Razões de Veto ao Projeto de Lei nº 148/97
Ofício ATL nº 107/03
Senhor Presidente
Nos termos do Ofício nº 18/Leg.3/0060/2003, Vossa Excelência encaminhou à sanção cópia autêntica da lei decretada por essa Egrégia Câmara, relativa ao Projeto de Lei nº 148/97, proposto pelo Vereador Gilson Barreto, a qual dispõe sobre recebimento e depósito de sobras de materiais de construção para doação a pessoas carentes e entidades beneficentes ou habitacionais.
Não obstante os meritórios propósitos de que se imbuiu seu ilustre autor, impõe-se o veto total ao texto aprovado, com fulcro no § 1º do artigo 42 da Lei Orgânica do Município de São Paulo, por inconstitucionalidade, ilegalidade e contrariedade ao interesse público, nos termos das razões a seguir aduzidas.
Pela propositura, em resumo, a Prefeitura fica obrigada a receber sobras de materiais de construção para doação e reaproveitamento por famílias carentes, entidades beneficentes ou habitacionais sem fins lucrativos, devendo reservar áreas públicas para o despejo desses materiais, bem como manter serviço de controle destinado à verificação da situação de carência das pessoas neles interessados.
Patente, pois, que a medida legisla sobre organização administrativa, serviços públicos e administração de bens municipais, com evidente interferência nas atividades dos órgãos administrativos, impondo, por via de conseqüência, procedimentos e encargos geradores de despesas para o erário, o que é vedado ao Legislativo, por expressa disposição legal.
Assim sendo, ao pretender dispor sobre as citadas matérias, a propositura incorre em vício de iniciativa por contrariar o disposto no artigo 37, § 2º, inciso IV, da Lei Orgânica do Município de São Paulo, que estabelece serem de iniciativa do Prefeito as leis que disponham sobre organização administrativa e serviços públicos.
Por outro lado, o projeto de lei aprovado dispõe sobre uso de bens municipais situados na periferia da cidade. Tal comando legislativo contraria o disposto no artigo 70, inciso VI, da Lei Orgânica, que estabelece a competência do Prefeito para “administrar os bens municipais”.
A propositura, efetivamente, configura ingerência na condução da gestão administrativa, pois cria obrigações concernentes a recebimento e alocação de materiais, destinação de áreas públicas municipais, e controle destinado à verificação sumária da situação de carência dos interessados no reaproveitamento dos materiais.
Com efeito, para implantação das medidas preconizadas na lei aprovada haverá a necessidade de recursos humanos e materiais, com a criação de estruturas de recebimento, segurança, cobertura para conservação contra as intempéries, separação e disponibilização dos materiais. Isto implica dotar o órgão responsável por tais medidas de condições necessárias para sua viabilização, levando à realização de despesas, com reflexo nas finanças municipais. Tal matéria também é de iniciativa privativa do Chefe do Executivo, a teor do disposto no artigo 70, inciso VI, da Lei Orgânica.
Nesse sentido, é mister ressaltar que a medida pressupõe a existência de verbas, importando aumento de despesas, sem a indicação dos correspondentes recursos, achando-se francamente em desacordo com o artigo 25 da Constituição do Estado de São Paulo e com a Lei Complementar n° 101, de 4 de maio de 2000, em seus artigos 15 a 17.
A propósito, vale lembrar que o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em casos análogos, tem proclamado reiteradamente a inconstitucionalidade de textos legais como o ora vetado:
“Desta forma, determinando, por meio de lei a adoção de medidas específicas de execução, houve ingerência de um Poder em relação ao outro, com nítida invasão de competência e infringência ao artigo 5°, “caput”, da Constituição do Estado.
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A par disso, é evidente que a execução da indigitada lei iria provocar despesas. Sem constar a indicação dos recursos disponíveis próprios para atender aos novos encargos, era de rigor o veto, nos termos do artigo 25 da Constituição do Estado” (ADIN n° 44.255.0/5-00 – Rel. Des. Franciulli Neto, v.u., j. em 19.05.99; no mesmo sentido: ADIN n° 59.744.0/01 – Rel. Des. Mohamed Amaro, ADIN n° 11.676-0; Rel. Des. Milton Coccaro; ADIN n° 11.803-0, Rel. Des. Yussef Cahali; ADIN n° 65.779-0/0, Rel. Des. Flávio Pinheiro).
Diante disso, indiscutivelmente, a propositura extrapola as atribuições do Legislativo e invade a esfera de competências do Executivo, configurando infringência ao princípio constitucional da independência e harmonia entre os Poderes, consagrado no artigo 2° da Constituição Federal e reproduzido nos artigos 5° da Constituição Estadual e 6° da Lei Maior local.
Não obstante as razões de inconstitucionalidade de ilegalidade apontadas sejam suficientes para fundamentar o veto integral do texto aprovado, a propositura desatende, ainda, ao interesse público.
Além das evidentes dificuldades operacionais de implantação dessa propositura, deve ser apontado que deixar-se as sobras de materiais de construção à disposição dos interessados, como previsto no artigo 2º do texto aprovado, significa expor a população a situações de risco, por diversas razões. Pode-se citar, a título de exemplo, o acúmulo de materiais sujeitos a se tornarem criadouros de animais sinantrópicos, tais como mosquitos transmissores de doenças, aranhas, escorpiões etc., os quais têm por habitat natural os sítios de abrigo que lhes serão proporcionados. Também a busca pelos materiais poderá dar causa a acidentes físicos, acarretando, até mesmo, a responsabilização da Prefeitura.
Finalmente, necessário é dizer que a edição de normas esparsas sobre determinado tema, como ocorre no caso, contraria as normas federais de técnica legislativa, consubstanciadas na Lei Complementar n° 95, de 26 de fevereiro de 1998, uma vez que a matéria concernente à remoção de sobras de materiais de construção encontra-se totalmente disciplinada nos artigos 22, inciso III, e 119, inciso II, ambos da Lei n° 13.478, de 30 de dezembro de 2002, que dispõe sobre a organização do Sistema de Limpeza Urbana do Município de São Paulo.
Conclui-se, portanto, que sob os aspectos apresentados o projeto aprovado revela-se ilegal, inconstitucional e contrário ao interesse público, pelo que vejo-me na contingência de vetá-lo integralmente, com fulcro no artigo 42, § 1º, da Lei Orgânica do Município de São Paulo.
Devolvo, pois, o assunto à apreciação dessa Egrégia Casa de Leis que, com seu elevado critério, se dignará a reexaminá-lo.
Na oportunidade, renovo a Vossa Excelência protestos de elevado apreço e distinta consideração.
MARTA SUPLICY
Prefeita
Ao Excelentíssimo
Senhor ARSELINO TATTO
Presidente da Câmara Municipal de São Paulo
Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo