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RAZÕES DO VETO AO PROJETO DE LEI Nº 146/2006; OFÍCIO DE 17 de Janeiro de 2008

Razões de Veto ao Projeto de Lei nº 146/06

OF ATL nº 12/08

Ref.: Ofício SGP-23 nº 6252/2007

Senhor Presidente

Por meio do ofício em epígrafe, Vossa Excelência encaminhou à sanção cópia autêntica de lei decretada por essa Egrégia Câmara, em sessão de 13 de dezembro de 2007, relativa ao Projeto de Lei nº 146/06, de autoria do Vereador Donato, que dispõe sobre a concessão de descontos no valor do IPTU para imóvel que faça frente para local de feira livre ou que tenha ponto de parada de ônibus instalado em sua calçada.

O texto aprovado, todavia, não reúne condições de ser convertido em lei, impondo-se seu veto total, por inconstitucionalidade, ilegalidade e contrariedade ao interesse público, nos termos das considerações a seguir expostas.

A medida concede desconto de 50% (cinqüenta por cento) no valor do Imposto Predial e Territorial Urbano – IPTU para os imóveis que estejam nas situações acima especificadas, dispondo, pois, sobre matéria de natureza orçamentária.

Desde logo, impende destacar que a propositura contraria disposições da Lei Orgânica do Município de São Paulo, tanto aquela insculpida em seu artigo 37, § 2º, inciso IV, segundo a qual são de iniciativa privativa da Chefia do Executivo as leis que tratam de matéria orçamentária, quanto aquela consagrada em seu artigo 70, inciso VI, que arrola, dentre as competências do Prefeito, a de administrar os bens, receita e rendas do Município, bem como a de promover o lançamento, a fiscalização e a arrecadação de tributos. Da mesma forma, desatende ao disposto no artigo 13, inciso III, do mesmo diploma legal, que atribui ao Legislativo competência somente para autorizar isenções, anistias fiscais e remissão de dívidas, não para instituí-las.

Ademais, o benefício fiscal outorgado pelo projeto de lei configura remissão parcial de crédito tributário, da qual resulta expressiva renúncia de receita, inserindo-se no rol dos instrumentos de planejamento das finanças públicas para a implantação e o desenvolvimento das políticas públicas.

Por tais razões, a iniciativa de leis relativas a essa matéria cabe tão-só ao Executivo, a quem compete a formulação e a implementação da política governamental.

Lapidar, a esse propósito, o ensinamento do emérito Professor Roque Antonio Carrazza, que ensina, com toda a clareza, que, em matéria tributária, a iniciativa das leis é ampla. Porém, esse raciocínio não se aplica às leis tributárias benéficas, que compreendem todas aquelas que acarretam diminuição de receita – como as instituidoras de isenções, anistias e parcelamento de débito, dentre outras – que continuam a ser de iniciativa privativa do Chefe do Executivo (Presidente, Governador ou Prefeito), em virtude de somente tal autoridade reunir condições objetivas para aquilatar os efeitos de leis desse tipo nas finanças públicas sob sua guarda e responsabilidade. Como assevera referido autor, “daí nossa conclusão de que a Constituição Federal fechou as portas da iniciativa das leis tributárias benéficas, seja para o Legislativo, seja para os cidadãos. (...). Desatendida essa exclusividade, fica patente a inconstitucionalidade, em face de vício de iniciativa.” (“Curso de Direito Constitucional Tributário”, 20ª edição, Malheiros Editores, 2004, p. 290 e seguintes).

Nesse sentido, igualmente o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em casos análogos, tem proclamado reiteradamente a inconstitucionalidade de textos legais como o ora vetado:

“Vale dizer, toda renúncia fiscal, que implica necessariamente em redução da receita tributária, só pode ser concedida por lei, de iniciativa do Poder Executivo. A solução encontrada pelo legislador constituinte é sábia, porque, de um lado, impede o Poder Executivo de fazer benesses, mediante simples atos administrativos, ou decretos, exigindo, para outorga de benefícios fiscais, a edição de lei, o que submete a matéria ao exame do Legislativo. De outro, ao prever a reserva da iniciativa da lei ao Chefe do Poder Executivo, obsta que o Poder Legislativo, por vontade própria, aprove lei criando benefícios fiscais, em detrimento da receita do ente público, acarretando dificuldades, quando não inviabilizando, à continuidade dos serviços e obras públicos.” (ADIN nº 055.219-0/7-00, Rel. Des. Luiz Tâmbara, j. em 15.03.2000).

Por outro lado, a medida acha-se, ainda, em desacordo com a Lei Complementar Federal nº 101, de 4 de maio de 2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal), a qual determina, expressamente, em seu artigo 14, que qualquer renúncia de receita deverá estar acompanhada de estimativa de impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois seguintes, além da demonstração, pelo proponente, de ter sido considerada na estimativa de receita da Lei Orçamentária Anual e de que não afetará as metas previstas na Lei de Diretrizes Orçamentárias.

Alternativamente, de acordo com o mesmo dispositivo legal supracitado, a propositura que conceder ou ampliar incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita deverá demonstrar que essa renúncia de receita será compensada pelo aumento de receita proveniente de elevação de alíquotas, ampliação de base de cálculo, aumento ou criação de tributo ou contribuição. Nesse caso, o ato que acarrete renúncia somente entrará em vigor quando estiver assegurada a compensação pelo aumento de receita, devendo a Lei de Diretrizes Orçamentárias e a Lei Orçamentária Anual conter demonstrativo da estimativa e das medidas de compensação da renúncia de receita.

Assim também dispõe o artigo 24 da Lei Municipal nº 14.473, de 11 de julho de 2007, que estabelece as diretrizes orçamentárias para o exercício de 2008, segundo o qual os projetos de lei de concessão de remissão, anistia, subsídio, crédito presumido, isenção em caráter não geral, alteração de alíquota ou modificação de base de cálculo que impliquem redução discriminada de tributos ou contribuições, e outros benefícios que correspondam a tratamento diferenciado deverão atender ao disposto no artigo 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal, devendo ser instruídos com demonstrativo evidenciando que não serão afetadas as metas de resultado nominal e primário.

Resta patente que, no caso do texto aprovado, nenhuma dessas exigências foi cumprida.

Destarte, é forçoso inferir que, ao extrapolar as atribuições do Legislativo e invadir a esfera de competências exclusivas do Executivo, a propositura fere o princípio constitucional da independência e harmonia entre os Poderes, consagrado no artigo 2º da Carta Magna e reproduzido no artigo 5º da Constituição do Estado de São Paulo e no artigo 6º da Lei Maior Local, ao mesmo tempo em que desatende a Lei de Responsabilidade Fiscal, circunstâncias que a inquinam simultaneamente de inconstitucionalidade e ilegalidade.

Por outro lado, o projeto de lei não se coaduna com o interesse público, esbarrando em óbices que, também sob esse prisma, impedem sua sanção.

Com efeito, a criação e a localização de feiras livres e pontos de ônibus têm natureza dinâmica, pois visam atender às demandas da população, sendo passíveis, portanto, de sofrer freqüentes alterações, de acordo com critérios determinados por autoridades de trânsito e de uso e ocupação do solo, o que pode ensejar, em um mesmo exercício fiscal, tanto a concessão do benefício quanto seu rápido cancelamento.

A propósito, cumpre ressaltar que a Cidade de São Paulo conta, atualmente, com 891 feiras livres, das quais 869 são realizadas nas ruas e 22 em áreas confinadas, existindo, ainda, 16.736 paradas de ônibus em logradouros públicos e 397 em corredores, números que bem demonstram a amplitude do universo de contribuintes alcançados pela medida, resultando em elevada diminuição de receita e, conseqüentemente, em sério comprometimento do orçamento público municipal.

Acresça-se que, sob o aspecto operacional, a medida demanda a criação de sistema próprio voltado ao controle do favor fiscal, acarretando alto dispêndio de verbas aos cofres públicos, além de exigir constante fiscalização a fim de evitar a indevida manutenção do benefício aos imóveis cuja situação vier a ser alterada posteriormente, em virtude da remoção da feira livre ou do ponto de ônibus existentes quando do deferimento do aludido desconto.

Finalmente, é imperativo lembrar que, diversamente do alegado na justificativa do projeto de lei, feiras livres e paradas de ônibus têm por finalidade facilitar a vida da população e sua presença não implica, necessariamente, a desvalorização dos imóveis próximos.

É mister considerar que as feiras realizadas nas ruas ocorrem apenas uma vez por semana, não chegando a provocar transtorno tal que justifique compensação mediante redução do referido tributo, apresentando, em contrapartida, vantagens a quem delas se utiliza por sua proximidade e oferta de produtos frescos e saudáveis, a preços geralmente mais baixos.

O mesmo se diga das paradas de ônibus, que conferem maior comodidade às pessoas que residem, trabalham ou se deslocam no seu entorno, observando-se que a facilidade de transporte constitui, no mundo todo, fator de valorização imobiliária, a exemplo do que se verifica com os imóveis localizados próximos às estações do Metrô.

Nessas condições, por força das razões expendidas, que impendem a sanção do texto aprovado, vejo-me na contingência de vetá-lo na íntegra, com fundamento no § 1º do artigo 42 da Lei Orgânica do Município de São Paulo, devolvendo o assunto ao reexame dessa Egrégia Casa Legislativa.

Na oportunidade, renovo a Vossa Excelência meus protestos de apreço e consideração.

GILBERTO KASSAB

Prefeito

Ao

Excelentíssimo Senhor

ANTONIO CARLOS RODRIGUES

Digníssimo Presidente da Câmara Municipal de São Paulo

 

Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo