CASA CIVIL DO GABINETE DO PREFEITO

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RAZÕES DO VETO AO PROJETO DE LEI Nº 553/2003; OFÍCIO DE 24 de Dezembro de 2003

Razões de Veto ao Projeto de Lei nº 553/03

OF ATL nº 801/03

Senhor Presidente

Nos termos do Ofício nº 18/leg.3/0755/2003, Vossa Excelência encaminhou à sanção cópia autêntica da lei decretada por essa Egrégia Câmara, relativa ao Projeto de Lei nº 553/03, proposto pelo Vereador Dalton Silvano, que dispõe sobre a contratação de funcionários públicos em caráter emergencial, sem concurso público, para trabalho no Hospital Cidade Tiradentes.

Não obstante os meritórios propósitos de que se imbuiu seu ilustre autor, impõe-se o veto total ao texto aprovado, com fundamento no § 1º do artigo 42 da Lei Orgânica do Município de São Paulo, por inconstitucionalidade, ilegalidade e contrariedade ao interesse público, na conformidade das razões a seguir aduzidas.

A propositura estabelece, na hipótese de não haver concurso público por motivo de força maior, na forma da lei, critério de prioridade a ser observado na contratação de pessoal para o Hospital Cidade Tiradentes, dando preferência, em primeiro lugar, aos moradores de localidades do Distrito de Cidade Tiradentes, e, como segunda preferência, aos residentes em Guaianazes e São Mateus. As empresas contratadas também ficam obrigadas a selecionar funcionários com tal critério de priorização.

Em primeira linha de considerações, cumpre observar que o projeto aprovado contém vício de iniciativa, porquanto conflita com o artigo 37, § 2º, inciso IV, da Lei Orgânica do Município de São Paulo, que estabelece serem de iniciativa do Prefeito as leis que disponham sobre organização administrativa e serviços públicos.

Com efeito, ao dispor sobre a contratação de servidores públicos a medida extrapola as funções do Legislativo e invade a esfera de competências do Executivo, configurando infringência aos princípios constitucionais da independência e harmonia entre os Poderes, consagrados no artigo 2º da Constituição Federal e reproduzidos nos artigos 5º da Constituição Estadual e 6º da Lei Maior local.

A mensagem também viola as normas gerais sobre licitações e contratos administrativos, nos termos da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, e alterações posteriores, em seu artigo 3º, § 1º, inciso I, ao estabelecer exigências para empresas, consistentes em serem obrigadas a ter em seus quadros profissionais residentes nos locais indicados na propositura, sendo tal circunstância impertinente ou irrelevante para o específico objeto do contrato.

O estabelecimento de critério de prioridade baseado exclusivamente no local de moradia da pessoa a ser contratada é inconstitucional por ferir o princípio da isonomia, impregnado em toda a Carta de 1988, na medida em que constitui substrato de inúmeros de seus preceitos, como, por exemplo, a proibição de qualquer forma de discriminação (art. 3º, inciso IV), a vedação de instituir tratamento desigual entre contribuintes (art. 150, inciso II) e por aí vai. Não satisfeito com essas alusões pontuais ao princípio da isonomia, o constituinte houve por bem consagrá-lo expressamente no “caput” do artigo 5º do texto constitucional.

Sobre a questão, preleciona o insigne jurista CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO, in O CONTEÚDO JURÍDICO DO PRINCÍPIO DA IGUALDADE, Editora Revista dos Tribunais – 1978, ao tratar especificamente da correlação lógica entre fator de discrímen e a desequiparação procedida:

“O ponto nodular para exame da correção de uma regra em face do princípio isonômico reside na existência ou não de correlação lógica entre o fator erigido em critério de discrímen e a discriminação legal decidida em função dele”. (pág. 47)

“Em outras palavras: a discriminação não pode ser gratuita ou fortuita. Impende que exista uma adequação racional entre o tratamento diferençado construído e a razão diferencial que lhe serviu de supedâneo. Segue-se que se o fator diferencial não guardar conexão lógica com a disparidade de tratamentos jurídicos dispensados a distinção estabelecida afronta o princípio da isonomia”. (pág. 49)

“Em síntese: a lei não pode conceder tratamento específico, vantajoso ou desvantajoso, em atenção a traços e circunstâncias peculiarizadoras de uma categoria de indivíduos se não houver adequação racional entre o elemento diferencial e o regime dispensado aos que se inserem na categoria diferençada”. (pág. 50)

Nessa linha de raciocínio nota-se que não há correlação lógica entre o fator de discrímen e o tipo de trabalho a ser efetuado, pois o fato de morar próximo ao local de trabalho não pode ser razoavelmente considerado como critério técnico de desigualação dos candidatos. Esses devem ser avaliados segundo exigências adequadas ao trabalho a ser desempenhado.

Por outro lado, há que se considerar que a assim denominada “contratação por emergência” é, na verdade, a contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público, prevista no artigo 37, inciso IX, da Constituição Federal, sendo uma exceção ao princípio geral de exigência de concurso público para investidura em cargo ou emprego público previsto no inciso II do citado preceito constitucional.

No âmbito do Município de São Paulo tal norma tem sua disciplina nos termos da Lei nº 10.793, de 21 de dezembro de 1989, regulamentada pelo Decreto nº 32.908, de 28 de dezembro de 1992. Portanto, a contratação por emergência já está totalmente contemplada na legislação em vigor, em consonância com as normas constitucionais e legais atinentes à matéria.

Assim sendo, os motivos ora aduzidos impedem-se de acolher o texto vindo à sanção, compelindo-me a vetá-lo na íntegra, com base no disposto no artigo 42, § 1º, da Lei Orgânica deste Município, devolvendo o assunto ao reexame dessa Egrégia Casa de Leis.

Na oportunidade, renovo a Vossa Excelência protestos de consideração e apreço.

MARTA SUPLICY

Prefeita

Ao

Excelentíssimo Senhor

ARSELINO TATTO

Presidente da Câmara Municipal de São Paulo

 

Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo