantir aos usuários de computadores o direito a uma diversão segura, que respeite à sua saúde física e mental, impõe-se veto parcial à medida aprovada, atingindo o inteiro teor dos incisos II e III, alíneas “a” e “b”, de seu artigo 3º, e do artigo 5º, por inconstitucionalidade, ilegalidade e contrariedade ao interesse público, nos termos das considerações a seguir aduzidas.

A proposta, em seu artigo 3º, inciso II, prevê que as empresas que trabalhem com locação de 5 (cinco) ou mais computadores para acesso aos serviços de “Internet” e de jogos eletrônicos deverão “exigir dos menores de 18 (dezoito) anos a apresentação de autorização expressa de seu(s) responsável(eis) legal(is), com cópia de RG do pai, mãe ou responsável, para a sua permanência no local no período entre 22:00 e 6:00 horas”.

Todavia, não obstante a manifesta preocupação do nobre legislador com aqueles que ainda não alcançaram a sua plena formação e, por isso, suscetíveis a toda a sorte de influências, importa observar que não cabe ao Município legislar acerca da freqüência e permanência, em determinados horários, de menores nesses locais.

Destarte. A teor do inciso I do § 3º do artigo 220 da Lei Maior, reforçado pelo artigo 74 do Estatuto da Criança e do Adolescente, compete à lei federal regular as diversões, cabendo ao Poder Público informar sobre a sua natureza, as faixas etárias a que não se recomendem, locais e horários em que sua apresentação se mostre inadequada.

E, o mencionado estatuto — Lei Federal nº 8.069, de 13 de julho de 1990 —, em seu artigo 75, estabelece que “toda criança terá acesso às diversões e espetáculos públicos classificados como adequados à sua faixa etária” e no respectivo parágrafo único que “crianças menores de dez anos somente poderão ingressar e permanecer nos locais de apresentação ou exibição quando acompanhadas dos pais ou responsável”.

Logo, depreende-se da lei em vigor que, independentemente do horário, crianças na faixa etária inferior a dez anos deverão estar sempre acompanhados dos pais ou responsáveis, afigurando-se, pois, ilegal, medida que venha a dispor diversamente,

Além disso, o mesmo diploma determina, em seu artigo 149, inciso I, alínea “d”, competir à autoridade judiciária disciplinar, mediante portaria, ou autorizar, por alvará, a entrada e a permanência de criança ou adolescente desacompanhado dos pais ou responsáveis em casa que explore, comercialmente, diversões eletrônicas.

Dessa forma, a apresentação de autorização expressa dos pais ou responsáveis, preconizada no dispositivo ora vetado, não se revela suficiente em face do regramento legal em vigor.

Portanto, a medida aprovada, além de extrapolar a competência para legislar sobre a matéria — pertencente à União ou, por delegação expressa da Lei Federal nº 8.069, de 1990, à autoridade judiciária — ainda fere o artigo 75 dessa lei.

Acrescente-se que a medida também contraria o interesse público, vez que não se revela conveniente que crianças e adolescentes autorizados por pais ou responsáveis freqüentem tais espaços durante o período noturno, nele incluindo-se toda a madrugada.

Ressalve-se que a mensagem indica, no dispositivo analisado, as pessoas com idade inferior a 18 (dezoito) anos, estando, assim, na prática, compreendido nessa faixa etária qualquer um que já tenha capacidade suficiente para manipular e apreciar computadores, o que ocorre, hoje, cada vez mais cedo.

Prosseguindo, no que concerne ao inciso III, alíneas “a” e “b”, do artigo 3º do texto vindo à sanção, que determinam a afixação de avisos informando não ser aconselhável o uso das máquinas por mais de três horas ininterruptas, bem assim os danos que entende possíveis ao usuário, a proposta aprovada também não poderá prosperar, haja vista a sua incorreção técnico-científica.

Não obstante a louvável intenção de orientar os freqüêntadores desses estabelecimentos quanto aos males decorrentes do uso sem descanso das máquinas eletrônicas, por intermédio dos avisos, há de se considerar que os dizeres neles apostos deverão ter consonância com as observações daqueles que diariamente lidam com o problema.

Realizadas pesquisas, no âmbito da Secretaria Municipal da Saúde, verificou-se que, consoante relatos dos especialistas, a utilização prolongada do computador pode acarretar sintomas diversos do que aqueles indicados na alínea “b”, em apreço. Ademais, as consultas efetivadas não apontam dados conclusivos quanto ao tempo máximo adequado para tal atividade.

As expressões previstas nos citados dispositivos carecem, pois, da necessária fundamentação médico-científica, tornando-se imperioso o seu veto.

No que toca ao artigo 5º, o qual propõe que “os estabelecimentos não poderão estar defronte a nenhuma escola de ensino fundamental ou médio, da rede oficial ou particular”, impende destacar a sua imprecisão técnico-legislativa.

Isso porque o termo “defronte” é deveras vago, impossível mesmo de ser aferido caso a caso. A sua interpretação seria dificultosa, dando margem à aplicação desigual da lei para situações semelhantes ou idênticas, o que não se pode admitir.

De fato. Qual estabelecimento estaria localizado defronte a uma escola? Aquele situado de frente ao seu portão principal ou, também, aquele que está de frente às portas alternativas de entrada e saída? Acaso, o que se situa ao lado da escola poderia funcionar?

Com efeito, a redação conferida ao artigo 5º não tem a imprescindível clareza e precisão, gerando dúvida na interpretação de seu exato conteúdo normativo.

A dificuldade de compreensão do exato alcance do preceito compromete o interesse público. Necessário é que a lei se utilize de critérios objetivos que proporcionem ao operador do direito diretriz segura para sua aplicação aos casos concretos.

Nessa conformidade, o dispositivo desatende a regra exposta no “caput” do artigo 11 da Lei Complementar nº 95, de 26 de fevereiro de 1998, a qual dispõe sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis.

Não bastasse isso, o artigo em comento não apresenta solução para os estabelecimentos já devidamente instalados. Todavia, as leis que, por sua natureza, veiculam restrições à atividade econômica e à propriedade particular, devem prever o tratamento a ser dispensado às situações pré-existentes de forma regular.

Por último, assinale-se que, nesse particular, a mensagem trata de matéria relativa a zoneamento urbano e uso e ocupação do solo, que depende do voto favorável de 3/5 dos membros da Câmara para sua aprovação, assim como de pelo menos duas audiências públicas durante a tramitação dos projetos de lei, consoante estatuem os artigos 49, § 4º, inciso I, e artigo 41, inciso VI, ambos da Lei Orgânica do Município de São Paulo.

Esse quórum especial e o mínimo de audiências públicas não foi observado no processo legislativo que culminou no texto aprovado, afigurando-se, portanto, ilegal o dispositivo.

Nessas condições, à vista da apontada inconstitucionalidade, ilegalidade e contrariedade ao interesse público, vejo-me na contingência de vetar, em seu inteiro teor, os incisos II e III, alíneas “a” e “b”, do artigo 3º e o artigo 5º do projeto de lei aprovado, com fulcro no artigo 42, § 1º, da Lei Orgânica do Município de São Paulo, devolvendo o assunto ao reexame dessa Egrégia Casa de Leis.

Na oportunidade, renovo a Vossa Excelência protestos de elevado apreço e distinta consideração.

MARTA SUPLICY

Prefeita

Ao

Excelentíssimo Senhor

ARSELINO TATTO

Presidente da Câmara Municipal de São Paulo

 

Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo