Razões de Veto ao Projeto de Lei nº 422/01
Ofício ATL nº 112/03
Senhor Presidente
Nos termos do Ofício nº 18/Leg.3/0049/2003, Vossa Excelência encaminhou á sanção cópia autêntica da lei decretada por essa Egrégia Câmara, relativa ao Projeto de Lei nº 422/01, proposto pelo Vereador Ítalo Cardoso, que dispõe sobre a assistência médica, odontológica e psicológica, pelo Sistema Municipal de Saúde, aos presos e adolescentes infratores no Município.
Não obstante os meritórios propósitos de que se imbuiu seu ilustre autor, impõe-se o veto total ao texto aprovado, com fulcro no § 1º do artigo 42 da Lei Orgânica do Município de São Paulo, por inconstitucionalidade, ilegalidade e contrariedade ao interesse público, nos termos das razões a seguir aduzidas.
A propositura visa, em resumo, assegurar tratamento médico, odontológico e psicológico, no Sistema Municipal de Saúde, aos presos e adolescentes institucionalizados pela prática de ato infracional, prevendo a visita no mínimo semanal de profissionais de saúde da Prefeitura aos distritos policiais e assegurando às presidiárias tratamento ginecológico, preferentemente por profissionais de saúde do sexo feminino.
Patente, pois, que a medida legisla sobre organização administrativa e serviços públicos, com evidente ingerência nas atividades dos órgãos administrativos, impondo, por via de conseqüência, procedimentos e encargos geradores de despesas para o erário, o que é vedado ao Legislativo, por expressa disposição legal.
Assim sendo, ao pretender dispor sobre as citadas matérias, a propositura incorre em vício de iniciativa por contrariar o disposto no artigo 37, § 2°, inciso IV, da Lei Orgânica do Município de São Paulo, que estabelece serem de iniciativa do Prefeito as leis que disponham sobre organização administrativa e serviços públicos.
Com efeito, para implantação das medidas preconizadas na lei aprovada haverá a necessidade de recursos humanos e materiais, com a criação de estruturas de atendimento e disponibilização de equipamento especializado, principalmente no caso de atendimento odontológico. Isto implica dotar as unidades de saúde de condições necessárias para viabilizar tais medidas, levando à realização de despesas, com reflexo nas finanças municipais. Tal matéria também é de iniciativa privativa do Chefe do Executivo, a teor do disposto no artigo 70, inciso VI, da Lei Orgânica.
Destarte, indiscutivelmente, a propositura extrapola as atribuições do Legislativo e invade a esfera de competências do Executivo, configurando infringência ao princípio constitucional da independência e harmonia entre os Poderes, consagrado no artigo 2° da Constituição Federal e reproduzido nos artigos 5° da Constituição Estadual e 6° da Lei Maior local.
Por outro lado, é mister ressaltar que a medida pressupõe a existência de verbas, importando aumento de despesas, sem a indicação dos correspondentes recursos, achando-se francamente em desacordo com o artigo 25 da Constituição do Estado de São Paulo e com a Lei Complementar n° 101, de 4 de maio de 2000, em seus artigos 15 a 17.
A propósito, vale lembrar que o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em casos análogos, tem proclamado reiteradamente a inconstitucionalidade de textos legais como o ora vetado:
“Desta forma, determinando, por meio de lei a adoção de medidas específicas de execução, houve ingerência de um Poder em relação ao outro, com nítida invasão de competência e infringência ao artigo 5°, “caput”, da Constituição do Estado.
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A par disso, é evidente que a execução da indigitada lei iria provocar despesas. Sem constar a indicação dos recursos disponíveis próprios para atender aos novos encargos, era de rigor o veto, nos termos do artigo 25 da Constituição do Estado” (ADIN n° 44.255.0/5-00 – Rel. Des. Franciulli Neto, v.u., j. em 19.05.99; no mesmo sentido: ADIN n° 59.744.0/01 – Rel. Des. Mohamed Amaro, ADIN n° 11.676-0; Rel. Des. Milton Coccaro; ADIN n° 11.803-0, Rel. Des. Yussef Cahali; ADIN n° 65.779-0/0, Rel. Des. Flávio Pinheiro).
Não obstante as razões de inconstitucionalidade de ilegalidade apontadas sejam suficientes para fundamentar o veto integral do texto aprovado, a propositura desatende, ainda, ao interesse público.
É que já há atendimento de saúde universalizado. Cabe destacar que a implantação da ação governamental pretendida pelo projeto aprovado já vem estabelecida no artigo 196 da Constituição Federal, in verbis:
“Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”
Segundo a precisa dicção desse dispositivo, a saúde é direito de todos, de maneira que nesse vocábulo estão abarcados os presos e adolescentes infratores aos quais se focaliza a propositura.
Para concretização desse dispositivo constitucional, veio a lume a Lei Federal nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, que “dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes, e dá outras providências”, a qual criou o Sistema Único de Saúde.
O artigo 7º, I, dessa lei federal estipula a “universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência”, e o inciso II prevê a “integridade de assistência, entendida como um conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema”.
Diante disso, vê-se que já estão plenamente contemplados os “presos e adolescentes infratores”, que estão no mesmo pé de igualdade dos demais cidadãos.
Por outro lado, a matéria concernente ao tratamento dos presos, que é de direito penitenciário, é de competência concorrente estadual, como se depreende do artigo 24, I, da Constituição Federal, verbis:
“Art. 24. Compete à União, aos Estados e aos Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
I. direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico;
...................................................................................”
Especificamente quanto à saúde do preso, dispõe o artigo 41, VII, da Lei de Execução Penal (Lei 7.210, de 11 de julho de 1984) o seguinte:
“Art. 41. Constituem direitos do preso:
....................................................................................
VII. assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa;
...................................................................................”
E, também, o artigo 43 da Lei de Execução Penal dispõe:
“Art. 43. É garantida a liberdade de contratar médico de confiança pessoal do internado ou do submetido a tratamento ambulatorial, por seus familiares ou dependentes, a fim de orientar e acompanhar o tratamento.
Parágrafo único – As divergências entre o médico oficial e o particular serão resolvidas pelo juiz de execução.”
Portanto, já há dispositivos legais que determinam ao Estado-membro a adoção das providências concernentes à assistência à saúde do preso sob sua custódia.
Transferir-se tal incumbência específica ao Poder Público Municipal significa assoberbá-lo de tarefas em um contexto de penúria de recursos e dificuldades de atendimento com as estruturas vigentes.
O quadro de funcionários públicos municipais da área de saúde, notadamente médicos e dentistas, já se encontra totalmente voltado para o atendimento à população alvo dos programas e ações municipais, devendo ser cuidadosamente avaliado o acréscimo de funções, especialmente do ponto de vista do impacto financeiro e de recursos humanos daí advindos. Tal questão agrava-se, sobremodo, no caso do atendimento odontológico, que exige equipamentos especializados para o desempenho da tarefa.
Deste modo, vejo-me na contingência de apor veto total ao projeto aprovado por inconstitucionalidade, ilegalidade e contrariedade ao interesse público, nos termos do artigo 42, § 1º, da Lei Orgânica Municipal.
Diante disso, devolvo o assunto à apreciação dessa Egrégia Câmara que, com seu elevado critério, se dignará a reexaminá-lo.
Na oportunidade, renovo a Vossa Excelência protestos de elevado apreço e distinta consideração.
MARTA SUPLICY
Prefeita
Ao Excelentíssimo
Senhor ARSELINO TATTO
Presidente da Câmara Municipal de São Paulo
Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo