CASA CIVIL DO GABINETE DO PREFEITO

Acessibilidade

RAZÕES DO VETO AO PROJETO DE LEI Nº 136/2009; OFÍCIO DE 15 de Julho de 2009

Razões de Veto ao Projeto de Lei nº 136/09

Ofício A.T.L. nº 107/09

Ref.: Ofício SGP-23 nº 02005/2009

Senhor Presidente

Por meio do ofício em epígrafe, Vossa Excelência encaminhou à sanção cópia autêntica da lei decretada por essa Egrégia Câmara, em sessão de 17 de junho de 2009, referente ao Projeto de Lei nº 136/09, de autoria da Vereadora Sandra Tadeu, que dispõe sobre a obrigatoriedade de acomodação, em espaço único, específico e de destaque, de produtos alimentícios recomendados para pessoas com diabetes.

De acordo com a justificativa apresentada por sua autora, a propositura tem o intuito de facilitar a vida dos diabéticos, com a criação de uma gôndola ou ilha específica para os alimentos a eles destinados, evitando, assim, a confusão gerada pela presença de produtos proibidos ao lado daqueles aconselhados para essas pessoas.

Em que pese seu nobre intuito, a propositura não reúne condições de ser convertida em lei, impondo-se seu veto total, na conformidade das razões a seguir aduzidas.

O projeto de lei determina aos mercados, supermercados, hipermercados ou estabelecimentos similares, com mais de três caixas registradoras, a apresentação, em espaço específico, de produtos alimentícios voltados para diabéticos, sob pena de multa de R$ 500,00 (quinhentos reais) a R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais), dobrada em caso de reincidência, observadas a gravidade da infração, o porte econômico do infrator, sua conduta e o resultado produzido, de acordo com o critério da proporcionalidade e razoabilidade.

Inicialmente, cabe ponderar que, ao ordenar como deverão ser dispostos os produtos alimentícios recomendados para pessoas com diabetes, dirigindo a obrigação a determinados estabelecimentos, o projeto aprovado fere, ao mesmo tempo, dois princípios constitucionais: o da liberdade do exercício das atividades econômicas, consagrado no artigo 170 da Carta Magna, e o da isonomia, estampado no “caput” de seu artigo 5º.

Como bem observa o eminente Professor Celso Ribeiro Bastos, a respeito do princípio consubstanciado no artigo 170 da Constituição Federal, “o importante, contudo, é notar que a regra é a liberdade. Qualquer restrição a esta há de decorrer da própria Constituição ou de leis editadas com fundamento nela”. (“Direito Econômico”, 2ª edição, Coimbra Editora, pág. 116).

Nesse sentido também se firmou o posicionamento do Supremo Tribunal Federal, segundo o qual “a intervenção estatal na economia, mediante regulamentação e regulação de setores econômicos, faz-se com respeito aos princípios e fundamentos da República e da ordem econômica: CF, art. 1º, IV, art. 170”. (RE nº 422.941, Relator Ministro Carlos Velloso, j. 5.12.2005, DJ 24.3.2006).

Com efeito, a medida configura inegável interferência no desempenho das atividades exercidas pelo referido segmento, chegando ao ponto de ditar como deverão ser acomodados e apresentados tais produtos aos consumidores, além de conferir tratamento discriminatório à categoria a que se destina, atingindo apenas os mercados, supermercados e hipermercados que mantenham mais de três caixas registradoras.

A propósito, verifica-se que a normatização específica editada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA, órgão ao qual compete legislar sobre a matéria, define o padrão de identidade e qualidade dos produtos dietéticos, além de regulamentar sua produção e rotulagem, não contemplando, naturalmente, qualquer imposição semelhante àquela instituída pelo texto aprovado, em respeito ao princípio da liberdade do exercício das atividades econômicas.

Por outro lado, não obstante a inconstitucionalidade de que padece, a propositura, quanto ao mérito, também se afigura inadequada sob o aspecto técnico.

De fato, os estabelecimentos que comercializam alimentos reúnem uma grande variedade de produtos “in natura” e industrializados, que não só podem como devem ser consumidos por pessoas portadoras de diabetes, não incluindo, necessária e imperiosamente, apenas alimentos industrializados adoçados com edulcorantes artificiais (adoçantes sintéticos) em sua alimentação.

Assim, a imposição de outras áreas de segregação para esses produtos, em acréscimo àquelas empregadas de modo peculiar e distinto pelos diversos estabelecimentos, no âmbito da liberdade assegurada pelo ordenamento constitucional e de acordo com suas estratégias de vendas e organização, poderia se traduzir em estímulo ao aumento do consumo desses alimentos industrializados, em detrimento das ações de promoção à saúde, afigurando-se em descompasso com o interesse público.

A esse respeito, pondera a Coordenação de Vigilância Sanitária – COVISA, da Secretaria Municipal da Saúde, que o simples consumo de produtos dietéticos transmite, muitas vezes, a falsa segurança de consumo adequado e seguro, o que poderia agravar o curso e o prognóstico da síndrome, se os portadores de “diabetes mellitus” – que não é conceituada como doença única, mas um grupo heterogêneo de distúrbios metabólicos, que apresentam em comum a hiperglicemia, requerendo, conforme o caso, tratamento medicamentoso e não medicamentoso – não contarem com acompanhamento de profissionais de saúde, que orientem, com critérios técnicos, a dieta e o consumo individualizados, incluindo a adoção de alimentação saudável e equilibrada, bem como alterações no estilo de vida, com a prática regular de atividade física.

Resta patente, pois, que a propositura vinda à sanção desborda dos limites impostos pela Carta Magna ao Município, quer para suplementar a legislação federal e estadual, quer para legislar sobre o interesse local, malferindo os princípios constitucionais acima invocados.

Assim, à vista das razões ora explicitadas, demonstrando os óbices que impedem a sanção do texto aprovado, seja porque eivado de inconstitucionalidade, seja porque contrário ao interesse público, vejo-me compelido a vetá-lo na íntegra, devolvendo o assunto ao reexame dessa Egrégia Casa Legislativa.

Na oportunidade, renovo a Vossa Excelência meus protestos de apreço e consideração.

GILBERTO KASSAB

Prefeito

Ao

Excelentíssimo Senhor

ANTONIO CARLOS RODRIGUES

Digníssimo Presidente da Câmara Municipal de São Paulo

 

 

Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo