Razões de Veto ao Projeto de Lei nº 390/05
OF ATL nº 229/05
Ref.: Ofício SGP 23 nº 4937/2005
Senhor Presidente
Por meio do ofício referenciado, ao qual ora me reporto, Vossa Excelência encaminhou à sanção desta Chefia do Executivo cópia autêntica da lei decretada por essa Egrégia Câmara em sessão de 26 de outubro de 2005, relativa ao Projeto de Lei nº 390/05.
De autoria do Vereador Mário Dias, o projeto aprovado institui incentivo fiscal para as pessoas jurídicas domiciliadas no Município de São Paulo, na qualidade de empregadores, visando à inserção de idosos e jovens aprendizes de 14 a 17 anos no mercado de trabalho. Tal incentivo, correspondente ao desconto de 5% sobre o valor do Imposto sobre Serviços – ISS devido, será concedido às empresas com mais de dez funcionários que preencherem seus postos de trabalho com, no mínimo, 10% de idosos e jovens de 14 a 17 anos.
Sem embargo dos meritórios propósitos que nortearam seu autor, impõe-se veto total ao texto aprovado, com fulcro no § 1º do artigo 42 da Lei Orgânica do Município de São Paulo, por inconstitucionalidade, ilegalidade e contrariedade ao interesse público, nos termos das considerações a seguir aduzidas.
De pronto, verifica-se que a propositura está em desacordo com o artigo 165 da Constituição Federal, que confere aos executivos federal, estaduais e municipais a prerrogativa de formalização inicial de leis que versem sobre matéria orçamentária.
De outra parte, a medida contraria disposições da Lei Orgânica do Município de São Paulo, tanto a insculpida em seu artigo 37, § 2º, inciso IV, segundo a qual são de iniciativa privativa da Chefia do Executivo as leis que tratam de matéria orçamentária, quanto aquela consagrada em seu artigo 70, inciso VI, que arrola, dentre as atribuições de competência do Prefeito, a de administrar os bens, receita e rendas do Município, bem como promover o lançamento, a fiscalização e a arrecadação de tributos.
Considere-se também que o incentivo fiscal constitui renúncia de receita, inserindo-se no rol de instrumentos de planejamento das finanças para a implantação e o desenvolvimento das políticas públicas. Por essas razões, a iniciativa de leis relativa a essa matéria cabe apenas ao Executivo, a quem compete a formulação e a implementação da política governamental.
Lapidar, a esse propósito, o ensinamento do emérito Professor Roque Antonio Carrazza, que ensina, com toda a clareza, que, em matéria tributária, a iniciativa das leis é ampla. Porém, esse raciocínio não se aplica às leis tributárias benéficas, que compreendem todas aquelas que acarretam diminuição de receita – como as instituidoras de isenções, anistias e parcelamento de débito, dentre outras – que continuam a ser de iniciativa privativa do Chefe do Executivo (Presidente, Governador ou Prefeito), em virtude de somente tal autoridade reunir condições objetivas para aquilatar os efeitos de leis desse tipo nas finanças públicas sob sua guarda e responsabilidade. Como assevera o referido autor, “daí nossa conclusão de que a Constituição Federal fechou as portas da iniciativa das leis tributárias benéficas, seja para o Legislativo, seja para os cidadãos. (…). Desatendida essa exclusividade, fica patente a inconstitucionalidade, em face de vício de iniciativa.” (“Curso de Direito Constitucional Tributário”, 14ª edição, Malheiros Editores, 2000, p. 215 e seguintes).
Nesse sentido, igualmente o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em casos análogos, tem proclamado reiteradamente a inconstitucionalidade de textos legais como o ora vetado:
“Vale dizer, toda renúncia fiscal, que implica necessariamente em redução da receita tributária, só pode ser concedida por lei, de iniciativa do Poder Executivo. A solução encontrada pelo legislador constituinte é sábia, porque, de um lado, impede o Poder Executivo de fazer benesses, mediante simples atos administrativos, ou decreto, exigindo, para outorga de benefícios fiscais, a edição de lei, o que submete a matéria ao exame do Legislativo. De outro, ao prever a reserva da iniciativa da lei ao Chefe do Poder Executivo, obsta que o Poder Legislativo, por vontade própria, aprove lei criando benefícios fiscais, em detrimento da receita do ente público, acarretando dificuldades, quando não inviabilizando, à continuidade dos serviços e obras públicos.” (ADIN nº 055.219-0/7-00, Rel. Des. Luiz Tâmbara, j. em 15.03.2000).
A medida acha-se, ainda, em desacordo com a Lei Complementar Federal nº 101, de 4 de maio de 2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal), a qual determina, expressamente, em seu artigo 14, que qualquer renúncia de receita deverá estar acompanhada de estimativa de impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois seguintes, além da demonstração, pelo proponente, de ter sido considerada na estimativa de receita da Lei Orçamentária Anual e de que não afetará as metas previstas na Lei de Diretrizes Orçamentárias.
Alternativamente, de acordo com o mesmo dispositivo legal supracitado, a propositura que conceder ou ampliar incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita deverá demonstrar que essa renúncia será compensada pelo aumento de receita proveniente da elevação de alíquotas, ampliação de base de cálculo, aumento ou criação de tributo ou contribuição. Nesse caso, o ato que acarrete renúncia somente entrará em vigor quando estiver assegurada a compensação pelo aumento de receita, devendo a Lei de Diretrizes Orçamentárias e a Lei Orçamentária Anual conter demonstrativo da estimativa e das medidas de compensação da renúncia de receita.
Assim também dispõe o artigo 16 da Lei Municipal nº 13.875, de 22 de julho de 2004 (Lei de Diretrizes Orçamentárias), segundo o qual os projetos de lei que acarretem renúncia de receita devem ser acompanhados de estimativa do impacto orçamentário-financeiro e obedecer às determinações do artigo 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal.
No caso do texto aprovado, nenhuma dessas exigências foi cumprida.
Destarte, é forçoso inferir que, ao extrapolar as atribuições do Legislativo e invadir a esfera de competência exclusiva do Executivo, a propositura fere o princípio constitucional da independência e harmonia entre os Poderes, consagrado no artigo 2º da Carta Magna e reproduzido no artigo 6º da Lei Maior Local, ao mesmo tempo em que desatende a Lei de Responsabilidade Fiscal, circunstâncias que a inquinam simultaneamente de inconstitucionalidade e ilegalidade, impondo seu veto.
Finalmente, quanto à possibilidade de implementação da proposta normativa no âmbito municipal, há que se levar em conta a falta de regulamentação pela União da Lei Federal nº 10.097, de 19 de dezembro de 2000, que altera dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT a respeito do trabalho do aprendiz, mediante a instituição, em seu artigo 428, do denominado “contrato de aprendizagem”, isto é, o “contrato de trabalho especial, ajustado por escrito e por prazo determinado, em que o empregador se compromete a assegurar ao maior de quatorze anos e menor de dezoito anos, inscrito em programa de aprendizagem, formação técnico-profissional metódica, compatível com o seu desenvolvimento físico, moral e psicológico, e o aprendiz, a executar, com zelo e diligência, as tarefas necessárias a essa formação”.
Pelo exposto, ante as razões apontadas, que demonstram a inconstitucionalidade, a ilegalidade e a contrariedade ao interesse público que maculam irremediavelmente o texto aprovado, vejo-me compelido a vetá-lo na íntegra, devolvendo o assunto ao reexame dessa Egrégia Câmara Municipal.
Na oportunidade, renovo a Vossa Excelência protestos de elevado apreço e consideração.
JOSÉ SERRA
Prefeito
Ao
Excelentíssimo Senhor
ROBERTO TRIPOLI
Digníssimo Presidente da Câmara Municipal de São Paulo
Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo