CASA CIVIL DO GABINETE DO PREFEITO

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RAZÕES DO VETO AO PROJETO DE LEI Nº 599/2002; OFÍCIO DE 1 de Abril de 2003

Razões de Veto ao Projeto de Lei nº 599/02

Ofício ATL nº 127/03

Senhor Presidente

Por meio do Ofício nº Ofício nº 18/Leg.3/0080/2003, cujo recebimento acuso, Vossa Excelência encaminhou à sanção cópia autêntica da lei decretada na sessão de 25 de fevereiro de 2003 dessa Egrégia Câmara, relativa ao Projeto de Lei nº 599/02, de autoria do Vereador Carlos Alberto Bezerra Júnior, que objetiva instituir o Programa Municipal de Prevenção e Tratamento da Hepatite “C” no Município de São Paulo.

No entanto, embora meritórios os propósitos que certamente nortearam seu autor, a medida aprovada não reúne condições de ser convertida em lei, dada a sua inconstitucionalidade, ilegalidade e contrariedade ao interesse público, na conformidade das razões abaixo aduzidas, pelo que me vejo na contingência de vetá-la integralmente, nos termos do artigo 42, § 1º, da Lei Orgânica do Município de São Paulo.

Cumpre observar, preliminarmente, que, ao pretender instituir programa destinado à prevenção e tratamento da hepatite “c”, determinando a ampliação da atuação do Poder Público no atendimento aos portadores dessa enfermidade, a propositura consubstancia, a toda evidência, clara ingerência do Legislativo em matéria cuja iniciativa das leis a seu respeito encontra-se privativamente reservada ao Executivo, qual seja, a relativa a serviços públicos.

Com efeito, tal vício de iniciativa decorre do disposto no artigo 61, § 1º, inciso II, alínea “b”, da Constituição da República, transposto para a órbita do Município de São Paulo de acordo com o artigo 37, § 2º, inciso IV, de sua Lei Orgânica, segundo o qual compete privativamente ao Chefe do Executivo a propositura de leis que versem sobre serviços públicos.

Por conseguinte, referida invasão de competência torna inequívoca a inconstitucionalidade presente na mensagem aprovada, eis que ofendido o salutar princípio da independência e harmonia entre os Poderes, insculpido no artigo 2º da Constituição da República e no artigo 6º da Lei Maior local.

Na lição sempre precisa do renomado constitucionalista CELSO RIBEIRO BASTOS, tem-se que:

“Ao contemplar tal princípio, o constituinte teve por objetivo – tirante as funções atípicas previstas pela própria Constituição – não permitir que um dos “poderes” se arrogue o direito de interferir nas competências alheias, portanto, não permitindo, por exemplo, que o Executivo passe a legislar e também a julgar ou que o Legislativo, que tem por competência a produção normativa, aplique a lei ao caso concreto.” (in CURSO DE DIREITO CONSTITUCIONAL, Editora Saraiva, 11ª edição, São Paulo – 1999, obra reformulada de acordo com a Constituição Federal de 1988, pág. 149).

Da mesma forma, o projeto acolhido por essa Edilidade, nos tópicos em que acarreta aumento de despesa (notadamente os artigos 8º, 9º e 10), encontra-se eivado de ilegalidade por não atender o disposto no artigo 17 da Lei Complementar nº 101/00 (editada em obediência ao artigo 163, inciso I, da Constituição da República, estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal), nos termos do qual os atos que criarem ou aumentarem despesa obrigatória de caráter continuado deverão ser instruídos com a estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício do seu início de vigência e nos dois subseqüentes, bem como, em especial, demonstrar a origem dos recursos para seu custeio.

À idêntica conclusão remete o preceito consignado no artigo 25 da Constituição do Estado de São Paulo, porquanto nenhum projeto de lei que implique a criação ou o aumento de despesa pública poderá ser sancionado sem que dele conste a indicação dos recursos disponíveis, próprios para atender aos novos encargos.

De rigor, portanto, a negativa de sanção, por força dos fundamentos até aqui apresentados.

Também no mérito, por contrariar o interesse público, à mensagem aprovada não poderia ser reservado outro destino.

Explica-se. Em consonância com as normas previstas na Portaria nº 863, de 4 de novembro de 2002, da Secretaria de Assistência à Saúde – Ministério da Saúde, publicada no D.O.U. – Seção 1 de 8 de novembro de 2002, pág. 160 e seguintes, restou aprovado o PROTOCOLO CLÍNICO E DIRETRIZES TERAPÊUTICAS – HEPATITE VIRAL CRÔNICA “C”, contendo o conceito geral da doença, os critérios de inclusão/exclusão de pacientes no tratamento, critérios de diagnóstico, esquema terapêutico preconizado e mecanismos de acompanhamento e avaliação desse tratamento, normas estas de caráter nacional e, pois, de obrigatória utilização pelas Secretarias de Saúde dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, na regulação da dispensação dos medicamentos por elas estabelecidos.

O Município de São Paulo, por meio da Secretaria Municipal da Saúde, até em razão de sua adesão ao Sistema Único de Saúde – SUS, adequou seu já existente programa de saúde voltado à prevenção e ao tratamento da hepatite “c” às aludidas normas federais, inclusive mediante o treinamento básico em vigilância epidemiológica dos profissionais desta área e da área assistencialista, sempre com o objetivo de implementar o diagnóstico e o acompanhamento dos portadores do vírus, buscando, de outro lado, quebrar a cadeia de transmissão pelo controle dos comunicantes, bem assim adotando medidas preventivas cabíveis na espécie.

De se esclarecer, ainda, que as ações de controle para os grupos específicos que lidam com tatuagens, “piercings”, instrumentos cirúrgicos e odontológicos, acupuntura, depilação, etc., além de usuários de drogas injetáveis e pessoas que, de qualquer modo, tenham histórico de transfusão de sangue antes de 1992, competem à área de vigilância sanitária, cujas responsabilidades já estão sendo transferidas do Governo do Estado de São Paulo para a Secretaria Municipal de Saúde, também por conta da adesão do Município ao Sistema Único de Saúde – SUS.

Em síntese, as ações de prevenção e tratamento da hepatite ”c”, assim como de todas as doenças de notificação compulsória, já integram um rol de programações inerentes ao Sistema Único de Saúde – SUS, nas esferas federal, estadual e municipal, sendo, dessa forma, totalmente inconveniente a edição de legislação específica para a doença em apreço.

Em outras palavras, é contrária ao interesse público a superveniente edição de normas legais que, mais uma vez, venham a dispor acerca de assunto já normatizado, tornando esparso e confuso o seu regramento no âmbito local, em evidente detrimento do interesse maior na busca pela sua consolidação, na forma preceituada pela Lei Complementar Federal nº 95/98, editada com supedâneo no parágrafo único do artigo 59 da Constituição Federal, no sentido de que as leis conexas ou afins devem ser reunidas, mediante sua integração em diplomas legais únicos relativos a temas específicos.

Nessas condições, vejo-me compelida a vetar integralmente o texto vindo à sanção, devolvendo o assunto ao reexame dessa Egrégia Casa de Leis.

Na oportunidade, renovo a Vossa Excelência protestos de elevado apreço e distinta consideração.

MARTA SUPLICY

Prefeita

Ao Excelentíssimo

Senhor ARSELINO TATTO

Presidente da Câmara Municipal de São Paulo

 

Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo