CASA CIVIL DO GABINETE DO PREFEITO

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RAZÕES DO VETO AO PROJETO DE LEI Nº 428/2003; OFÍCIO DE 13 de Janeiro de 2004

Razões de Veto ao Projeto de Lei nº 428/03

OF ATL Nº 044/04

Senhor Presidente

Nos termos do Ofício nº 18/Leg.3/0782/2003, Vossa Excelência encaminhou à sanção cópia autêntica da lei decretada por essa Egrégia Câmara, relativa ao Projeto de Lei nº 428/03, de autoria do Vereador Roberto Tripoli, que proíbe a entrega de animais capturados nas ruas para instituições e centros de pesquisa e ensino.

Não obstante os meritórios propósitos de que se imbuiu seu ilustre autor, impõe-se o veto total ao texto aprovado, por inconstitucionalidade, ilegalidade e contrariedade ao interesse público, nos termos das razões a seguir aduzidas,

A propositura proíbe o órgão responsável pelo controle de zoonoses no Município de São Paulo de fornecer animais capturados às instituições que menciona.

Patente que a medida, ao tratar da atribuição específica de um departamento de uma secretaria municipal, incorre em vício de iniciativa, porquanto conflita com o artigo 37, § 2º, inciso IV, da Lei Orgânica do Município de São Paulo, que estabelece serem de iniciativa do Prefeito as leis que disponham sobre organização administrativa e serviço público.

Com efeito, o Cento de Controle de Zoonoses, foi criado pelo Decreto nº 10.435, de 3 de abril de 1973, e tem atribuições específicas concernentes a registro, vacinação e captura de animais, bem como pesquisa de zoonoses e controle da população animal.

Assim, a medida extrapola as funções do Legislativo e invade a esfera de competências do Executivo, configurando infringência aos princípios constitucionais da independência e harmonia entre os Poderes, consagrados no artigo 2º da Constituição Federal e reproduzidos nos artigos 5º da Constituição Estadual e 6º da Lei Maior Local.

A matéria de que trata a propositura está sistematizada na Lei nº 13.131, de 18 de maio de 2001, alterada pela Lei nº 13.531, de 14 de março de 2003, que dispõe sobre a criação, propriedade, posse, guarda, uso e transporte de cães e gatos no Município de São Paulo, aliás também de autoria do proponente.

A lei sobrecitada estabelece, em seu artigo 26, a destinação dos animais apreendidos nas vias e logradouros públicos. Estabelece prioridades no destino dos animais, porém não veda expressamente seu encaminhamento a institutos de pesquisa, nos casos previstos na legislação.

Tais casos têm sua disciplina no Decreto nº 27.637, de 1º de fevereiro de 1989, que dispõe sobre o fornecimento de animais pela Prefeitura do Município de São Paulo e seu controle, para utilização em atividades didáticas e de experimentação.

O referido decreto criou a Comissão de Fiscalização de Pesquisa Animal - COFIPA, composta de seis membros (dois representantes da Secretaria Municipal da Saúde, dois representantes da comunidade cientifica e dois representantes do Conselho de Proteção e Defesa dos Animais).

Aquele órgão colegiado tem, dentre outras, competências de: (a) deliberar sobre o credenciamento de entidades de ensino e pesquisa junto ao Centro de Controle de Zoonoses para o fim de obterem o fornecimento de animais; (b) especificar os procedimentos de aprovação de protocolos de pesquisa e ensino, no que diz respeito à proteção de animais contra sofrimentos, e (c) proibir, com base em comprovada denúncia, a continuidade de experimentos ou atividades didáticas com animais vivos obtidos junto ao Centro de Controle de Zoonoses.

Os eventuais abusos que possam ser perpetrados pelos destinatários dos animais estão sujeitos à aplicação da lei penal própria, ou seja, a Lei Federal nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, Lei de Crimes contra o Meio Ambiente, que dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, cujo artigo 32 tipifica conduta criminal aquela consistente em praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos. A conduta criminosa é punida com detenção e multa, podendo incorrer na mesma pena quem realize experiência dolorosa ou cruel em animais vivos, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos.

Desse modo, nota-se que a lei criminal não tipifica como criminoso qualquer experimento com animal vivo. Ao contrário, para que se caracterize a figura delituosa é essencial que, de um lado, a experiência tenha sido dolorosa ou cruel e, de outro, que ela pudesse ter sido evitada em face da existência de recursos alternativos.

Vale dizer, portanto, que a tutela da fauna (silvestre, doméstica e domesticável), coibindo atos de agressão física que possam vir a ser rotulados de maus-tratos, não pode ser tomada em termos absolutos, a ponto de sobrepor-se ao bem-estar humano.

Não se trata de defender posição utilitarista e devastadora do meio ambiente, autorizando o homem a dispor sem limites dos recursos naturais. Cuida-se, sim, de bem enfocar a questão, para lembrar-se que os recursos naturais devem servir à sobrevivência da espécie humana, observados os limites impostos pela necessidade de evitar-se o embrutecimento ou a bestialização do próprio homem.

Acrescente-se que, em situações-limite, o avanço científico torna-se dependente do emprego de animais vivos, seja para fins investigativos seja para propósitos didáticos. Essas situações não se colocam apenas para a medicina e a farmacologia humana, mas também são freqüentes no âmbito da medicina veterinária.

Assim, pode haver forte interesse público na colaboração com entidades de ensino e pesquisa, por meio da doação de animais vivos que, ao invés de serem destinados imediatamente ao sacrifício por injeção letal, sirvam antes de sua morte ao nobre propósito de ampliação do conhecimento científico em prol do bem-estar da humanidade.

Finalmente, necessário é dizer que a edição de normas esparsas sobre determinado tema, como ocorre no caso, contraria as normas federais de técnica legislativa, consubstanciadas na Lei Complementar nº 95, de 26 de fevereiro de 1998, uma vez que o assunto da mensagem encontra seu campo adequado na citada Lei nº 13.131, de 2001, que traz tratamento sistemático sobre a matéria, como foi dito.

Conclui-se, portanto, que sob os aspectos apresentados o projeto aprovado revela-se inconstitucional, ilegal e contrário ao interesse público, pelo que vejo-me na contingência de vetá-lo integralmente, nos termos do artigo 42, § 1º, da Lei Orgânica Municipal e, assim sendo, devolvo o assunto à apreciação dessa Egrégia Câmara que, com seu elevado critério, se dignará a rexaminá-lo.

Na oportunidade, renovo a Vossa Excelência protestos de elevado apreço e distinta consideração.

MARTA SUPLICY

Prefeita

Ao

Excelentíssimo Senhor

ARSELINO TATTO

Presidente da Câmara Municipal de São Paulo

 

Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo