Razões de Veto ao Projeto de Lei nº 275/02
Ofício ATL nº 179/03
Senhor Presidente
Tenho a honra de acusar o recebimento do Ofício nº 18/Leg.3/0111/2003, com o qual Vossa Excelência encaminhou à sanção cópia autêntica da lei decretada por essa Egrégia Câmara, relativa ao Projeto de Lei nº 275/02, proposto pelo nobre Vereador William Woo, que assegura aos Guardas Civis Metropolitanos, independentemente do uso de uniforme, o livre acesso aos eventos artísticos, culturais e esportivos realizados nos próprios municipais.
Não obstante os meritórios propósitos que certamente nortearam seu autor, a medida não reúne condições de ser convertida em lei, pelo que vejo-me na contingência de vetar integralmente o texto aprovado por inconstitucionalidade, ilegalidade e contrariedade ao interesse público, fazendo-o na conformidade das razões a seguir aduzidas.
A propositura é de natureza administrativa, própria do Executivo, porquanto determina que os Guardas Civis Metropolitanos tenham livre acesso aos eventos artísticos, culturais e esportivos realizados em próprios municipais. Sem dúvida, por versar sobre organização administrativa, a iniciativa da mensagem é privativa do Chefe do Executivo, a teor do disposto no artigo 37, § 2º, inciso IV, da Lei Orgânica do Município de São Paulo, caracterizando, na hipótese, vício de iniciativa, em desacordo com o princípio da independência e harmonia entre os Poderes.
Resta inequívoco que o texto aprovado extrapola as atribuições do Legislativo e invade a esfera de competência específica do Executivo, configurando violação ao princípio constitucional da independência e harmonia entre os Poderes, consagrado no artigo 2º da Constituição Federal e reproduzido no artigo 6º da Lei Maior Local.
Indiscutivelmente, embora a matéria objeto da mensagem aprovada tenha o intuito de favorecer e estimular o acesso dos Guardas Civis Metropolitanos aos eventos artísticos, culturais e esportivos realizados em próprios municipais, na verdade estabeleceu-se verdadeiro privilégio à Corporação, em clara afronta ao princípio constitucional da isonomia, previsto no artigo 5º da Carta Magna, em detrimento de outras categorias profissionais.
Como previsto em seu artigo 1º, refere-se a propositura aos eventos realizados em próprios municipais que, na hipótese dos artísticos e culturais, seriam o Teatro Municipal, os teatros de bairro ou distritais e as salas de espetáculo do Centro Cultural São Paulo. Ora, a entrada franqueada aos membros da GCM reduzirá a receita das bilheterias dos espetáculos, bem como a participação na receita dos espetáculos co-patrocinados e, ainda, a receita do preço público, fixado em porcentagem da bilheteria, quando houver cessão remunerada dos teatros, significando, em suma, perda de receita para o Município.
Há que se anotar que o Fundo Especial de Promoção de Atividades Culturais – FECAP também seria prejudicado em suas receitas, já que compostas preponderantemente por bilheterias de espetáculos promovidos pela Secretaria Municipal de Cultura, cabendo, por conseguinte, aumentar-se a previsão orçamentária do FECAP, em evidente majoração de despesa para a Prefeitura.
A medida pressupõe a existência de verbas, importando aumento de despesas, sem a indicação dos correspondentes recursos, achando-se, por isso, em desacordo com o artigo 25 da Constituição do Estado de São Paulo e com a Lei Complementar Federal nº 101, de 4 de maio de 2000, em seus artigos 15 e 16.
A propósito, vale lembrar que o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em casos análogos, tem proclamado reiteradamente a inconstitucionalidade de textos legais como o ora vetado:
“Dessa forma, determinando, por meio de lei a adoção de medidas específicas de execução, houve ingerência de um Poder em relação ao outro, com nítida invasão de competência e infringência ao artigo 5º, “caput”, da Constituição do Estado.
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A par disso, é evidente que a execução da indigitada lei iria provocar despesas. Sem constar a indicação dos recursos disponíveis próprios para atender aos novos encargos, era de rigor o veto, nos termos do artigo 25 da Constituição do Estado” (ADIN nº 44.255.0/5-00 – Rel. Des. Franciulli Netto, v.u., j. em 19.05.99; no mesmo sentido: ADIN nº 59.744.0/1 – Rel. Des. Mohhamed Amaro; ADIN nº 11.676-0 – Rel. Des. Milton Coccaro; ADIN nº 11.803-0 – Rel. Des. Yussef Cahali; ADIN nº 65.779-0/0 – Rel. Des. Flávio Pinheiro).
Ademais, nas hipóteses de co-patrocínio dos espetáculos, em que o Município participa da receita auferida e na cessão remunerada dos teatros, em que o Município recebe o preço público, a propositura ofende o princípio do livre exercício da atividade econômica consagrado no artigo 170 e seu parágrafo único, da Constituição Federal, eleito como valor social fundamental da República, na conformidade do artigo 1º, inciso IV, da citada Lei Maior. Efetivamente, a matéria tratada não pode ser considerada como questão de direito público, configurando indevida ingerência na liberdade da atividade econômica.
Em tais casos, o texto aprovado cuida de atividade explorada legalmente com fins lucrativos e, nessas condições, ao franquear a entrada aos referidos servidores, interfere indevidamente na sobredita atividade em prejuízo dos negócios correspondentes. Desta forma, resta caracterizada interferência estatal em atividade própria da iniciativa privada, que arca com os custos e a viabilidade econômica das atividades que desenvolve.
Não obstante as razões de inconstitucionalidade e ilegalidade apontadas sejam suficientes para fundamentar o veto integral da mensagem aprovada, a proposta apresenta-se ainda contrária ao interesse público, vez que a adoção do critério de gratuidade à Corporação propiciaria sua extensão a outras categorias profissionais ou segmentos da população, produzindo como resultado não só a inviabilidade econômica de diversas atividades culturais, como também a elevação do valor dos ingressos, fato que provocaria o desestímulo de usuários não contemplados por essa gratuidade.
Assim, o texto aprovado, além de eivado de insanáveis vícios de inconstitucionalidade e ilegalidade, ante os diversos motivos examinados, fere o interesse público, razões que me impelem a vetá-lo inteiramente, com fulcro no artigo 42, § 1º, da Lei Orgânica do Município de São Paulo.
Devolvo o assunto, pois, à apreciação dessa Egrégia Câmara que com seu elevado critério se dignará a reexaminá-lo, renovando a Vossa Excelência, na oportunidade, protestos do mais alto apreço e consideração.
MARTA SUPLICY
Prefeita
Ao Excelentíssimo
Senhor ARSELINO TATTO
Presidente da Câmara Municipal de São Paulo
Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo