Razões de Veto ao Projeto de Lei nº 279/01
Ofício A.T.L. nº 197/02
Ref.: Ofício 18-LEG3 nº 0121/2002
Senhor Presidente
Por meio do ofício referenciado, ao qual ora me reporto, Vossa Excelência promoveu o encaminhamento a este Gabinete de cópia autêntica da lei decretada por essa Egrégia Câmara em sessão de 14 de março do corrente ano, relativa ao Projeto de Lei nº 279/01, de autoria do Vereador Nabil Bonduki.
Tendo por objetivo regulamentar a cooperação entre o Poder Executivo Municipal e órgãos universitários para, em última análise, possibilitar a formulação e a avaliação de políticas públicas, a propositura, por si só, revela o destacado interesse de seu autor em colaborar com a causa pública.
De toda forma, não se fazem presentes, no caso, as necessárias condições para a sanção do texto em pauta, como, a seguir, demonstrarei.
Partindo das disposições constantes dos artigos 1º a 4º do texto aprovado, é de se ressaltar, desde logo, o caráter restritivo das normas ali insertas, que limitam a eventual colaboração entre o Poder Executivo Municipal e os mais diversos órgãos universitários às hipóteses naqueles dispositivos previstas, deixando de abarcar outras que, consideradas as circunstâncias — sejam aquelas relativas ao momento, sejam as que dizem respeito aos objetivos que se pretenda alcançar —, melhor poderiam atender ao interesse público.
De outra parte, e ainda tendo em vista o mesmo rol de disposições, especificamente o artigo 3º, é de se observar que o Poder Executivo Municipal prescinde, lastreado no disciplinamento legal vigente, da autorização que ali lhe está sendo conferida, que se revela, portanto, desnecessária.
Prosseguindo no exame do texto aprovado por essa Egrégia Câmara, verifica-se que, consoante disposto em seu artigo 5º, para a formalização dos cogitados convênios destinar-se-ão recursos dos fundos municipais existentes e dos que vierem a se constituir.
A este passo, o questionamento da propositura em tela há que se ampliar, na medida em que o comando inscrito no indigitado artigo 5º interfere com matéria já devidamente disciplinada.
Com efeito, é sabido que a Administração Pública, do ponto de vista financeiro e orçamentário, deve ser gerida por meio de caixa único, em obediência ao princípio da unidade de tesouraria, expressamente estabelecido no artigo 56 da Lei nº 4.320, de 17 de março de 1964, que estatui normas gerais de direito financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados e dos Municípios.
Em suma, e no particular, vigora o princípio da não afetação da receita: todos os recursos são recolhidos ao caixa único e servem para financiar todos os serviços. Exceção a tal regra — e, ainda assim, com obediência irrestrita às normas legais pertinentes — configura-se na criação de fundos, o que somente ocorre em situações peculiares justificadoras da apontada exceção.
Em assim sendo, obviamente criados por lei, os fundos devem vincular-se à realização de programas de interesse da Administração, tendo, sempre, como característica básica, o fato de se constituírem de receitas específicas, estabelecendo a lei que os cria a expressa destinação de seus recursos.
Do exposto deflui que não poderia a propositura em exame sobrepor-se às leis específicas que regem a constituição de fundos, prevendo hipótese que as afrontaria. Ou, por outras palavras: os fundos municipais existentes têm, todos, nas leis de que se originam, definida a destinação de seus recursos, mostrando-se inviável, sob o prisma legal, a inserção de qualquer outra possibilidade, ainda que seja ditada pelas mais nobres intenções.
Isto posto, e em continuidade à análise a que venho procedendo, destaco o artigo 6º do texto aprovado, que alude à constituição do que se denomina Comitê de Avaliação de Mérito, que, na verdade, ao exercer suas funções ao nível de uma instância preliminar, acabaria, por vezes, revelando-se desnecessário, na medida em que as propostas trazidas ao referido comitê, mesmo que aprovadas quanto ao mérito, poderiam não se concretizar, posto que seria dos chamados Conselhos Deliberativos dos Fundos a final deliberação a respeito, como dispõe o § 3º do artigo 7º do texto aprovado.
Mas, ainda não é tudo.
Efetivamente, ainda que, ao se tratar da elaboração e aperfeiçoamento de políticas públicas, colaborações sejam sempre bem vindas, podendo, até mesmo, consubstanciar-se em convênios, o certo é que à Superior Administração é que compete formulá-las e fiscalizá-las, de acordo com suas metas governamentais e sopesado, sempre, o interesse público que deve presidir tais parcerias.
Em verdade, a propositura versa sobre matéria gerencial, inerente à ordem administrativa do ente público, inserindo-se na autonomia da Administração para organizar e gerir os próprios serviços, com afronta ao estatuído no artigo 37, § 2º, inciso IV, da Lei Orgânica do Município, por cujos termos são de iniciativa privativa do Prefeito as leis que disponham sobre organização administrativa, serviços públicos e matéria orçamentária. No mais, a apontada ingerência configura ofensa a princípio constitucionalmente assegurado e por igual insculpido na Lei Maior local, a saber, o da harmonia e independência dos Poderes.
O presente veto, portanto, baseia-se, por primeiro, na comentada inconstitucionalidade, à qual, de resto, somam-se, como já destacado, razões de ilegalidade e contrariedade ao interesse público. Configurada, assim, a previsão constante do § 1º do artigo 42 da Lei Orgânica do Município, vejo-me obrigada a vetar, integralmente, o texto aprovado.
Devolvendo, pois, o assunto à apreciação dessa Egrégia Câmara, para o sempre criterioso reexame, valho-me da oportunidade para reiterar a Vossa Excelência protestos de elevado apreço e distinta consideração.
MARTA SUPLICY
Prefeita
Ao Excelentíssimo
Senhor JOSÉ EDUARDO MARTINS CARDOZO
Presidente da Câmara Municipal de São Paulo
Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo