CASA CIVIL DO GABINETE DO PREFEITO

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RAZÕES DO VETO AO PROJETO DE LEI Nº 555/2002; OFÍCIO DE 27 de Novembro de 2003

Razões de Veto ao Projeto de Lei nº 555/02

Ofício A.T.L. nº 744/03

Senhor Presidente

Tenho a honra de acusar o recebimento do Ofício nº 18/Leg.3/0652/2003, pelo qual Vossa Excelência encaminhou à sanção cópia autêntica da lei decretada por essa Egrégia Câmara, relativa ao Projeto de Lei nº 555/02, proposto pelo Vereador Rubens Calvo, que altera a redação dos artigos 1º e 2º da Lei nº 12.632, de 6 de maio de 1998, que dispõe sobre a exclusão dos médicos da restrição imposta à circulação de veículos no Município de São Paulo.

Não obstante os meritórios propósitos de que se imbuiu seu ilustre autor, impõe-se o veto total ao texto aprovado, com fundamento no § 1º do artigo 42 da Lei Orgânica do Município de São Paulo, por inconstitucionalidade, ilegalidade e contrariedade ao interesse público na conformidade das razões a seguir aduzidas.

Ao modificar a lei que exclui os médicos das restrições à circulação de veículos, a propositura visa estender tal benefício também aos médicos veterinários.

Em primeira linha de considerações, cumpre observar que o projeto aprovado contém vício de iniciativa, porquanto conflita com os artigos 70, inciso VI, e 111 da Lei Orgânica do Município de São Paulo.

Com efeito, tratando a propositura da utilização de espaço público, isto é, a área da cidade em que vigora a circulação restrita de veículos, foi desrespeitada a iniciativa privativa do Prefeito para administrar os bens públicos, nos termos dos artigos citados.

Além disso, há intromissão na competência alheia, pois o Código de Trânsito Brasileiro – CTB (Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997) confere aos órgãos executivos de trânsito dos municípios, no âmbito de sua circunscrição, a atribuição de planejar, projetar, regulamentar e operar o trânsito de veículos, bem como executar a fiscalização de trânsito, autuar e aplicar as medidas administrativas por infrações de circulação, estacionamento e parada (artigo 24, incisos II, VI e X do CTB) .

Assim sendo, como a fiscalização do trânsito está a cargo de órgão da Secretaria Municipal dos Transportes, a saber, o Departamento de Serviços Viários – DSV, fica patente que a medida toca em organização administrativa e serviços públicos, impondo, ademais, por via de conseqüência, procedimentos e encargos geradores de despesas para o erário, o que é vedado ao Legislativo, por expressa disposição legal, a teor do artigo 37, § 2º, inciso IV, da Lei Maior local.

Essa ingerência contraria, portanto, os princípios de harmonia e independência que regem a relação entre os Poderes, insertos no artigo 2º da Carta Magna, reproduzidos no artigo 5º da Constituição Estadual e no artigo 6º da Lei Orgânica Municipal.

Por outro lado, a exclusão dos veículos dos médicos veterinários desatende o princípio da isonomia, impregnado em toda a Magna Carta de 1988, na medida em que constitui substrato de inúmeros de seus preceitos, como, por exemplo, a proibição de qualquer forma de discriminação (art. 3º, inciso IV), a vedação de instituir tratamento desigual entre contribuintes (art. 150, inciso II) e por aí vai. Não satisfeito com essas alusões pontuais ao princípio da isonomia, o constituinte houve por bem consagrá-lo expressamente no “caput” do artigo 5º do texto constitucional.

Sobre a questão, preleciona o insigne jurista CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO, in O CONTEÚDO JURÍDICO DO PRINCÍPIO DA IGUALDADE, Editora Revista dos Tribunais - 1978, ao tratar especificamente da correlação lógica entre fator de discrímen e a desequiparação procedida:

“O ponto nodular para exame da correção de uma regra em face do princípio isonômico reside na existência ou não de correlação lógica entre o fator erigido em critério de discrímen e a discriminação legal decidida em função dele.” (pág. 47)

“Em outras palavras: a discriminação não pode ser gratuita ou fortuita. Impende que exista uma adequação racional entre o tratamento diferençado construído e a razão diferencial que lhe serviu de supedâneo. Segue-se que se o fator diferencial não guardar conexão lógica com a disparidade de tratamentos jurídicos dispensados a distinção estabelecida afronta o princípio da isonomia.” (pág. 49)

“Em síntese: a lei não pode conceder tratamento específico, vantajoso ou desvantajoso, em atenção a traços e circunstâncias peculiarizadoras de uma categoria de indivíduos se não houver adequação racional entre o elemento diferencial e o regime dispensado aos que se inserem na categoria diferençada.” (pág. 50)

Nessa linha de raciocínio, nota-se que não há correlação lógica para sustentar a outorga do benefício também aos médicos veterinários. De fato, o “rodizio de veículos” impõe cota de sacrifício a todos, tendo por objetivo a fluidez do trânsito e a melhoria da qualidade do ar, sendo certo que a lei de regência da matéria (Lei nº 12.490/97) excepcionou taxativamente as situações não abrangidas pela restrição por ela determinada, situações essas nas quais se encontram perfeitamente caracterizadas as indigitadas correlações lógicas entre os fatores de discrímen e o desequilibrio assim efetivado, como é o caso dos táxis (subtração de períodos de trabalho dos taxistas, trabalho dos taxistas, trabalho este consistente na própria circulação de seus veículos), das motocicletas (as quais, pelo porte, não congestionam o trânsito), dos veículos vinculados à prestação de serviços de transporte multipessoal (ônibus escolares e coletivos) e dos ligados a serviços essenciais e de emergência, cuja identificação consta do decreto regulamentar (ambulâncias, viaturas policiais e de bombeiros, veículos que transportam produtos perecíveis, etc), não havendo, dessa forma, qualquer similaridade com a natureza dos serviços prestados pelos médicos veterinários. ui

Não obstante haja lei que exclui o veículo do médico da restrição à circulação, é preciso considerar que a situação desse profissional é bem diferente da dos médicos veterinários.

Com efeito, os médicos prestam serviço público, muita vez em plantões noturnos, devendo deslocar-se freqüentemente a vários hospitais, enquanto que os veterinários, via de regra, prestam serviços privados, em trabalhos fixos nas clínicas particulares, no período diurno, no mais das vezes. Embora haja hospitais veterinários, estes são em diminuto número, em comparação aos hospitais que atendem seres humanos, de modo que é perfeitamente possível a adequação de horários pelos profissionais que praticam a medicina veterinária.

É preciso ponderar, também, que, na própria justificativa ao projeto de lei, o nobre vereador descreve os vários aspectos dos labores profissionais dos veterinários, tais como as pesquisas com animais, em laboratórios, bem como os trabalhos em granjas, avícolas, abatedouros, frigoríficos, usinas e laticínios, entrepostos de produtos derivados da carne, do leite e do peixe. Destarte, diante desse elenco de atividades, não é razoável supor que se trate de situações de emergência, a reclamar a exclusão dos veterinários do ônus restritivo imposto à maioria da população.

Oportuno se torna enfatizar, de outra banda, que descabe a alegação de eventuais atendimentos a situações de emergência para justificar a citada exclusão, eis que essas ocorrências, desde que comprovadas, sempre poderão ser argüidas nos recursos para o afastamento da imposição das respectivas multas.

O programa de restrição não prejudica o regular exercício do trabalho dos veterinários, pois não abrange o período integral de um dia, nada justificando a criação de mais uma exceção, que incentivaria o reclamo de idêntica exclusão por outras categorias de profissionais.

O denominado rodízio municipal refere-se precipuamente ao interesse local, por afetar diretamente a comunidade no seu viver cotidiano, já que diminui os congestionamentos e a poluição do ar, proporciona maior fluidez ao trânsito de veículos e até mais segurança àqueles que precisam utilizar-se das vias da cidade. Tais ponderações levam à conclusão de que os médicos veterinários devem se adequar ao interesse maior da coletividade.

Assim sendo, os motivos ora aduzidos impedem-me de acolher o texto vindo à sanção, compelindo-me a vetá-lo na íntegra, com base no disposto no artigo 42, § 1º, da Lei Orgânica deste Município, devolvendo o assunto ao reexame dessa Egrégia Casa de Leis.

Na oportunidade, renovo a Vossa Excelência protestos de consideração e apreço.

MARTA SUPLICY

Prefeita

Ao

Excelentíssimo Senhor

ARSELINO TATTO

Presidente da Câmara Municipal de São Paulo

 

 

Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo