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RAZÕES DO VETO AO PROJETO DE LEI Nº 33/1998; OFÍCIO DE 21 de Janeiro de 2005

Razões de Veto ao Projeto de Lei nº 33/98

OF ATL nº 024/05

Ref.: Ofício SGP 23 nº 4067/2004

Senhor Presidente

Nos termos do ofício referenciado, Vossa Excelência encaminhou a esta Chefia do Executivo cópia autêntica do Projeto de Lei nº 33/98, aprovado por essa Egrégia Câmara, em sessão de 16 de dezembro de 2004, de autoria do Vereador José Viviani Ferraz, que obriga os transportadores de água potável a granel no Município de São Paulo a apresentar laudo de análise bacteriológica do produto, bem como da vistoria do tanque usado para esse fim.

Em suma, a mensagem estabelece a referida obrigação, acrescentando que esses documentos deverão ser fornecidos por laboratório oficial do Estado e renovados a cada noventa dias. Além disso, o laudo será feito com amostras extraídas da fonte de captação da água e a vistoria perderá sua validade antes do prazo, se antes ficar comprovada a utilização do tanque no transporte de outro produto. Por último, há previsão de aplicação de multa por descumprimento das imposições, dobrada em caso de reincidência.

Embora reconhecendo os nobres propósitos que nortearam o autor da propositura, não reúne ela, devido à sua inconstitucionalidade e ilegalidade, condições para ser convertida em lei, motivo que me impele a vetá-la integralmente.

Observo, inicialmente, que a Constituição Federal, em seu artigo 200, dispõe que ao Sistema Único de Saúde cabe controlar e fiscalizar substâncias de interesse para a saúde, executando as ações de vigilância sanitária. A Lei Orgânica do Município, de sua vez, aduz ser atribuição do Município, por meio do SUS, as ações de vigilância sanitária e, inclusive, participar do controle da água para o consumo humano (artigo 216, incisos II e IV). Já a Lei Federal nº 8.080, de 19 de setembro de 19901, prevê que as ações do SUS serão exercidas no âmbito dos Municípios pela respectiva Secretaria de Saúde (artigo 9º, inciso III).

Conclui-se, dessa mera observação, que a medida, de iniciativa do Legislativo, fere, a um tempo só, a Constituição Federal e as mencionadas leis que tratam do SUS as quais, apontam como autoridade competente para a sua execução o Município, que atuará por meio de sua Secretaria Municipal de Saúde.

A par disso, mostra-se evidente que a mensagem, datada de 1998, ao versar sobre tema afeto ao Código Sanitário do Município de São Paulo, promulgado em 9 de janeiro de 2004, encontra-se ultrapassada.

Mencionado Código, em seu artigo 45, afirma competir à autoridade sanitária, em síntese, a avaliação e controle de riscos, a normatização, a fiscalização e controle das condições sanitárias e técnicas relacionadas ao acondicionamento, transporte, armazenamento e distribuição de substâncias de interesse da saúde, dentre os quais se incluem as águas minerais e de fontes (artigo 44).

Preconiza, ainda, referido diploma legal, que todo e qualquer sistema de abastecimento de água está sujeito à fiscalização da autoridade sanitária competente, em todos os aspectos que possam afetar a saúde pública (artigo 25), bem como que os órgãos de vigilância em saúde manterão programação permanente de vigilância e controle da qualidade da água fornecida para consumo humano, inclusive, no caso de soluções alternativas, como é o tratado na propositura.

O Código em comento afirma, ademais, que a Secretaria Municipal da Saúde ou o órgão competente em vigilância em saúde publicará norma técnica sobre a citada programação permanente (§ 2º do artigo 25). Obriga, também, a que todos os materiais, equipamentos e produtos químicos utilizados nesses sistemas atendam às especificações das normas técnicas da autoridade sanitária competente, exigindo, mais, que a água seja submetida a processo de desinfecção, de modo a assegurar sua qualidade microbiológica e a manter concentração residual do agente desinfetante na rede de distribuição, de acordo com norma técnica (incisos II e III do artigo 27).

Há, enfim, na Seção I do Capítulo II do Título III do Código Sanitário do Município de São Paulo, essas e outras regras, todas estabelecendo duas diretrizes que fulminam, na sua essência, o objeto da proposta aprovada, quais sejam: a autoridade sanitária é o órgão competente para editar normas técnicas concernentes ao controle da água usada para consumo humano; e, a água somente estará apta para essa finalidade se obedecer, em qualquer hipótese, aos padrões e especificações exigidos nessas normas técnicas.

A proposta veiculada pelo texto vindo à sanção obviamente não advém de autoridade sanitária, bem como as prescrições nela contidas não têm como fundamento nenhuma norma técnica. Decorre, daí, a inafastável ilegalidade da medida, aprovada em desacordo com o Código Sanitário do Município de São Paulo, proposta por autoridade incompetente e veiculada por meio impróprio, de conteúdo legal e não infralegal, como deveria ser.

Como se vê, o Código Sanitário não institui parâmetros que possam tornar-se rapidamente anacrônicos, remetendo, freqüentemente, à obrigatoriedade de atendimento às normas técnicas, revistas periodicamente e sempre em consonância com as inovações tecnológicas.

Assim é que, o Secretário Municipal da Saúde e a Coordenação de Vigilância em Saúde, em cumprimento à legislação vigente, norteiam seus procedimentos, pareceres, análises, determinações e fiscalização pelas referidas normas técnicas, que, atualmente, encontram-se dispostas na Portaria nº 518, de 25 de março de 2004, do Ministério da Saúde, a qual determina os procedimentos e responsabilidades relativos ao controle e vigilância da qualidade da água para consumo humano e seu padrão de potabilidade, e ordena sua própria revisão no prazo de cinco anos ou a qualquer tempo, mediante solicitação devidamente justificada de órgãos governamentais ou não, de reconhecida capacidade técnica nesse setor (artigo 4º).

Essa portaria, em capítulo próprio, prevê, também, as exigências adicionais aplicáveis aos sistemas e soluções alternativas de abastecimento de água, que é o objeto da propositura. O artigo 25 de seu Anexo, por exemplo, contempla normas específicas quanto aos veículos utilizados no transporte da água.

Mas não é só. As penas previstas na medida aprovada contrariam, também, a legislação em vigor. Isso porque o Código Sanitário deste Município, nos seus artigos 108 e seguintes, já estabelece toda a ação fiscalizatória que deverá ser empreendida na hipótese de infrações legais, com as respectivas penalidades, que vão desde a advertência, até a imposição de multas, apreensão de produtos e veículos, interdição da empresa, cancelamento de alvarás e intervenção.

Finalmente, necessário é dizer que a edição de normas esparsas sobre determinado tema, como se objetiva na mensagem aprovada, contraria as regras de técnica legislativa, consubstanciadas na Lei Federal Complementar nº 95, de 26 de fevereiro de 1998, não sendo demais ressaltar que a matéria de natureza sanitária encontra seu campo adequado no Código Sanitário do Município de São Paulo, nas determinações infralegais das autoridades sanitárias e nas aludidas normas técnicas, consoante já demonstrado.

Em assim sendo, com fundamento no artigo 42, § 1º, da Lei Orgânica do Município de São Paulo, vejo-me na contingência de vetar, integralmente, a mensagem aprovada, devolvendo o assunto à apreciação dessa Egrégia Câmara que, com seu elevado critério, se dignará a reexaminá-lo.

Na oportunidade, renovo a Vossa Excelência protestos de apreço e consideração.

JOSÉ SERRA

Prefeito

Ao

Exmo. Sr.

ROBERTO TRIPOLI

Presidente da Câmara Municipal de São Paulo

 

Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo