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RAZÕES DO VETO AO PROJETO DE LEI Nº 297/2007; OFÍCIO DE 20 de Maio de 2008

Razões de Veto ao Projeto de Lei nº 297/07

Ofício A.T.L. nº 131/08

Ref.: Ofício SGP-23 nº 1818/2008

Senhor Presidente

Por meio do ofício em epígrafe, Vossa Excelência encaminhou à sanção cópia autêntica do Projeto de Lei nº 297/07, de autoria das Vereadoras Lenice Lemos e Marta Costa, aprovado por essa Egrégia Câmara em sessão de 9 de abril de 2008, que regulamenta a prestação de assistência religiosa aos pacientes internados nos hospitais e aos alunos matriculados nas escolas da rede pública municipal e privada, situados no âmbito do Município de São Paulo.

A assistência religiosa de que trata a propositura consiste na prestação de serviços de capelania, constituídos, dentre outros, por trabalho pastoral, aconselhamento, orações, ministério de comunhão cristã, unção bíblica e de enfermos, por ministros de quaisquer cultos religiosos, mediante a apresentação de credencial específica, fornecida pelas Secretarias Municipais da Saúde, de Educação e de Assistência e Desenvolvimento Social, ou por pessoas jurídicas de direito privado que lecionem teologia. Determina, ainda, a criação e manutenção de um cadastro das entidades religiosas e dos credenciamentos outorgados a seus representantes, estabelecendo regras para esse procedimento e para a prestação das atividades religiosas, com o objetivo de oferecer orientação espiritual aos alunos e aos demais cidadãos, especialmente àqueles que estejam internados, proporcionando boa influência aos primeiros e conforto em momentos de angústia aos últimos, conforme informado na justificativa apresentada por suas autoras.

Contudo, em que pese o intuito meritório da iniciativa, a medida não reúne condições de ser convertida em lei, impondo-se seu veto total, por inconstitucionalidade e ilegalidade, nos termos das considerações a seguir aduzidas.

Primeiramente, no que se refere aos alunos matriculados nas escolas da rede pública municipal e privada, é mister assinalar que o texto aprovado carece de amparo legal, haja vista que o preceito constitucional estampado no inciso VII do artigo 5º da Carta Magna assegura, “nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva”, aplicando-se, portanto, às entidades hospitalares públicas e privadas e aos estabelecimentos prisionais civis e militares, nos termos das Leis Federais nº 6.923, de 29 de junho de 1981, e nº 9.982, de 14 de julho de 2000, mas não às escolas.

No âmbito da educação, aliás, a Constituição Federal, no

§ 1º de seu artigo 210, estabelece que “o ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental”.

Atendendo a essa norma constitucional, a Lei Federal nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional (LDB), determina, em seu artigo 33, com a redação dada pela Lei Federal nº 9.475, de 22 de julho de 1997, que o “ensino religioso, de matricula facultativa, é parte integrante da formação básica do cidadão e constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo”. Além disso, nos parágrafos 1º e 2º, dispôs que “os sistemas de ensino regulamentarão os procedimentos para a definição dos conteúdos do ensino religioso e estabelecerão as normas para a habilitação e admissão dos professores” e também que “os sistemas de ensino ouvirão entidade civil, constituída pelas diferentes denominações religiosas, para a definição dos conteúdos do ensino religioso”.

A propósito, a Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação define, na Resolução CEB nº 2, de 7 de abril de 1998, o ensino religioso como área do conhecimento da Base Nacional Comum, cujo objeto de estudo é o fenômeno religioso, entendido como o processo de busca que o ser humano realiza na procura de transcendência, “veiculando um conhecimento que gera o “saber de si”, superando as concepções conteudistas de uma escola tradicional de doutrinação religiosa”.

Elucidando a questão dos conteúdos do ensino religioso, o Conselho Nacional de Educação, no Parecer CNE nº 97/99, ressalta “a imperiosa necessidade, por parte do Estado, de não interferir e, portanto, não se manifestar sobre qual o conteúdo ou a validade desta ou daquela posição religiosa e, muito menos, de decidir sobre o caráter mais ou menos ecumênico de conteúdos propostos”.

Por sua vez, o Conselho Municipal de Educação, analisando o tema, concluiu, no Parecer CME nº 5/01, que “compete à escola incluir em seu projeto pedagógico um plano sobre o ensino religioso, observados os princípios norteadores contidos nos pareceres do Conselho Nacional de Educação. A oferta do ensino religioso está assegurada por estar inserido no quadro curricular das escolas municipais de ensino fundamental”.

Assim, a Secretaria Municipal de Educação, ao editar a Portaria nº 5.387, de 17 de novembro de 2007, que instituiu os Quadros Curriculares para as Escolas Municipais de Ensino Fundamental e Médio e de Educação Especial, fez menção expressa ao Ensino Religioso, cuja matrícula é facultativa, inserindo-o no quadro mencionado, com carga horária própria, a ser adicionada ao mínimo de horas-aula oferecidas obrigatoriamente a todos os alunos, estando direcionado ao desenvolvimento de competências e habilidades dos estudantes interessados, assegurado o respeito à diversidade cultural e religiosa da comunidade.

Em consonância com tais princípios, ademais, acha-se em vigor a Lei nº 14.181, de 30 de junho de 2006, a qual dispõe sobre o ensino religioso nas escolas de ensino fundamental da rede pública do Município de São Paulo.

De todo o exposto, decorre que os serviços de capelania instituídos pela propositura incidem na vedação consubstanciada no inciso I do artigo 19 da Constituição Federal, além de colidirem com as normas consagradas na LDB, conflitando com as diretrizes adotadas pelas escolas na oferta do ensino religioso, às quais não cabe promover ações que transcendam a seu âmbito de competências.

A mesma proibição constitucional impede a adoção das providências previstas nos artigos 7º a 10 do projeto em comento – segundo os quais as Secretarias Municipais da Saúde, de Educação e de Assistência e Desenvolvimento Sócia emitirão credenciais específicas para os representantes de cultos religiosos, devendo ser criado e mantido um cadastro das entidades religiosas e dos credenciamentos concedidos –, por força da laicidade do Estado Brasileiro e da Administração Municipal, tratando-se, por outro lado, de matéria inteiramente estranha à esfera de atribuições dos órgãos públicos.

A par disso, ao destinar as mencionadas normas também à rede privada, a propositura extrapola o campo de competências legislativas do Município, por caber à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre educação, cultura, ensino e desporto, assim como sobre proteção e defesa da saúde, conforme estampado nos incisos IX e XII do artigo 24 do texto constitucional.

Impende, ainda, ressaltar que, no Município de São Paulo, a Lei nº 14.413, de 31 de maio de 2007, já contempla, no inciso XIX de seu artigo 2º, dentre os direitos dos usuários dos serviços e ações de saúde, o de receber ou recusar assistência religiosa.

Por fim, resta assinalar que, ao impor novas atribuições e respectivos encargos às unidades educacionais e aos estabelecimentos hospitalares, preconizando o cumprimento de providências de grande extensão, em virtude do número de escolas e hospitais envolvidos, o projeto de lei interfere na organização administrativa, cujo impulso legislativo compete privativamente ao Executivo, nos termos do artigo 37, § 2º, inciso IV, da Lei Maior local, malferindo igualmente o princípio constitucional da independência e harmonia entre os Poderes.

Destarte, à vista das razões ora expendidas, demonstrando os óbices que impedem a sanção do texto aprovado, vejo-me na contingência de vetá-lo na íntegra, com fundamento no artigo 42, § 1º, da Lei Orgânica do Município de São Paulo, devolvendo o assunto ao reexame dessa Egrégia Casa Legislativa.

Na oportunidade, renovo a Vossa Excelência meus protestos de apreço e consideração.

GILBERTO KASSAB

Prefeito

Ao

Excelentíssimo Senhor

ANTONIO CARLOS RODRIGUES

Digníssimo Presidente da Câmara Municipal de São Paulo

 

Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo