Razões de Veto ao Projeto de Lei nº 432/01
Ofício ATL nº 118/03
Senhor Presidente
Nos termos do Ofício nº 18/Leg.3/0057/2003, Vossa Excelência encaminhou à sanção cópia autêntica da lei decretada por essa Egrégia Câmara, relativa ao Projeto de Lei nº 432/01, proposto pelo Vereador Gilberto Natalini, que disciplina a instalação de Estações de Rádio Base (ERBs), Miniestações de Rádio Base (Mini ERBs) e equipamentos afins de transmissão de telefonia celular, e dá outras providências.
Não obstante os meritórios propósitos de que se imbuiu seu ilustre autor, impõe-se o veto total ao texto aprovado, por inconstitucionalidade, ilegalidade e contrariedade ao interesse público, nos termos das razões a seguir aduzidas.
A propositura, em resumo, ao dispor sobre a instalação das referidas estações e equipamentos, estabelece vedação de instalação em bens públicos de uso comum do povo e de uso especial e em outras áreas; define requisitos técnicos e procedimentos de obtenção de licença e de fiscalização; exige estudos de impacto de vizinhança e relatório ambiental preliminar em todos os casos e estipula penalidades para infratores.
Patente que a medida, ao legislar sobre o uso dos bens municipais, contraria o disposto nos artigos 70, inciso VI, e 111 da Lei Orgânica do Município de São Paulo, que estabelece a competência privativa do Prefeito para “administrar os bens municipais”.
Nesse sentido, a iniciativa da mensagem é privativa do Prefeito, a teor do disposto no artigo 37, § 2°, inciso IV, da Lei Maior local, caracterizando na hipótese vício de iniciativa, com ofensa ao princípio da independência e harmonia entre os Poderes.
Tal vedação, ademais, contraria o interesse público, uma vez que, estabelecida indiscriminadamente, pode vir a impedir a instalação das antenas em áreas públicas imprescindíveis, do ponto de vista técnico, para manter a cobertura e qualidade do sistema. Evidente que, de acordo com os procedimentos licitatórios previstos na legislação pertinente, a Municipalidade poderá autorizar o uso de área municipal para essa finalidade, levando em conta a necessidade da população em contar com esse serviço de utilidade pública.
Por outro lado, a propositura dispõe sobre organização administrativa e serviços públicos com evidente interferência nas atividades e competências dos órgãos municipais, na medida em que lhes confere novas atribuições, a demandar a adoção de novos procedimentos e rotinas, com a necessidade de alocação, para tanto, de recursos humanos e materiais, impondo, por via de conseqüência, encargos geradores de despesas para o erário, o que é vedado ao Legislativo, por expressa disposição legal.
De fato, o texto aprovado está permeado de disposições que determinam a adoção de providências por várias secretarias municipais; criam obrigações concernentes à adoção de procedimentos; acrescentam atribuição ao Conselho Municipal do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável e dispõem sobre a instrução de processos e expedientes.
Sem dúvida, as leis que tratam de organização administrativa, serviços públicos e atribuições de órgãos municipais são de iniciativa privativa do Chefe do Executivo, por força do disposto, respectivamente, no inciso IV do § 2° do artigo 37 e no inciso XVI do artigo 69, ambos da Lei Orgânica do Município de São Paulo.
Por outro lado, é mister ressaltar que a medida pressupõe a existência de verbas, importando aumento de despesas, sem a indicação dos correspondentes recursos, achando-se francamente em desacordo com o artigo 25 da Constituição do Estado de São Paulo e com a Lei Complementar n° 101, de 4 de maio de 2000, em seus artigos 15 a 17.
A propósito, vale lembrar que o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em casos análogos, tem proclamado reiteradamente a inconstitucionalidade de textos legais como o ora vetado:
“Desta forma, determinando, por meio de lei a adoção de medidas específicas de execução, houve ingerência de um Poder em relação ao outro, com nítida invasão de competência e infringência ao artigo 5°, “caput”, da Constituição do Estado.
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A par disso, é evidente que a execução da indigitada lei iria provocar despesas. Sem constar a indicação dos recursos disponíveis próprios para atender aos novos encargos, era de rigor o veto, nos termos do artigo 25 da Constituição do Estado” (ADIN n° 44.255.0/5-00 – Rel. Des. Franciulli Neto, v.u., j. em 19.05.99; no mesmo sentido: ADIN n° 59.744.0/01 – Rel. Des. Mohamed Amaro, ADIN n° 11.676-0; Rel. Des. Milton Coccaro; ADIN n° 11.803-0, Rel. Des. Yussef Cahali; ADIN n° 65.779-0/0, Rel. Des. Flávio Pinheiro).
Diante do exposto a propositura extrapola de forma cristalina as atribuições da Câmara e invade a esfera de competências específicas do Executivo, configurando-se afronta ao princípio constitucional da independência e harmonia entre os Poderes, consagrado no artigo 2º da Constituição Federal e reproduzido no artigo 6º da Lei Orgânica do Município de São Paulo.
Não obstante as razões de inconstitucionalidade de ilegalidade apontadas sejam suficientes para fundamentar o veto integral do texto aprovado, a propositura desatende, ainda, ao interesse público.
No âmbito municipal o assunto está disciplinado atualmente pelo Decreto nº 39.603, de 10 de julho de 2000, que regulamentou a implantação de antenas, torres e equipamentos de telecomunicações com enquadramento na categoria de uso E-4 e estabeleceu procedimentos administrativos e fiscalizatórios, bem como pela Resolução/SEMPLA.CNLU/103/98 que dispõe sobre as redes telefônicas e de telefonia celular.
Diante disso, nota-se que estando o tema devidamente cuidado por normas administrativas, não há o que dispor a esse respeito no âmbito do Poder Legislativo. O regramento, evidentemente, pode comportar aperfeiçoamentos que não foram, todavia, trazidos pela propositura aprovada.
A matéria, dada a sua complexidade, não foi adequadamente tratada no texto aprovado, o qual se revela incompleto e contrário a disposições técnicas.
A adoção da propositura poderia ocasionar alguns problemas legais ao Município, pois até o momento as Estações de Rádio Base de telefonia celular são aprovadas como “edificações” e, portanto, possuem direito adquirido quando legalmente aprovadas, recebendo licença que não pode ser cassada sem que exista um interesse municipal superveniente que justifique tal ação.
Também a legislação municipal não prevê nenhum tipo de restrição para a instalação de estações junto a determinado tipo de uso. Tendo em vista que não existe comprovação científica de possíveis efeitos nocivos à saúde humana pelos campos eletromagnéticos emitidos por elas, não há base científica que apóie a proibição ou que forneça elementos para a revogação de licenças já expedidas.
O texto aprovado adota o índice do ICNIRP como parâmetro para verificação dos índices de radiação não ionizante emitido por uma estação rádio base. A ANATEL colocou esse índice em consulta pública (consulta n° 285 e 296) das quais resultou a Resolução n° 303, de 2 de julho de 2002, que aprovou o regulamento sobre exposição a campos elétricos, magnéticos e eletromagnéticos. A competência sobre essa matéria é da União, de acordo com o artigo 22, inciso IV da Constituição Federal, de modo que a lei municipal não pode dispor sobre o assunto.
Deve, além disso, ser obedecida a legislação estadual sobre a matéria, consubstanciada na Lei Estadual n° 10.995, de 21 de dezembro de 2001, que dispõe sobre antenas transmissoras de telefonia celular.
Como se pode observar, a legislação em vigor já dispõe sobre o objeto da propositura em questão, sendo totalmente contrária ao interesse público a superveniente edição de norma legal que, venha a dispor pontualmente sobre matéria que demanda tratamento normativo sistemático, tornando esparso e confuso o seu regramento no âmbito local, bem como dificultando sobremaneira a necessária ação fiscalizatória, em evidente detrimento do interesse maior na busca pela sua consolidação, consoante previsto na Lei Complementar Federal n° 95/98 (alterada pela Lei Complementar Federal n° 107/01), segundo a qual as leis com matérias conexas ou afins devem ser reunidas, mediante sua integração em diplomas legais únicos relativos a temas específicos.
Pelo exposto, estou impedida de acolher o texto vindo à sanção, o que me compele a vetá-lo inteiramente, por inconstitucionalidade, ilegalidade e contrariedade ao interesse público, com fulcro no artigo 42, § 1º, da Lei Orgânica do Município de São Paulo.
Devolvo o assunto, pois, à apreciação dessa Egrégia Câmara que, com seu elevado critério, se dignará a reexaminá-lo.
Na oportunidade, renovo a Vossa Excelência protestos de elevado apreço e distinta consideração.
MARTA SUPLICY
Prefeita
Ao Excelentíssimo Senhor
ARSELINO TATTO
Presidente da Câmara Municipal de São Paulo
Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo