CASA CIVIL DO GABINETE DO PREFEITO

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RAZÕES DO VETO AO PROJETO DE LEI Nº 152/2001; OFÍCIO DE 9 de Janeiro de 2004

Razões de Veto ao Projeto de Lei nº 152/01

OF. ATL nº 031/04

Senhor Presidente

Nos termos do Ofício nº 18/Leg.3/0757/2003, Vossa Excelência encaminhou à sanção cópia autêntica da lei decretada por essa Egrégia Câmara, relativa ao Projeto de Lei nº 152/01, proposto pelo Vereador Rubens Calvo, que institui o Projeto “Vovô Sabe Tudo”, programa de aproveitamento e valorização de idosos para fins educacionais, culturais e sociais.

Não obstante os meritórios propósitos de que se imbuiu seu ilustre autor, impõe-se o veto total ao texto aprovado, com fulcro no § 1º do artigo 42 da Lei Orgânica do Município de São Paulo, por inconstitucionalidade, ilegalidade e contrariedade ao interesse público, nos termos das razões a seguir aduzidas.

A propositura, em resumo, institui programa em que voluntários idosos, maiores de 65 anos, irão transmitir seus conhecimentos, habilidades, aptidões e experiências a crianças e adolescentes, com o desenvolvimento de atividades educacionais e culturais. Estabelece, também, que os idosos receberão treinamento específico e, para os que tenham renda igual ou inferior a cinco salários mínimos, bolsa de estímulo e auxílio, no valor de um salário mínimo.

A toda evidência a instituição do referido programa, com todos os seus desdobramentos, inclusive o financeiro e a admissão do pessoal a ele vinculado, diz respeito a assunto relacionado à organização administrativa, à prestação de serviços públicos, à criação de funções e ou empregos públicos, a servidores públicos municipais e respectiva fixação de remuneração, bem como a matéria orçamentária, cuja iniciativa legislativa acha-se privativamente atribuída ao Chefe do Poder Executivo, a teor do disposto no artigo 61, inciso II, alíneas “a”, “b” e “c”, da Constituição da República, reproduzido no artigo 37, § 2º, incisos I, II, III e IV, da Lei Orgânica do Município de São Paulo.

Patente, pois, que ao pretender dispor sobre matéria cuja iniciativa legislativa encontra-se legalmente atribuída ao Chefe do Executivo em caráter privativo, o projeto em questão ofende o salutar princípio constitucional da independência e harmonia entre os Poderes, consagrado no artigo 2º da Constituição da República e transposto para a órbita do Município de São Paulo nos termos do artigo 6º de sua Lei Maior.

A inconstitucionalidade também incide sobre o dispositivo que estabelece a percepção de remuneração, sob a denominação de “bolsa de estímulo e auxílio”.

Ora, aludido comando retrata, na realidade, situação própria de vínculo empregatício, eis que prevê a remuneração dos idosos, obviamente em decorrência dos serviços que, na condição de selecionados para o programa que se quer instituir, vierem a prestar à Administração. Configura, assim, forma de admissão de pessoal no serviço público, a qual, nos expressos termos do artigo 37, inciso II, da Constituição Federal, só pode ocorrer mediante prévia aprovação em concurso público.

Nesse aspecto, também está em desacordo com a Lei Federal nº 9.608, de 18 de fevereiro de 1998, que define o serviço voluntário como a atividade não remunerada, prestada por pessoa física a entidade pública de qualquer natureza ou a instituição privada de fins não lucrativos, que tenha os objetivos indicados na lei, restando claro que o serviço voluntário não gera vínculo empregatício, nem obrigação de natureza trabalhista, previdenciária ou afim. Ao estabelecer o pagamento da mencionada bolsa, a propositura desvirtua o sentido do trabalho voluntário.

Por outro lado, é mister ressaltar que a medida pressupõe a existência de verbas, importando aumento de despesas, sem a indicação dos correspondentes recursos, achando-se francamente em desacordo com o artigo 25 da Constituição do Estado de São Paulo e com a Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, em seus artigos 15 a 17.

A propósito, vale lembrar que o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em casos análogos, tem proclamado reiteradamente a inconstitucionalidade de textos legais como o ora vetado:

“Desta forma, determinando por meio de lei a adoção de medidas específicas de execução, houve ingerência de um Poder em relação ao outro, com nítida invasão de competência e infringência ao artigo 5º, “caput”, da Constituição do Estado.

....................................................................................A par disso, é evidente que a execução da indigitada lei iria provocar despesas. Sem constar a indicação dos recursos disponíveis próprios para atender aos novos encargos, era de rigor o veto, nos termos do artigo 25 da Constituição do Estado” (ADIN nº 44.255.0/5-00 – Rel. Franciulli Neto, v.u., j. em 19.05.99; no mesmo sentido: ADIN nº 59.744.0/01 – Rel. Des. Mohamed Amaro, ADIN nº 11.676-0; Rel. Des. Milton Coccaro; ADIN nº 11.803-0, Rel. Des. Yussef Cahali; ADIN nº 65.779-0/0, Rel. Des. Flávio Pinheiro).

A propositura é inconstitucional, também, pois fere o princípio da isonomia, consagrado no “caput” do artigo 5º da Constituição Federal, na medida em que restringe às crianças e adolescentes carentes os benefícios do convívio com os idosos. De fato, não há correlação lógica entre a condição sócio-econômica dos beneficiários do programa e o tipo de atividades que seriam prestadas pelos idosos, quais sejam, a transmissão de suas experiências vivenciais.

A mensagem apresenta-se também ilegal, já que contraria a disposição do artigo 1º da Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003 – Estatuto do Idoso, que fixou em 60 (sessenta) anos a idade em que uma pessoa é considerada idosa.

Não bastassem os vícios de inconstitucionalidade e de ilegalidade acima apontados, a propositura em comento, no mérito, contraria o interesse público.

Com efeito, segundo a lição de James Giacomoni (Orçamento Público, 11ª ed., Atlas) a criação de um programa municipal dessa natureza deve definir precisamente os objetivos e propósitos perseguidos pela instituição e para cuja consecução são utilizados os recursos orçamentários. Deve, também, definir o conteúdo do programa, isto é, os instrumentos de integração dos esforços governamentais, no sentido da concretização dos objetivos. Além disso, é de rigor a mensuração dos custos do programa medidos por meio da identificação dos meios ou insumos (pessoal, material, equipamentos, serviços, etc.) necessários para a obtenção dos resultados e, finalmente, as medidas de desempenho com a finalidade de medir as realizações (produto final) e os esforços despendidos na execução do programa.

Esse método de instauração de um programa tem em mira garantir o interesse público consistente na otimização do uso dos recursos financeiros oriundos dos tributos pagos pela população.

É oportuno dizer, por outro lado, que parte do conteúdo da propositura já tem sua execução na Rede de Proteção Social, da Secretaria Municipal de Assistência Social, na atividade de “contadores de histórias”, relacionada à programação dos núcleos de convivência.

Pelo exposto, estou impedida de acolher o texto vindo à sanção, o que me compele a vetá-lo inteiramente, por inconstitucionalidade, ilegalidade e contrariedade ao interesse público, com fulcro no artigo 42, § 1º, da Lei Orgânica do Município de São Paulo.

Devolvo o assunto, pois, à apreciação dessa Egrégia Câmara que, com seu elevado critério, se dignará a reexaminá-lo.

Na oportunidade, renovo a Vossa Excelência protestos de elevado apreço e distinta consideração.

MARTA SUPLICY

Prefeita

Ao

Excelentíssimo Senhor

ARSELINO TATTO

Presidente da Câmara Municipal de São Paulo

 

Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo