Razões de Veto ao Projeto de Lei nº 416/06
OF. ATL nº 67/09
Ref.: Ofício SGP-23 nº 00158/2009
Senhor Presidente
Por meio do ofício em epígrafe, Vossa Excelência encaminhou à sanção cópia autêntica da lei decretada por essa Egrégia Câmara, em sessão de 19 de dezembro de 2008, relativa ao Projeto de Lei nº 416/06, de autoria do então Vereador Farhat, que dispõe sobre a destinação de veículos exclusivos para mulheres no sistema rodoviário do Município de São Paulo.
Em que pese o meritório intuito que norteou seu autor, a medida, todavia, não reúne condições de ser convertida em lei, impondo-se seu veto total, na conformidade das razões a seguir aduzidas.
O projeto de lei determina às empresas “que administram o sistema rodoviário do Município de São Paulo” a destinação de veículos exclusivos para mulheres e acompanhantes menores de idade nos horários de pico (entre 6h e 9h e entre 17h e 20h) e nas linhas determinadas pelos órgãos de transportes competentes, exceto aos sábados, domingos e feriados, sob pena de advertência e multa, nos casos de primeira e segunda infração, respectivamente.
De fato, não há como negar que o texto vindo à sanção excede a esfera de atribuições legais do Município, vez que legisla sobre normas atinentes ao sistema rodoviário, dispondo, portanto, sobre matéria que se insere no campo das competências legislativas da União e do Estado, por força de mandamento constitucional, insculpido no artigo 21, inciso XII, alínea “e”, combinado com o artigo 25, § 1º, ambos da Carta Magna.
Tanto é assim que o projeto de lei foi inspirado na Lei nº 4.733, de 23 de março de 2006, do Estado do Rio de Janeiro, conforme declinado na justificativa apresentada por seu autor.
Como se sabe, cabe à União regular e explorar os serviços de transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, nos termos do primeiro dispositivo constitucional acima citado, incumbindo ao Estado dispor sobre os serviços de transporte rodoviário estadual ou intermunicipal.
A competência do Município, inscrita no artigo 30 da Constituição Federal, limita-se aos assuntos de seu peculiar interesse, cabendo-lhe organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o do transporte coletivo, que tem caráter essencial, de acordo com o inciso V desse artigo.
Essa norma “garante ao Município a competência para prestar os seus serviços de transporte coletivo, o que significa afirmar, os transportes que se limitam a transitar pelo território municipal, reafirmando o princípio da predominância do interesse, no caso o local, conforme o artigo 30, inciso I, da Constituição Federal”, como bem esclarece Alexandre de Moraes em artigo sobre o tema, publicado na Revista “Justitia” nº 57 (172), de outubro/dezembro de 1995, páginas 84/87.
Em consonância com os preceitos constitucionais, a Lei Orgânica do Município estabelece, em seus artigos 172 a 179, competir à Prefeitura o planejamento, a organização, a implantação e a execução, direta ou indiretamente, do transporte público, no âmbito do Município, bem como sua regulamentação, controle e fiscalização, sendo o sistema de transporte urbano constituído pelo transporte público de passageiros, pelo transporte de cargas e pelo transporte coletivo complementar, além das vias de circulação e demais elementos estruturais e operacionais.
O Município, portanto, não detém competência legal para legislar sobre o sistema rodoviário, inexistindo, ademais, como demonstra a própria Lei Maior Local, o “sistema rodoviário do Município de São Paulo”, ao qual a propositura destina seus comandos, cuja aplicação resta, pois, inteiramente inviável, ante a irremediável inconstitucionalidade de que padece.
Por outro lado, a medida envolve também questão vinculada ao regime de prestação de serviços de transporte, sob regime de concessão ou permissão, matéria cuja iniciativa legislativa é exclusiva do Executivo, configurando, dessa forma, indevida ingerência de um Poder na seara privativa de outro, motivo pelo qual a propositura em apreço invade não apenas a órbita de competências legislativas da União e do Estado, como também a do próprio Executivo, incorrendo, sem dúvida, em afronta ao princípio constitucional da independência e harmonia entre os Poderes, consagrado no artigo 2º da Carta Magna e reproduzido no artigo 5º da Constituição do Estado de São Paulo e no artigo 6º da Lei Maior Local.
Por conseguinte, à vista das razões ora explicitadas, evidenciando os óbices que impedem a sanção do texto aprovado, por sua inarredável inconstitucionalidade e ilegalidade, vejo-me compelido a vetá-lo na íntegra, com fundamento no § 1º do artigo 42 da Lei Orgânica do Município de São Paulo.
Assim sendo, devolvo o assunto à apreciação dessa Egrégia Câmara, renovando a Vossa Excelência, na oportunidade, meus protestos de apreço e consideração.
GILBERTO KASSAB
Prefeito
Ao
Excelentíssimo Senhor
ANTONIO CARLOS RODRIGUES
Digníssimo Presidente da Câmara Municipal de São Paulo
Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo