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RAZÕES DO VETO AO PROJETO DE LEI Nº 126/2007; OFÍCIO DE 28 de Janeiro de 2009

Razões de Veto ao Projeto de Lei nº 126/07

OF ATL nº 14/09

Ref.: Ofício SGP-23 nº 00084/2009

Senhor Presidente

Por meio do ofício em epígrafe, Vossa Excelência encaminhou à sanção cópia autêntica da lei decretada por essa Egrégia Câmara, em sessão de 16 de dezembro de 2008, relativa ao Projeto de Lei nº 126/07, de autoria do Vereador Beto Custódio, que dispõe sobre a obrigatoriedade de instalação de brinquedotecas em todos os Centros de Educação Infantil - CEIs, Escolas Municipais de Educação Infantil - EMEIs e de Ensino Fundamental - EMEFs, no âmbito do Município de São Paulo.

O projeto de lei, além de tornar compulsória a instalação do equipamento conceituado em seu artigo 2º, especifica objetivos e estabelece que cada unidade escolar deve ter, para o planejamento e a coordenação integral de todas as atividades desenvolvidas, um Coordenador Pedagógico, atribuindo, ainda, a aquisição dos materiais necessários à Coordenadoria de Educação da região, conforme instruções da Secretaria Municipal de Educação.

O intuito da iniciativa é, sem dúvida, meritório, considerando-se que a importância das atividades desenvolvidas em brinquedotecas é reconhecida mundialmente, haja vista que possibilita às crianças, em ambiente especialmente lúdico, resgatar brincadeiras, compartilhar alegrias e ter acesso a brinquedos variados e de boa qualidade, socializando seu uso, independentemente da situação financeira das respectivas famílias, estimulando-as, assim, a colaborar entre si, a receber e dar auxílio, a respeitar e compreender as pessoas.

A medida aprovada, todavia, acaba por interferir diretamente na autonomia das escolas, no tocante à definição de seu Projeto Político-Pedagógico, à escolha de espaços e instrumentos pedagógicos e à aplicação de recursos financeiros, restando indeclinável seu veto total, nos termos das razões a seguir aduzidas.

Para melhor compreensão da questão, é mister examinar a legislação que rege a organização da educação nacional.

A Constituição Federal, cujos dispositivos relativos ao ensino acham-se disciplinados pela Lei Federal nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional – LDB, inovou a estrutura educacional brasileira, ao criar a possibilidade de os Municípios organizarem seu próprio sistema de ensino, entendido como “o conjunto de instituições de educação escolar – públicas e privadas –, de diferentes níveis e modalidades de educação e de ensino – e de órgãos educacionais – administrativos e normativos –, elementos distintos, mas interdependentes, que interagem entre si como unidade, alicerçada em fins e valores comuns e garantida por normas elaboradas pelo órgão competente, visando ao desenvolvimento do processo educativo, e em constante interação com o meio em que se inserem”, conforme ensina Maria Timm Sari (“A Organização da Educação Nacional”, in “Direito à Educação: uma Questão de Justiça”, Malheiros Editores, 2004).

Como componente primordial desse sistema, nos termos dos artigos 12 e 15 da LDB, foi assegurada aos estabelecimentos de ensino, respeitadas as regras comuns e as de seu sistema de ensino, a incumbência de elaborar e executar seu Projeto Político-Pedagógico, mediante “progressivos graus de autonomia pedagógica e administrativa e de gestão financeira, observadas as normas gerais de direito financeiro público”.

Assim, por força de tal imperativo legal, vem sendo conferida às escolas municipais, gradativamente, a autonomia necessária para definir seu próprio Projeto Pedagógico, bem como os instrumentos que possibilitarão sua execução e os meios financeiros para a aquisição de materiais didáticos considerados adequados.

Compete, portanto, às unidades educacionais decidir quais são os recursos didáticos necessários à implantação de seu Projeto Pedagógico e definir a organização de seus espaços educativos, dentre os quais se situa a brinquedoteca, pelo que a imposição de sua instalação em todas as escolas não apenas configura clara ingerência nas atribuições legais desses órgãos, ferindo sua autonomia, como também conflita com os princípios norteadores da LDB.

No Município de São Paulo, o assunto tem merecido especial atenção, sobretudo na área da educação infantil (CEIs e EMEIs), tratando-se de recurso indicado pela Secretaria Municipal de Educação como importante alternativa de intervenção pedagógica para crianças de zero a seis anos, cabendo, contudo, às escolas a deliberação sobre sua criação, desde que assim contemplado em sua proposta pedagógica e que possuam espaço apropriado para isso.

Paras os alunos matriculados no ensino fundamental, o trabalho é igualmente implementado por meio de atividades desenvolvidas nas Salas de Leitura, nos Espaços de Leitura e no Projeto “Ações de Apoio Pedagógico” que prevê atividades diversificadas, destinadas a alunos com dificuldades de aprendizagem, para os quais a criação de ambientes lúdicos favorece o processo educativo.

Já os CEIs e as EMEIs dispõem de brinquedos, materiais pedagógicos e acervo de livros adequados à respectivas faixas etárias, voltados a atividades lúdicas, o mesmo ocorrendo nas EMEFs que, além dos livros que compõem o acervo das Salas de Leitura, contam com blocos lógicos, “tangran”, material dourado, alfabetário, caixa de cores, sólidos geométricos e “soroban”, dentre outros.

Vê-se, pois, que a apropriação dos conhecimentos e habilidades não se concretiza apenas mediante a utilização da brinquedoteca, vez que permeada de diversas estratégias metodológicas destinadas ao pleno desenvolvimento físico, cognitivo e social da criança, evidenciando que os fins pretendidos pela propositura têm sido atendidos por meio de várias ações implementadas pelas escolas, de acordo com as metas estabelecidas pela Secretaria Municipal de Educação e os respectivos Projetos Pedagógicos.

Por outro lado, resta patente que, ao interferir em atribuições próprias das unidades educacionais e da Administração Municipal, determinando, inclusive, a adoção de providências de grande monta, em virtude do número de escolas envolvidas, o projeto de lei dispõe sobre assunto vinculado à organização administrativa e à matéria orçamentária, cujo impulso legislativo cabe privativamente ao Executivo, nos termos do artigo 37, § 2º, inciso IV, da Lei Maior local, malferindo o princípio constitucional da independência e harmonia entre os Poderes, ao mesmo tempo em que incide em ilegalidade, por desatender a preceitos e diretrizes da legislação federal que rege a educação nacional.

Destarte, à vista das razões ora expendidas, demonstrando os óbices que impedem a sanção do texto aprovado, vejo-me na contingência de vetá-lo na íntegra, com fundamento no artigo 42, § 1º, da Lei Orgânica do Município de São Paulo.

Assim sendo, devolvo o assunto à apreciação dessa Egrégia Câmara que, com seu elevado critério, se dignará a reexaminá-lo, renovando, na oportunidade, a Vossa Excelência protestos de apreço e consideração.

GILBERTO KASSAB

Prefeito

Ao

Excelentíssimo Senhor

ANTONIO CARLOS RODRIGUES

Digníssimo Presidente da Câmara Municipal de São Paulo

 

Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo