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RAZÕES DO VETO AO PROJETO DE LEI Nº 417/2002; OFÍCIO DE 21 de Março de 2003

Razões de Veto ao Projeto de Lei nº 417/02

Ofício ATL nº 102/03

Senhor Presidente

Tenho a honra de acusar o recebimento do Ofício nº 18/Leg.3/0038/2003, com o qual Vossa Excelência encaminhou à sanção cópia autêntica da lei decretada por essa Egrégia Câmara, em sessão de 18 de fevereiro de 2003, relativa ao Projeto de Lei nº 417/02.

De autoria do nobre Vereador Carlos Alberto Bezerra Júnior, o projeto trata da disponibilidade de bíblias em braile nas bibliotecas públicas municipais.

Sem embargo dos meritórios propósitos que nortearam seu ilustre autor, a medida não reúne condições de ser convertida em lei, impondo-se seu veto total, com fulcro no § 1º do artigo 42 da Lei Orgânica do Município de São Paulo, por manifesta inconstitucionalidade, ilegalidade e contrariedade ao interesse público.

A mensagem aprovada determina a todas as bibliotecas públicas municipais a disponibilização de bíblias em braile para os deficientes visuais, devendo mantê-las em locais de fácil acesso, se possível adaptadas para esse tipo de leitura.

Patente, pois, que a medida dispõe sobre bens do acervo e prestação de serviços pelas bibliotecas públicas municipais, legislando, portanto, sobre organização administrativa, serviços públicos e administração de bens municipais, com evidente interferência nas atividades de seus órgãos, impondo, inclusive, procedimentos e encargos geradores de despesas para o erário, o que é vedado ao Legislativo, por expressa disposição legal.

Com efeito, as leis que tratam de organização administrativa e serviços públicos são de iniciativa privativa do Prefeito, a quem compete igualmente a administração dos bens municipais, “ex vi” do disposto no inciso IV do § 2º do artigo 37 e no artigo 111 da Lei Orgânica do Município de São Paulo, respectivamente.

Indiscutivelmente, a propositura extrapola as atribuições do Legislativo e invade a esfera de competências do Executivo, configurando infringência ao princípio constitucional da independência e harmonia entre os Poderes, consagrado no artigo 2º da Constituição Federal e reproduzido nos artigos 5º da Constituição Estadual e 6º da Lei Maior Local.

Por outro lado, é mister ressaltar que a medida pressupõe a existência de verbas, importando aumento de despesas, sem a indicação dos correspondentes recursos, achando-se francamente em desacordo com o artigo 25 da Constituição do Estado de São Paulo e com a Lei Complementar Federal nº 101, de 4 de maio de 2000, em seus artigos 15 e 16.

A propósito, vale lembrar que o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em casos análogos, tem proclamado reiteradamente a inconstitucionalidade de textos legais como o ora vetado:

“Dessa forma, determinando, por meio de lei a adoção de medidas específicas de execução, houve ingerência de um Poder em relação ao outro, com nítida invasão de competência e infringência ao artigo 5º, “caput”, da Constituição do Estado.

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A par disso, é evidente que a execução da indigitada lei iria provocar despesas. Sem constar a indicação dos recursos disponíveis próprios para atender aos novos encargos, era de rigor o veto, nos termos do artigo 25 da Constituição do Estado” (ADIN nº 44.255.0/5-00 – Rel. Des. Franciulli Netto, v.u., j. em 19.05.99; no mesmo sentido: ADIN nº 59.744.0/1 – Rel. Des. Mohamed Amaro, ADIN nº 11.676-0; Rel. Des. Milton Coccaro; ADIN nº 11.803-0, Rel. Des. Yussef Cahali; ADIN nº 65.779-0/0, Rel. Des. Flávio Pinheiro).

Não obstante as razões de inconstitucionalidade e ilegalidade apontadas sejam suficientes para fundamentar o veto integral do texto aprovado, a propositura desatende, ainda, ao interesse público.

A política de seleção de livros para as bibliotecas e para os Núcleos Braile da rede de bibliotecas municipais constitui parte integrante da política pública municipal de informação, que objetiva contemplar todos os interesses artísticos, educacionais, científicos e sociais da população, cuidando para que nenhum assunto seja privilegiado em relação aos demais, assegurada a uniformidade da coleção.

No que concerne ao segmento destinado aos deficientes visuais, impende assinalar que as bíblias em braile atualmente disponíveis em algumas bibliotecas municipais originam-se de doações e de um convênio firmado entre a Prefeitura do Município de São Paulo e a Fundação Dorina Nowill para Cegos, instituído pela Lei nº 12.155, de 30 de julho de 1996, segundo o qual uma comissão, composta por representantes do Departamento de Bibliotecas Públicas, do Centro Cultural São Paulo, da Secretaria Municipal de Cultura e da supracitada fundação, é responsável pela escolha de tais obras.

A medida aprovada, ao impingir determinado título ao acervo, acha-se, pois, em descompasso com as normas contidas na legislação municipal, configurando ingerência nos trabalhos de seleção das obras, a cargo da mencionada Comissão, orientados por critérios estabelecidos no referido ajuste.

Ademais, a obrigatoriedade de disponibilização da “Sagrada Escritura” em todas as bibliotecas municipais, em que pese sua inquestionável importância e elevado significado, acaba por privilegiar obra de interesse de determinadas religiões em detrimento de outras, o que, além de contrastar a autonomia da comissão já citada, contraria, de modo incontornável, os objetivos norteadores da política de seleção de livros, voltados ao atendimento, sem distinção, dos interesses culturais da população.

Outrossim, à luz do interesse público, cabe atentar para o montante das despesas que resultariam da implantação da medida, sem olvidar a ausência de indicação dos correspondentes recursos.

Tomando-se por exemplo a Bíblia Sagrada transcrita pelo Instituto Padre Chico, composta por 43 volumes contendo 17.200 páginas, o custo de impressão de cada bíblia seria de aproximadamente R$ 2.580,00 (dois mil, quinhentos e oitenta reais), de acordo com informações colhidas junto à Fundação Dorina Nowill para Cegos e à Associação de Deficientes Visuais e Amigos – ADEVA, totalizando R$ 172.860,00 (cento e setenta e dois mil, oitocentos e sessenta reais) para as 67 bibliotecas existentes, não incluídos os valores referentes à encadernação.

Finalmente, à vista do porte da obra transcrita em braile, é oportuno ponderar se a medida constitui efetivamente a forma mais adequada de consulta pelos deficientes visuais, considerando-se, em especial, os modernos meios eletrônicos atualmente disponíveis, os quais permitem o acesso às informações de modo mais prático e proveitoso.

Por conseguinte, o texto aprovado, além de eivado de inconstitucionalidade e ilegalidade, fere o interesse público, razões pelas quais vejo-me compelida a vetá-lo integralmente, com fulcro no § 1º do artigo 42 da Lei Orgânica do Município de São Paulo.

Assim sendo, devolvo o assunto à apreciação dessa Egrégia Câmara que, com o seu elevado critério, se dignará a reexaminá-lo.

Na oportunidade, renovo a Vossa Excelência protestos de elevado apreço e distinta consideração.

MARTA SUPLICY

Prefeita

Ao Excelentíssimo

Senhor ARSELINO TATTO

Presidente da Câmara Municipal de São Paulo

 

Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo