CASA CIVIL DO GABINETE DO PREFEITO

Acessibilidade

RAZÕES DO VETO AO PROJETO DE LEI Nº 228/2006; OFÍCIO DE 17 de Janeiro de 2008

Razões de Veto ao Projeto de Lei nº 228/06

OF ATL nº 13/08

Ref.: Ofício SGP-23 nº 6253/2007

Senhor Presidente

Reporto-me ao ofício em referência, por meio do qual Vossa Excelência encaminhou à sanção cópia do Projeto de Lei nº 228/06, aprovado por essa Egrégia Câmara em sessão de 13 de dezembro de 2007, de autoria do Vereador Arselino Tatto, que "dispõe sobre a obrigatoriedade das repartições e empresas públicas, hospitais públicos e privados, ambulatórios, bem como cartórios, concessionárias e permissionárias de serviço público que atuam no território do Município de São Paulo, a atender aos usuários dos seus serviços, em tempo razoável".

A propositura define como tempo razoável de espera para atendimento o período máximo de 30 (trinta) minutos, ressalvadas as situações em que ocorrer interrupção dos serviços de telefonia, energia elétrica ou transmissão de dados e os casos das Unidades de Terapia Intensiva - UTIs e dos setores de emergência dos hospitais, e estabelece o prazo de 120 (cento e vinte) dias para seu cumprimento, com a instalação de instrumento de identificação do momento de chegada do usuário e do seu atendimento final, sob pena de multa.

Preliminarmente, observo que o artigo 1o da propositura limita-se a copiar a ementa do projeto de lei, cuja função é a de mera explicitação de seu objeto. O texto aprovado, desprovido de parte normativa, não foi redigido de modo a originar direito ou obrigação, revelando-se, portanto, em desacordo com a determinação do artigo 3º da Lei Complementar Federal nº 95, de 26 de fevereiro de 1998, que dispõe sobre a elaboração, a alteração e a redação das leis.

Não obstante a apontada incorreção técnica, passo ao exame do projeto de lei considerado em seu todo, de pronto assinalando que, no tocante ao serviço público prestado pela Administração Municipal Direta e Indireta, as atribuições e encargos decorrentes da medida implicam ingerência na condução administrativa, em contraposição ao disposto no inciso IV, § 2º, do artigo 37 da Lei Orgânica do Município de São Paulo, que estabelece ser de iniciativa exclusiva do Prefeito as leis que disponham sobre organização administrativa.

Ademais, por conseqüência óbvia, o projeto vindo à sanção demanda a utilização de novos recursos humanos e materiais, o que pressupõe a existência de verbas, importando expressivo aumento de despesas, sem a indicação dos correspondentes recursos, em desacordo com o artigo 25 da Constituição do Estado de São Paulo e com a Lei Complementar Federal nº 101, de 4 de maio de 2000, em seus artigos 15 a 17.

Além disso, ressalte-se a extrema generalidade da propositura, que busca alcançar também órgãos, entidades e empresas da esfera federal e estadual que atuam no território paulistano para prestar serviço público. Entretanto, a União e o Estado têm autonomia para dispor sobre os respectivos serviços e organização administrativa, do que decorre nítida ofensa aos artigos 18 e 25 da Constituição da República.

Aliás, no que se refere aos cartórios, a Lei Federal nº 8.935, de 18 de novembro de 1994 (Lei dos Cartórios) encarregou o juízo competente de zelar para que os serviços notariais sejam prestados com rapidez, qualidade satisfatória e de modo eficiente (artigo 38).

Cumpre assinalar também que, em face do artigo 37, "caput", da Constituição Federal, a Administração Pública já está obrigada a agir de conformidade com o "princípio da eficiência", o qual lhe determina o dever jurídico de desenvolver mecanismos para o exercício de atividade administrativa célere e com qualidade. Para Maria Sylvia Zanella di Pietro, tal princípio "apresenta, na realidade, dois aspectos: pode ser considerado em relação ao modo de atuação do agente público, do qual se espera o melhor desempenho possível de suas atribuições, para lograr os melhores resultados; e em relação ao modo de organizar, estruturar, disciplinar a Administração Pública, também com o mesmo objetivo de alcançar os melhores resultados na prestação do serviço público" (Direito Administrativo, Atlas, 20ª edição, 2007, pág. 75). Há um esforço generalizado desta Administração para dar cumprimento a tal ditame constitucional.

A matéria, inclusive, foi tratada pela Lei nº 14.029, de 13 de julho de 2005, que dispõe sobre proteção e defesa do usuário do serviço público no Município de São Paulo, cujas disposições se aplicam aos serviços prestados pela Administração Pública direta e indireta, bem como por particular que prestar serviços mediante concessão, permissão, autorização ou qualquer outra forma de delegação por ato administrativo, contrato ou convênio. O diploma legal aborda a matéria de forma mais abrangente e técnica do que o projeto aprovado, contendo dispositivos sobre o direito à informação, à qualidade do serviço e seu controle adequado e, ainda, estipula as sanções aplicáveis em caso de descumprimento de suas normas, estabelecendo a política municipal de defesa do usuário de serviços públicos.

O projeto em pauta, ao revés, peca em razão da perspectiva exclusivista que adota, no sentido de aplicar providência de caráter linear, atingindo todos os órgãos que prestam serviços públicos. Ou seja, o atendimento ao usuário foi tratado de forma uniforme, sem levar em conta as especificidades dos serviços prestados, a complexidade de cada área, a disponibilidade de pessoal e outras características que devem ser consideradas isoladamente. Com efeito, os serviços públicos são extremamente diferenciados, em função das tarefas específicas inerentes a cada Secretaria Municipal, ente, empresa ou particular vinculado à Administração Municipal Indireta, o que torna impossível sua generalização, como quer a propositura.

No campo da Saúde, ainda que a medida aprovada excetue de seu cumprimento as UTIs e os setores de emergência dos hospitais, prazo máximo de 30 minutos é incompatível com o caráter especial das ações desenvolvidas para atenção às mais diversas demandas, de variados níveis de complexidade. Mesmo no caso dos cuidados rotineiros, seja nas unidades de saúde públicas, seja naquelas mantidas pela iniciativa privada, as ações em saúde não estão atreladas ao simples e imediato atendimento, mas dependem de ações mais complexas em termos de recursos humanos, aparelhagem disponível, dentre outros elementos.

Anote-se, ademais, a dificuldade na limitação do tempo de consulta realizada pelo médico, a depender da maior ou menor gravidade ou da complexidade do caso, com demanda não controlável. O atendimento individual de cada usuário pode, como freqüentemente ocorre, exigir tempo superior ao previsto, o que, por conseguinte, implicará atraso em relação aos demais usuários.

Dentre tantos outros exemplos que poderiam ser citados, destaque-se que no atendimento fiscal, relativo a assuntos tributários, a variação de comparecimento de munícipes é uma constante e, conforme as circunstâncias, apresenta picos de atendimento 1000% superiores aos períodos de baixa procura.

Conclui-se, pois, que, diante da magnitude e da ampla gama de serviços públicos oferecidos à população, seja por entes públicos, seja por entes privados, não se mostra razoável, nem factível, a imposição de tempo mínimo para atendimento de seus usuários.

De mais a mais, permito-me ponderar que, conquanto o intuito da propositura seja, em última análise, beneficiar a população que utiliza serviços públicos, certo é que a medida dela constante, de caráter isolado, não constitui instrumento suficiente para a melhoria pretendida, que somente será atingida pela contínua busca do aperfeiçoamento do serviço público como um todo, com a adequada aplicação dos recursos orçamentários disponíveis em equipamentos e pessoal capacitado, em um processo contínuo, como aquele que vem sendo desenvolvido pelos órgãos municipais diretamente responsáveis pelo atendimento ao público.

Nessas condições, as razões expendidas evidenciam a inconstitucionalidade e a contrariedade ao interesse público do projeto aprovado, pelo que sou compelido a vetá-lo na íntegra, com fulcro no § 1º do artigo 42 da Lei Orgânica local, devolvendo o assunto ao reexame dessa Colenda Casa de Leis.

Na oportunidade, renovo a Vossa Excelência protestos de apreço e consideração.

GILBERTO KASSAB

Prefeito

Ao

Excelentíssimo Senhor

ANTONIO CARLOS RODRIGUES

Digníssimo Presidente da Câmara Municipal de São Paulo

 

 

 

Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo