Razões de Veto ao Projeto de Lei nº 370/06
OF ATL nº 11/09
Ref.: Ofício SGP-23 nº 00089/2009
Senhor Presidente
Por meio do ofício acima referenciado, ao qual ora me reporto, Vossa Excelência encaminhou à sanção cópia autêntica do Projeto de Lei nº 370/06, de autoria do Vereador Farhat, aprovado por essa Egrégia Câmara na sessão de 16 de dezembro de 2008, que objetiva dispor sobre a destinação de 20% (vinte por cento) do total da área dos terraços ou coberturas dos edifícios para área verde, conforme especifica.
Nesse sentido, prevê a propositura que os edifícios residenciais compreendidos pela categoria de uso R2v, correspondente aos conjuntos com mais de duas unidades habitacionais agrupadas verticalmente, e que possuam mais de cinco andares, destinarão 20% (vinte por cento) do total da área de suas coberturas ou terraços para implantação de jardim suspenso, devendo a expedição do “alvará de certificado de conclusão da obra” atender a essa exigência.
Entretanto, embora reconhecendo o nobre intento que por certo norteou a apresentação da proposta legislativa em foco, porquanto a criação de novas áreas verdes, como é o caso dos jardins suspensos, insere-se entre as providências cuja adoção pode colaborar para a construção de uma cidade ambientalmente mais sadia, o fato é que não se encontram presentes as condições necessárias à sua conversão em lei, ante sua ilegalidade e contrariedade ao interesse público, na conformidade das razões a seguir explicitadas, razão pela qual sou compelido a vetar integralmente o texto assim aprovado, o que faço com supedâneo no § 1º do artigo 42 da Lei Orgânica do Município.
Por primeiro, cumpre consignar que a imposição de medida dessa natureza não pode dispensar a preliminar realização de estudos de ordem técnica, econômica e social que efetivamente demonstrem a viabilidade de sua implementação em uma metrópole como São Paulo, inclusive com a previsão de especificações e exceções decorrentes da previsível multiplicidade de situações e peculiaridades, sob pena da respectiva lei vir a se tornar inócua e, pois, desprovida de efetividade.
Dentre os aspectos que mereceriam ser previamente examinados no âmbito daqueles estudos, importa destacar, exemplificativamente, os seguintes:
a) avaliação da pertinência da introdução da medida, considerando os ônus daí decorrentes para o administrado e o efetivo ganho ambiental objetivado com a implantação dos jardins suspensos; aplica-se aqui, pois, o princípio do equilíbrio, segundo o qual os aplicadores da política ambiental e do Direito Ambiental devem pesar as conseqüências previsíveis da adoção de uma determinada medida, de forma que esta possa ser útil à comunidade e não importar em gravames excessivos aos ecossistemas e à vida humana; assim, deve ser realizado um balanço entre as diferentes repercussões do projeto a ser implantado, isto é, devem ser analisadas as conseqüências ambientais, as conseqüências econômicas, as sociais, etc., aplicando-se a legislação ambiental de acordo com o resultado da prévia verificação e avaliação de todas essas variantes;
b) se comprovado o efetivo ganho ambiental na forma do item anterior, mapeamento e identificação das regiões da Cidade nas quais de fato faria sentido o Poder Público impor aos administrados a adoção de tal providência, especialmente por já existirem áreas densamente cobertas de vegetação onde não seria razoável exigir, dos proprietários de imóveis nelas localizados, a implantação dos jardins suspensos;
c) ingerência da imposição de jardins suspensos na concepção dos projetos arquitetônicos, contrapondo-se às disposições do Código de Obras e Edificações – COE (Lei nº 11.228, de 25 de junho de 1992), inclusive com interferência na autonomia das atividades exercidas pelos profissionais que atuam na área, conforme regulamentação constante das respectivas leis federais;
d) incrementação no custo da construção dos edifícios residenciais, com o conseqüente aumento do preço final das unidades habitacionais, repercutindo negativamente no setor imobiliário da Cidade, atingindo em especial as pessoas com menor poder aquisitivo, inclusive a implementação dos programas habitacionais oficiais, por exemplo, aqueles implantados pela Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano – CDHU e, em nível municipal, pela Companhia Metropolitana de Habitação – COHAB/SP no âmbito do programa “Habitação de Interesse Social – HIS”, previsto no Plano Diretor Estratégico (Lei nº 13.430, de 13 de setembro de 2002), destinado às famílias com renda igual ou superior a 6 (seis) salários mínimos.
Ademais, impende dizer que ausência de especificidades técnicas no texto aprovado e a utilização, no seu conteúdo, de termos que não possuem definição técnica, como são os vocábulos “coberturas”, “terraços” e “jardim suspenso”, bem assim de documento oficial com a denominação incorreta, como é o caso do “Alvará de Certificado de Conclusão de Obra” (artigo 2º), dificultariam ou até mesmo inviabilizariam a aplicação da nova lei. Realmente, consoante enfatizam os doutrinadores, não pode a disciplina normativa produzida ser tão sumária que sua regulamentação conduza a um resultado qualquer. Nesse sentido, preocupada com a proliferação de leis de baixíssima densidade normativa, a doutrina construiu o conceito de conteúdo essencial. Tais leis, na lição de GARCIA DE ENTERRIA, devem expressar “uma diretiva legislativa precisa, sem supor uma cessão formal ou em branco de poder normativo” ( Robertônio Santos Pessoa, in Administração e Regulação, Ed. Forense, Rio de Janeiro, 2003, p. 145).
Por fim, é de notar que, ao contrário de outras leis em vigor na área edilícia, a mensagem não prevê período de transição para que os administrados possam adequar seus projetos de edificação à nova normatização, ausência essa cuja conseqüência acaba por colher inclusive aqueles que ora já se encontram protocolados e, pois, sob a análise dos órgãos municipais competentes. Como se vê, caso sancionada, a nova lei acarretaria pesados ônus aos interessados, mormente os relativos aos altos custos com o refazimento de seus projetos.
Em outras palavras, conquanto se cuide de proposta que até poderia ser aceitável sob a ótica ambiental, a sua implementação não pode se dar isoladamente, vale dizer, sem levar em conta a repercussão em outras áreas ou segmentos igualmente de interesse público, assim como desconsiderando todos os aspectos técnicos envolvidos na questão.
Nessas condições, evidenciada a motivação que me conduz a vetar na íntegra a mensagem aprovada, devolvo o assunto ao reexame dessa Colenda Casa de Leis.
Na oportunidade, renovo a Vossa Excelência meus protestos de apreço e consideração.
GILBERTO KASSAB
Prefeito
Ao
Excelentíssimo Senhor
ANTONIO CARLOS RODRIGUES
Digníssimo Presidente da Câmara Municipal de São Paulo
Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo