Razões de Veto ao Projeto de Lei nº 168/99
Ofício A.T.L. nº 072/00
Senhor Presidente
Tenho a honra de acusar o recebimento do Ofício nº l8/Leg.3/0254/2000, com o qual Vossa Excelência encaminhou à sanção, cópia autêntica da lei aprovada por essa Egrégia Casa em 29 de junho do corrente ano, de acordo com o inciso I do artigo 84 do Regimento Interno, relativa ao Projeto de Lei nº 168/99.
Apresentada pelo nobre Vereador Rubens Calvo, a medida dispõe sobre a obrigatoriedade de manutenção de cadeiras de rodas e andadores nos condomínios comerciais horizontais ou verticais, para atender eventuais acidentes ocorridos em suas dependências.
Sem embargo do apreço que dedico aos ínclitos integrantes desse Poder Legislativo, sou compelido a vetar o texto aprovado por inconstitucionalidade e contrariedade ao interesse público.
Ao que se depreende do texto aprovado, o legislador municipal está impondo encargos aos condomínios comerciais horizontais ou verticais.
A proposta normativa local legisla sobre condomínio, apesar de tal matéria ser abarcada pelo direito civil.
O tema, condomínio, encontra-se inserido, de forma genérica, no capítulo IV, do título II, da propriedade, do Código Civil; o condomínio em edificações é objeto da Lei Federal nº 4.59l, de l6 de dezembro de l964 com as alterações introduzidas pela Lei nº 4.864, de 29 de novembro de l965 e outras.
O condomínio é sempre matéria de direito civil, independentemente do uso previsto para suas unidades autônomas ser residencial ou comercial.
De acordo com parte do artigo lº da Lei de Condomínios nº 4.59l/64,
“as edificações ou conjuntos de edificações, de um ou mais pavimentos, construídos sob a forma de unidades isoladas entre si, destinadas a fins residenciais ou não residenciais...”
Conforme se constata os condomínios podem ter suas unidades destinadas à finalidade residencial ou não residencial, sem descaracterizar o instituto condominial, nos termos de expressa disposição legal.
Por sua vez o direito civil é definido por Ferrara no Tratado de direito civil italiano, como,
“o complexo das normas que disciplinam as relações dos indivíduos ou entes jurídicos entre si, em condições de igualdade, quer na esfera das pessoas, quer na do patrimônio” (em Comentários à Constituição Brasileira, de Pinto Ferreira, 2º volume, Saraiva, 1990, p. 7).
Examinada a lei elaboranda sob o prisma da atividade comercial, não há como desligar-se o tema da natureza condominial.
Nesse caso a lei municipal legislou sobre direito comercial.
“Direito comercial é o complexo de normas que regem as operações comerciais e disciplinam os direitos e obrigações das pessoas que exercem profissional e habitualmente o comércio” (Novo Dicionário Aurélio, Nova Fronteira, 1ª edição, 10ª impressão, fl. 478).
A norma, em preparo, obriga os condomínios comerciais a manter cadeiras de rodas e andadores para atender eventuais acidentes em suas dependências.
Essa determinação representa um requisito para os condôminos exercerem a atividade comercial; tanto é certo que a desatenção a tal obrigação sujeita os infratores à multa prevista.
Ocorre que só a União tem competência para legislar sobre direito civil e comercial, de acordo com o inciso I do artigo 22 da Constituição Federal.
Não poderia, por conseguinte, o Município legislar sobre matérias para as quais não tem competência.
Outrossim, ainda, há de se ressaltar que a imposição aos condomínios comerciais de manter em suas instalações cadeiras de rodas e andadores para atender eventuais acidentes ocorridos dentro do condomínio, representa ingerência do Poder Público em relação a particulares a inviabilizar o prosseguimento do procedimento legislativo.
Lembre-se, ademais, que acidentes, de uma forma geral, podem valer-se de atendimento apropriado e profissional, quando necessário, por equipe do Corpo de Bombeiros, ou por ambulância ou resgate com a participação de médicos ou paramédicos; esses profissionais são aptos a socorrer, de forma correta, a pessoa vitimada por eventual e específico acidente; nesses termos foi o esclarecimento prestado por representante da Comissão Permanente de Acessibilidade da Secretaria da Habitação e Desenvolvimento Urbano da Prefeitura de São Paulo.
A defesa dos assuntos particulares deve ficar a cargo das partes envolvidas, na hipótese vertente, dos participantes dos condomínios comerciais.
A existência de cadeiras de rodas ou andadores nos condomínios comerciais não será necessariamente o suficiente ou o indicado para o adequado atendimento de acidentados; daí poder-se concluir que tal medida não representa por si só o melhor caminho no resguardo do interesse público.
Pela sua oportunidade transcreve-se lição do sempre lembrado Hely Lopes Meirelles:
“A finalidade do poder de polícia, como já assinalamos precedentemente, é a proteção do interesse público no seu sentido mais amplo. Nesse interesse superior da comunidade entram não só os valores materiais como, também, o patrimônio moral e espiritual do povo, expresso na tradição, nas instituições e nas aspirações nacionais da maioria que sustenta o regime político adotado e consagrado na Constituição e na ordem jurídica vigente“ (Direito Administrativo Brasileiro, 24ª edição atualizada, Malheiros Editores, l999, p. ll8).
Os motivos expostos fazem ver que o projeto em apreço se apresenta inconstitucional por dispor sobre direito privado, seja na esfera do direito civil, seja na do comercial e contrário ao interesse público.
Com base no parágrafo 1º do artigo 42 da Lei Orgânica do Município de São Paulo e nas razões mencionadas veto no todo o projeto de lei aprovado, por inconstitucional e contrariedade ao interesse público.
Restituo a cópia autêntica de início referida e submeto o assunto a nova apreciação dessa Colenda Casa de Leis.
Aproveito a oportunidade para reiterar a Vossa Excelência os protestos de minha alta consideração.
CELSO PITTA
Prefeito
Ao Excelentíssimo
Senhor Armando Mellão Neto
Presidente da Câmara Municipal de São Paulo
Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo