CASA CIVIL DO GABINETE DO PREFEITO

Acessibilidade

RAZÕES DO VETO AO PROJETO DE LEI Nº 522/2004; OFÍCIO DE 17 de Janeiro de 2008

Razões de Veto ao Projeto de Lei nº 522/04

OF ATL nº 11/08

Ref.: Ofício SGP-23 nº 6243/2007

Senhor Presidente

Reporto-me ao ofício referenciado, por meio do qual Vossa Excelência encaminhou à sanção cópia autêntica da lei decretada por essa Egrégia Câmara, na sessão de 6 de dezembro de 2007, relativa ao Projeto de Lei nº 522/04, de autoria do Vereador Nabil Bonduki, que “dispõe sobre o Plano Integrado de Gerenciamento dos Resíduos da Construção Civil e Resíduos Volumosos e seus componentes, o Programa Municipal de Gerenciamento e Projetos de Gerenciamento de Resíduos da Construção Civil conforme previstos na Resolução CONAMA nº 307/2002, disciplina a ação dos geradores e transportadores desses resíduos no âmbito do Sistema de Limpeza Urbana do Município de São Paulo e dá outras providências”.

A propositura começa por definir diversos tipos de resíduos, geradores de resíduos, transportadoras, caçambas, equipamentos de coleta, postos de entrega, áreas de transbordo e triagem, aterros, áreas de reciclagem, agregados reciclados, pequenos e grandes volumes de resíduos, documento de controle de transporte de resíduos da construção civil.

Visando disciplinar a matéria em todos os seus aspectos, o projeto aprovado estabelece um conjunto de regras, com muitos comandos normativos, atribuindo responsabilidades e correspondentes condutas desejáveis e indesejáveis, objetivando a correta disposição dos resíduos e disciplina de seus fluxos e destinação final, mediante programas configuradores de sistemas diversos, a seguir sumariados.

O primeiro é o Plano Integrado de Gerenciamento dos Resíduos da Construção Civil e Resíduos Volumosos, constituído de uma rede de pontos de entrega (para pequenos volumes) e de áreas de recepção (para grandes volumes), bem como de diversas ações de informação, educação ambiental, incentivo à reutilização e reciclagem, controle e fiscalização, integração de intervenções na região metropolitana e de interlocução entre agentes públicos e privados relacionados à gestão dos resíduos.

O segundo é o Programa Municipal de Gerenciamento dos Resíduos da Construção Civil, que impõe ao Executivo indicar em cada distrito áreas municipais para a instalação de pontos de entrega de pequenos volumes de resíduos e bens inservíveis, devendo receber descargas para triagem, transbordo e destinação adequada dos diversos componentes.

O terceiro é a Rede de Áreas para Recepção de Grandes Volumes, constituída por áreas de transbordo e triagem, áreas de reciclagem e aterros de resíduos da construção civil, bem como por empreendimentos privados autorizatários, operadores da triagem, transbordo, reciclagem, reservação e disposição final, estabelecendo regras baseadas em resoluções do CONAMA e em normas técnicas oficiais. Dispõe também sobre a disciplina e procedimentos dos geradores e dos transportadores, e trata dos projetos de gerenciamento de resíduos da construção civil.

Determina, ainda, caber ao órgão municipal de limpeza urbana a responsabilidade pelas mais diversas ações concernentes à gestão, fiscalização e instituição de penalidades, com vistas à implantação e coordenação das ações previstas no referido Plano Integrado. Assim, o Executivo deverá inspecionar e orientar geradores, transportadores e receptores, vistoriar os veículos cadastrados, bem como os equipamentos acondicionadores de resíduos, o material transportado e as áreas receptoras. Também deverá expedir notificações, autos de infração, de retenção e de apreensão, enviar aos órgãos competentes os autos não pagos, para inscrição na dívida ativa.

Sem sequer adentrar a questão atinente ao fato de a propositura dispor sobre matéria relativa à organização administrativa e bens públicos, incorrendo em clara ingerência nas atividades do Executivo, o fato é que o presente veto decorre da previsão contida no inciso V do artigo 28 do texto, que, como a seguir se demonstrará, contamina o projeto aprovado na sua totalidade.

Com efeito, do exame da proposta, verifica-se a previsão de grande quantidade de condutas a serem observadas pelos administrados, que deverão receber multas em casos de infração, tipificadas em diversos artigos. Tal é o que ocorre, por exemplo, com os seguintes dispositivos: artigo 3º, § 1º (proibição de disposição de resíduos em “bota fora”); artigo 3º, § 4º (obrigatoriedade de disposição de resíduos Classe A provenientes de obras públicas em áreas públicas se a disposição temporária for autorizada pelo órgão ambiental); artigo 10, § 3º (proibição de descarga por transportadoras não autorizadas); artigo 10, § 4º (proibição de descargas oriundas de serviços de saúde); artigo 15, § 3º (proibição de utilização de caçambas para outros tipos de resíduos); artigo 15, § 4º (proibição aos geradores de utilizar dispositivos suplementares que promovam a elevação da capacidade volumétrica de caçambas); artigo 16 (proibição de deslocamentos sem o documento próprio), dentre inúmeras outras hipóteses de incidência de normas administrativas sancionatórias de condutas indevidas.

Ao determinar, como acima apontado, que o Executivo deverá “definir, por ato normativo específico, as multas aplicáveis aos infratores desta lei, bem como suas formas de aplicação”, a propositura claramente incorreu em inconstitucionalidade. Com efeito, o artigo 5º, inciso II, da Constituição Federal, institui o princípio da legalidade, segundo o qual “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Também em seu artigo 37, “caput”, a Lei Maior dispõe que a Administração Pública obedecerá ao princípio da legalidade.

Examinada sob esse prisma, a propositura apresenta de forma disseminada, ao longo de todo seu elenco de artigos, inúmeras condutas sem cominar as correspondentes sanções, o que é matéria de reserva legal, impossível de ser instituída por ato do Poder Executivo, incorrendo assim em inconstitucionalidade por falta de estabelecimento das sanções específicas.

Em tal sentido, ensina Celso Antonio Bandeira de Mello, que “tanto as infrações administrativas como suas correspondentes sanções têm que ser instituídas em lei – não em regulamento, instrução, portaria e quejandos”. Também esclarece – ao tratar do princípio da tipicidade, que deve nortear a ação do legislador – que “se na caracterização das infrações administrativas são reclamados os indispensáveis cuidados que preservem a razão de existir do princípio da legalidade, outro tanto se dirá no que respeita à identificação das sanções cabíveis em vista das condutas violadoras que as ensejam. Com efeito, cumpre que a lei noticie de maneira clara aos administrados a que conseqüências estarão sujeitos se descumprirem as normas pertinentes. O mínimo que se espera de um Estado de Direito – e maiormente de um, como é o caso do Brasil, que se proclama um Estado Democrático de Direito (art. 1º da Constituição), tanto mais se declaradamente tem como um de seus fundamentos “a cidadania” (inciso II do mesmo artigo) – é que assegure aos administrados prévia ciência dos gravames que lhes serão infligidos caso desatendam às leis administrativas” (Curso de Direito Administrativo, Malheiros Editores, 20ª. edição, 2005, págs. 803/804).

Em assim sendo, o veto à propositura é de rigor, tendo em vista que, ao normatizar a matéria em toda sua amplitude, sem a fixação das correspondentes sanções e penalidades por seu descumprimento, a lei seria inócua, por estar desprovida da necessária coercitividade, a impedir, inclusive, sua fiscalização pelos órgãos municipais competentes e, via de conseqüência, o pleno alcance do objetivo colimado por seu autor.

Concluindo, pelas razões expendidas, vejo-me compelido a vetar integralmente o texto aprovado, com fulcro no artigo 42, § 1º, da Lei Orgânica do Município de São Paulo, devolvendo o assunto ao reexame dessa Egrégia Câmara.

Na oportunidade, renovo a Vossa Excelência meus protestos de apreço e consideração.

GILBERTO KASSAB

Prefeito

Ao

Excelentíssimo Senhor

ANTONIO CARLOS RODRIGUES

Digníssimo Presidente da Câmara Municipal de São Paulo

 

Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo