CASA CIVIL DO GABINETE DO PREFEITO

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RAZÕES DO VETO AO PROJETO DE LEI Nº 429/2002; OFÍCIO DE 13 de Maio de 2003

Razões de Veto ao Projeto de Lei nº 429/02

Ofício ATL nº 224/03

Senhor Presidente

Acusando o recebimento do Ofício nº 18/Leg.3/0193/2003, por meio do qual Vossa Excelência encaminhou à sanção cópia autêntica do Projeto de Lei nº 429/02, aprovado por essa Egrégia Câmara na sessão do dia 9 de abril do corrente ano, de autoria do Vereador Carlos Giannazi, que objetiva instituir a “Cesta Pedagógica” – programa de composição de acervo de livros para educadores como complemento de sua formação profissional – sirvo-me do presente para, com fulcro no artigo 42, § 1º, da Lei Orgânica deste Município, comunicar a minha deliberação pelo veto total à propositura, ante sua inconstitucionalidade, ilegalidade e contrariedade ao interesse público, na conformidade das razões a seguir apresentadas.

Com efeito, não obstante os meritórios propósitos que certamente motivaram o seu autor, a mensagem aprovada, ao pretender instituir benefício para os integrantes do Magistério Municipal, colimando a melhoria da prestação do serviço público de ensino, mediante a complementação da formação de referidos profissionais, incorre em vício de iniciativa legislativa, visto cuidar de temas diretamente relacionados a servidores públicos e à prestação de serviços públicos, cujas matérias são de competência legislativa privativa do Executivo, a teor do preconizado no artigo 37, § 2º, incisos III e IV, da Lei Orgânica local. Como corolário, resta afrontado o salutar princípio da independência e harmonia entre os Poderes, consignado no artigo 2º da Constituição da República e transposto para a órbita do Município na forma do artigo 6º de sua Lei Maior. Essa invasão de competência legislativa torna o projeto inequivocamente inconstitucional.

A esse respeito, preleciona o insigne constitucionalista CELSO RIBEIRO BASTOS:

“Ao contemplar tal princípio, o constituinte teve por objetivo – tirante as funções atípicas previstas pela própria Constituição – não permitir que um dos “poderes” se arrogue o direito de interferir nas competências alheias, portanto, não permitindo, por exemplo, que o Executivo passe a legislar e também a julgar ou o Legislativo, que tem por competência a produção normativa, aplique a lei ao caso concreto.” (in CURSO DE DIREITO CONSTITUCIONAL, Editora Saraiva, 11a. edição, São Paulo – 1999, obra reformulada de acordo com a Constituição Federal de 1988, pág. 149)

Ainda sob o ponto de vista formal, o projeto acolhido por essa Edilidade, no aspecto relativo ao aumento de despesa (“bonus” com valor correspondente ao preço médio de dez livros) é ilegal por não atender o disposto no artigo 17 da Lei Complementar Federal nº 101/00 (editada em obediência ao artigo 163, inciso I, da Constituição da República, estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal), nos termos do qual os atos que criarem ou aumentarem despesa obrigatória de caráter continuado deverão ser instruídos com a estimativa do impacto orçamentário e financeiro no exercício do seu início de vigência e nos dois subseqüentes, bem como, em especial, demonstrar a origem dos recursos para o seu custeio.

À idêntica conclusão remete o preceito consignado no artigo 25 da Constituição do Estado de São Paulo, porquanto nenhum projeto de lei que implique a criação ou o aumento de despesa pública poderá ser sancionado sem que dele conste a indicação dos recursos disponíveis, próprios para atender aos novos encargos.

De rigor, portanto, a negativa de sanção por força dos fundamentos de ordem constitucional e legal até aqui apresentados.

Mas não é só. Também no mérito, por contrariar o interesse público, à mensagem aprovada não poderia ser reservado outro destino, uma vez que o seu objetivo — complementação da formação dos integrantes da Carreira do Magistério — já é atingido por meio das “Salas de Leitura” instaladas nas unidades escolares da Rede Municipal de Ensino.

De fato, constituindo o aperfeiçoamento da formação dos profissionais de educação uma das prioridades da atual gestão, a Secretaria Municipal de Educação tem investido maciçamente no aumento e na qualidade do acervo pedagógico, cultural e literário das aludidas salas de leitura, evidenciando-se, pois, inconveniente e dispendiosa para o erário a implantação de novo programa cuja finalidade vem sendo atendida por outro já existente.

E mais: do cotejo entre os dois programas, constata-se que a manutenção das referidas “Salas de Leitura” nas unidades escolares melhor atende ao interesse público, não só em decorrência do seu custo substancialmente inferior, mas, em especial, por propiciar a aquisição, pela Prefeitura, de acervo de livros infinitamente superior, seja quanto à sua quantidade, seja quanto à sua qualidade e variedade.

Ao contrário, a pretendida instituição da “Cesta Pedagógica”, além de mais custosa, apresenta flagrantes incoerências na sua concepção, como é o caso do cerceamento do direito dos professores de língua estrangeira, tendo-se em conta a imposição no sentido de que as escolhas dos educadores recaiam apenas e tão-só sobre obras de natureza pedagógica, literária ou cultural publicadas na língua portuguesa. Outra incoerência do programa “Cesta Pedagógica” concerne à possibilidade dos educadores escolherem os livros que a comporão, porém vinculando tal escolha ao projeto pedagógico da unidade escolar onde se encontrem prestando serviços. Nessa situação, pergunta-se: quem fará e de que forma se dará o controle das escolhas, a fim de verificar sua conformidade com o respectivo projeto pedagógico? Quanto aos profissionais que se removem de uma unidade escolar para outra, com a conseqüente mudança de projeto pedagógico, o que fazer com os livros anteriormente escolhidos?

Não se pode deixar de destacar, de outra parte, a impropriedade presente na propositura, consubstanciada na contrariedade entre o comando que garante aos professores o direito à livre escolha das obras e o que estabelece uma relação entre o número de livros a serem adquiridos, ou seja, 10 (dez) e o valor do “bônus”.

Um outro aspecto que dificultaria sobremaneira a implantação do programa “Cesta Pedagógica” diz respeito à regionalização dos postos para a troca dos bônus pelos livros, eis que não haveria como garantir a igualdade entre os preços apresentados pelas livrarias ou editoras.

Como se pode constatar, o projeto aprovado, embora meritório, efetivamente não reúne as condições necessárias à sua implementação na Secretaria Municipal de Educação.

Nessas condições, estando sobejamente evidenciadas a inconstitucionalidade e a ilegalidade da medida aprovada, bem como a sua contrariedade ao interesse público, em razão do que me vejo na contingência de vetá-la totalmente, devolvo o assunto à apreciação dessa Egrégia Edilidade.

Na oportunidade, renovo a Vossa Excelência protestos de elevado apreço e distinta consideração.

MARTA SUPLICY

Prefeita

Ao Excelentíssimo Senhor

ARSELINO TATTO

Presidente da Câmara Municipal de São Paulo

 

Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo